segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Jantar festivo

Jean levou a família para comemorar o fechamento de um grande acordo com a família de um parceiro de negócios. 

Cheryl odiava esses jantares. Eles eram tão frequentes que mal dava tempo de esquecer o último antes de outro aparecer no calendário. Para ela, eram uma exibição desnecessária de poder e influência, e, pior, um palco onde seu padrasto, Jean, gostava de exibi-la como um troféu.

Naquela noite, ele não decepcionou: havia presenteado Cheryl com um vestido caríssimo, dizendo com um sorriso satisfeito: “Você vai ser a mais bonita do local.” 

Ao ouvir isso, ela quis rasgar o vestido ali mesmo. Na primeira oportunidade, sabia que doaria aquela peça, como fazia com todos os outros presentes do padrasto, sentindo um alívio pequeno e passageiro ao se livrar deles.

Sentada à mesa, Cheryl acenava e sorria automaticamente enquanto a filha mais velha do parceiro de negócios de Jean falava incessantemente sobre unhas de gel, tratamentos de beleza e compras extravagantes. As palavras da garota ecoavam em sua mente como um ruído de fundo. 

O sorriso de Cheryl era a sua armadura. Amplo, encantador, capaz de mascarar qualquer emoção. A forma como seus lábios se curvavam para cima tinha um magnetismo natural, e as duas covinhas que se formavam em suas bochechas adicionavam um toque quase infantil, contrastando com o olhar astuto que ela usava para avaliar o ambiente. As pessoas sempre acreditavam nesse sorriso. Ele era sua forma de sobreviver a situações como aquela.

Seu irmão mais novo, ao lado, estava absorto em seu Nintendo, soltando exclamações frustradas a cada derrota contra o adversário robô.

Cheryl varreu o salão com os olhos. Todos pareciam ocupados em conversas animadas. Porém, sua mãe, esforçava-se para manter um diálogo com a esposa refinada do parceiro de Jean, tropeçando em palavras em um português precário. Era quase desconfortável assistir.

Quando a outra garota começou a descrever detalhadamente as vantagens de um novo esmalte importado, Cheryl decidiu que precisava de um respiro.

"Com licença. Vou ao banheiro", disse Cheryl, levantando-se e forçando um sorriso educado.

"Quer que eu vá com você?" perguntou a filha do empresário, inclinando-se para frente com um olhar quase suplicante.

"Não precisa, já volto." Cheryl sorriu novamente, um sorriso caloroso o suficiente para parecer sincero.

Ela se afastou, caminhando em direção ao banheiro feminino no final de um corredor silencioso. Sentiu o alívio imediato de estar longe da mesa, longe do ambiente sufocante de risadas forçadas e exibições de poder. Mas, ao dobrar a esquina, quase esbarrou em alguém.

"Se a gente tivesse combinado, não teria dado tão certo", disse Tom, sorrindo de canto ao vê-la.

Cheryl parou abruptamente, sentindo o coração acelerar. "O que você está fazendo aqui?"

"Jantar com a Camila. A gente tá comemorando mais um mês de namoro", ele respondeu casualmente, como se aquilo não fosse nada demais. "Só não me pergunte quantos meses." Ele riu, mas seus olhos não deixaram o rosto dela, analisando cada detalhe, como se estivesse tentando decifrá-la.

"Você tá linda", ele acrescentou, com uma voz mais baixa, quase rouca.

"Obrigada", respondeu Cheryl, desviando o olhar enquanto passava uma mecha de cabelo atrás da orelha.

Tom hesitou por um momento antes de dizer: "Eu pensei em te procurar depois que você terminou com o Edward."

Cheryl ergueu uma sobrancelha. "Pra quê?"

"Pra saber como você tava. Eu sei que você gostava dele."

"Fui eu que terminei." Cheryl retrucou defensiva. 

"Eu sei." Tom admitiu, inclinando-se levemente em direção a ela. "Mas não foi porque você queria, foi? Aquela coisa toda do noivado da Nadine te abalou."

Cheryl abaixou o olhar, incapaz de negar. "Foi."

"Eu também fiquei impressionado com aquilo", ele continuou, a voz mais suave. "Ainda tenho esperança de que eles terminem antes de se casarem."

Ela deu um sorriso breve, quase tímido, e suas covinhas apareceram novamente, apesar de seu esforço em manter a neutralidade. “Eu também.”

Enquanto o silêncio pairava, um homem passou por eles, entrando no banheiro masculino. Tom aproveitou o momento para puxar Cheryl suavemente pelo braço e levá-la para o banheiro acessível ao lado.

"O que você está fazendo?" Cheryl perguntou, a voz subindo em um tom de alerta.

Antes que ela pudesse terminar, Tom a pressionou contra a porta, fechando-a atrás de si. Seus lábios encontraram os dela com urgência, e suas mãos seguraram sua cintura, puxando-a contra ele.

“We shouldn’t…” ela murmurou entre os beijos, mas sua voz falhou quando ele deslizou os lábios para o pescoço dela, sugando levemente a pele sensível.

“Diz que não sentiu minha falta.” A voz dele estava rouca, quase um desafio.

Ela não respondeu com palavras. Em vez disso, puxou-o para mais perto, suas mãos deslizando para os ombros largos dele. Seus corpos se ajustaram com uma familiaridade perigosa, como se nenhum segundo tivesse se passado desde a última vez.

“Você ainda tem o mesmo gosto.” Ele sussurrou contra os lábios dela antes de beijá-la novamente, as mãos firmes explorando as curvas que ele conhecia tão bem.

Cheryl deveria ter resistido. A cena era absurda. Ele estava ali comemorando um mês de namoro com outra, afinal. Mas quando a lingua dele encontrou a dela, os pensamentos racionais evaporaram. Ela envolveu o pescoço de Tom, puxando-o ainda mais para si.

"Saudades do teu cheiro, do teu gosto de você gemendo meu nome." O professor murmurou entre beijos.

“Tom…” Cheryl tentou falar, mas sua voz saiu trêmula. Suas mãos apertaram os seus ombros, buscando equilíbrio.

"Exatamente assim," ele respondeu com um sorriso satisfeito apertando a sua cintura ainda mais. 

Sem interromper o beijo, Tom começou a desafivelar o cinto, seus dedos ágeis mas hesitantes, como se ainda esperassem um sinal final. Suas mãos deslizaram para a coxa dela, traçando círculos lentos e provocativos, parando apenas para sussurrar: “Posso?”

Cheryl hesitou, mordendo o lábio inferior. Seus pensamentos eram um caos, mas ela assentiu levemente, dando permissão.

“Tão apertada quanto antes,” ele sussurrou, um sorriso arrogante surgindo em seus lábios.

“Eu sou a mais apertada que você já teve?” ela conseguiu perguntar. Uma mão voando para a parede atrás dela em busca de apoio enquanto a intensidade crescia.

“Disparada. E a melhor.” ele respondeu sem hesitação.

Os dois chegaram quase ao mesmo tempo, ofegantes. Tom encostou a testa na cabeça de Geordie, fechando os olhos por um instante. Seu nariz roçou de leve nos cabelos dela, respirando fundo, como se aquele cheiro pudesse acalmá-lo. Sentiu o coração ainda acelerado e o dela também.

"A gente precisa voltar", disse Cheryl, empurrando ele para colocar distância entre os dois.

Tom assentiu, sem discutir. A britânica ajeitou a roupa em silêncio, os dedos tremendo levemente enquanto passava o indicador ao redor da boca, apagando qualquer vestígio de batom que pudesse estar ali, ou talvez, só tentando apagar o que acabara de acontecer.

“Deixa eu ajudar.”

A voz dele soou suave, quase um pedido. Com um toque cuidadoso, ele passou o polegar em torno de seus lábios, o olhar preso no rosto dela. Depois de um momento que pareceu longo demais, limpou a garganta.

“Sem nenhum vestígio.”

Cheryl sustentou o olhar dele por um instante e, sem dizer nada, se virou para sair.

Antes que pudesse dar o primeiro passo, Tom segurou sua mão, os dedos brincando devagar com os dela. “Até amanhã,” disse ele, com um sorriso que parecia ao mesmo tempo charmoso e resignado.

"Até amanhã", Cheryl repetiu, tentando soar indiferente.

Tom permaneceu no banheiro por alguns segundos após Cheryl sair, ajustando as roupas com calma e observando seu reflexo no pequeno espelho acima da pia. Um sorriso satisfeito brincava em seus lábios.

Ele sabia que o que acabara de acontecer não era certo nem para Cheryl e nem para Camila. Mas a maneira como Cheryl reagia ao seu toque, o modo como ela o beijava, fazia tudo parecer inevitável.

Enquanto isso, Cheryl atravessava o salão, sentindo os olhares invisíveis sobre si, como se todos ali soubessem o que havia acontecido. O ar parecia mais pesado, e ela se esforçava para caminhar com naturalidade, como se nada estivesse fora do comum. A conversa da mesa voltou a preencher seus ouvidos assim que se sentou, mas era difícil focar nas palavras.

Ao se aproximar, sentiu o olhar de Jean. Ele era atento, quase desconcertantemente perspicaz, especialmente em relação a ela. Cheryl tentou se recompor, ajeitando o cabelo e passando a mão pelo rosto para afastar o suor, mas era tarde demais.

“Vira de frente pra mim,” Jean ordenou assim que ela chegou à mesa.

Cheryl respirou fundo, tentando encontrar alguma compostura, mas obedeceu.

“O que aconteceu? Você está toda corada e suada,” ele disse, franzindo o cenho. 

Sua mão tocou delicadamente a testa da menina, e ela quase recuou com o gesto.

“É que aqui tá muito quente,” Cheryl mentiu, desviando o olhar.

Jean riu, apontando para o ar-condicionado que soprava um vento gelado diretamente na mesa. "Você tá mesmo acostumada com temperaturas negativas." Ele brincou, limpando o suor do rosto dela com a palma da mão. 

Cheryl forçou um riso fraco, sentindo o olhar de Jean ainda sobre ela.

“Tudo certo.” Ele depositou um beijo leve no topo da cabeça dela antes de voltar sua atenção para os outros convidados.

“Você está bem?” A voz da filha do sócio quebrou seus pensamentos.

“Sim, claro.” Cheryl sorriu, automaticamente voltando ao papel de jovem elegante e atenta. “O que você tava dizendo sobre as unhas de gel?”

A garota retomou a conversa, animada, e Cheryl balançava a cabeça no ritmo certo, murmurando frases de concordância enquanto sua mente vagava para o que tinha acabado de acontecer no banheiro.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Getting ready

Nicola e Nadine chegaram à casa de Cheryl para se arrumarem para a festa de aniversário da Kimberley. O quarto da Geordie já era um cenário de caos completo: roupas jogadas no chão, maquiagens espalhadas pelo criado-mudo e o som de funk tocando de fundo no celular de Nicola que estava largado na cama.

Cheryl já estava pronta, deitada de pernas cruzadas na cama, deslizando o dedo pela tela do celular enquanto passava pelos vídeos do TikTok sem prestar muita atenção em nenhum deles.

Enquanto isso, Nicola e Nadine brigavam pelo espelho de corpo inteiro ao lado do armário.

“Dá pra você liberar o espelho?” Nicola reclamou, bufando enquanto tentava acertar o delineador. “Faz uns dez minutos que você só fica jogando o cabelo de um lado pro outro!”

“Eu não consigo decidir…” Nadine respondeu, inclinando a cabeça e lançando o cabelo para um lado. “Fica melhor assim?” Então virou o cabelo para o outro. “Ou assim?”

“Tanto faz!” Nicola exclamou, impaciente, enquanto tentava ajeitar o traço do olho.

“Cheryl?” Nadine se virou para a britânica, que continuava jogada na cama. “Qual é melhor?”

Cheryl levantou os olhos do celular por um segundo, claramente sem interesse. “Esse aí.” Apontou vagamente para o lado esquerdo antes de voltar a encarar a tela.

“Você nem olhou direito!” Nadine reclamou, jogando o cabelo pro lado escolhido de qualquer jeito. Ela se aproximou da cama e sentou do lado da Geordie, pousando a mão na perna dela. “Você tá tão quieta… O que foi?”

Cheryl largou o celular no colchão e suspirou, os dedos inquietos começaram a brincar com a pulseira no pulso da amiga. “Eu tô sentindo falta do Edward.”

“Por que você não fala isso pra ele?” Nadine perguntou, agora com o tom mais suave. “Aposto que ele ia gostar de saber. Talvez vocês pudessem se resolver.”

“Eu ia fazer isso. Eu pensei em me desculpar por ter sido infantil com aquela história toda de casamento.” A Geordie retrucou, os olhos fixos nos dedos que mexiam na pulseira dourada. 

“Você foi mesmo.” Nadine provocou com um sorriso.

“Eu literalmente acabei de admitir isso.” Cheryl ergueu as sobrancelhas e deu à amiga um olhar pouco impressionado.

“Tá, continua. Por que você não falou com ele?”

Cheryl ficou quieta, ainda mexendo na pulseira da amiga.

“Porque ela gosta do Jamie.” Nicola disse do espelho, sem nem olhar para as duas.

“Nicola!” Cheryl exclamou, indignada.

“Você tava enrolando demais. Perdi a paciência.” Nicola deu de ombros, voltando a atenção para o delineador.

“Jamie?” Nadine arregalou os olhos. “Você tá louca?”

“Primeiro, eu não gosto do Jamie,” Cheryl corrigiu, defensiva. “É só… um crush. E nem é muito.”

“Não, não, não. Nem vem!” Nadine balançou a cabeça, com veemência. “Ele tá cheio de problemas, Cheryl. Problemas sérios. Você não quer se meter nisso.”

“E eu não vou. Ele nem me vê dessa forma.” Cheryl rebateu.

“Qualquer homem te vê desse jeito, Cheryl.” Nicola comentou casualmente, enquanto ajustava o canto do delineado.

“Não o Jamie.” A britânica insistiu, como se isso fosse um fato incontestável.

Nadine segurou as mãos da amiga, obrigando-a a encará-la. “Me promete que você não vai ficar com ele.”

Cheryl estreitou os olhos, arqueando uma sobrancelha. “Me promete que você não vai se casar com o João.”

Nadine soltou as mãos dela na mesma hora, incrédula. “Eu tô noiva, Cheryl!”

“Então termina!” Cheryl disparou, como se fosse a solução mais óbvia do mundo.

“Eu não vou terminar!”

“Então eu também não vou prometer nada.” Cheryl rebateu, teimosa.

Nicola finalmente saiu da frente do espelho, examinando o delineado uma última vez com olhar crítico antes de se virar para as amigas. “Não adianta, Nadine. A Cheryl é muito cabeça-dura. Sempre foi, sempre vai ser.”

Cheryl levantou os olhos, ofendida. “Olha quem fala.”

Nadine soltou uma risadinha, balançando a cabeça. “As duas são, né?”

Nicola caminhou até a cama. “Não vem, não. Nós três somos. Senhorita Vou-Me-Casar-Na-Adolescência.” Ela passou os braços pelo pescoço da Nadine, puxando-a de leve. “Eu juro que pensava que a Cheryl ia ser a primeira a casar no grupo.”

“Não dá ideia pra ela, Nicola!” Nadine exclamou, tentando se soltar do aperto da ruiva. “A Cheryl já tá perdida o suficiente, e você ainda fica colocando coisa na cabeça dela.”

Cheryl estreitou os olhos e lançou um olhar ameaçador na direção de Nadine. “Experimenta continuar, e você vai ver.”

“Eu tô falando sério!” Nadine respondeu, rindo.

Antes que Cheryl pudesse rebater, o som da buzina do carro de Vincent ecoou do lado de fora, cortando a conversa.

“Finally,” Cheryl exclamou, se levantando da cama com um movimento rápido e dramático. 

Nadine, ainda ajeitando o cabelo, murmurou algo inaudível, mas Nicola riu mesmo assim, satisfeita em saber que tinham conseguido provocar a Geordie.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Noivado dos De la Vega

Hoje falaremos de uma aluna que quase não é falada, nem mesmo lembrada, porém que está conosco desde os primórdios. Quem chutou Laura acertou. Vocês sabiam que ela está de casamento marcado? Se você não é um integrante do grupo da Susi, ou seu nome não é Luís ou Guilherme ou Emma, então provavelmente você não foi convidado. Isso porque o casamento será minúsculo, e quando dizemos minúsculo, não estamos de brincadeira. As famílias da menina e do noivo são terminantemente contra a relação. Isso porque os dois são primos de primeiro grau, além do noivo, Luís Fernando, já ter 26 anos de idade, contrastando com os 18 da menina.

Vocês devem estar se perguntando: De onde saiu esse primo Luís Fernando que ninguém nunca ouviu falar?

Pois bem, Luís Fernando e seus pais se mudaram para a Espanha quando o menino tinha 11 anos. Laura, na época, tinha apenas 3. Nos eventos familiares, Luís Fernando praticamente não interagia com a pequena, pois preferia brincar com os irmãos e primos de idade similar.

Nas suas breves visitas para o Brasil, Luís Fernando continuou mal falando com a menina, pois já não tinham intimidade e por estarem em fases distintas da vida. Pois bem, quando Luís Fernando terminou o ensino médio na Espanha, se mudou para Amsterdã para cursar o ensino superior. Aos 24 anos, decidiu voltar para o Brasil. Seus pais, que ainda viviam na Espanha, decidiram também retornar para acompanhá-lo, mas só poderiam fazê-lo no ano seguinte, pois ainda precisavam resolver todas as pendências que tinham na Espanha. Por conta disso, a mãe de Laura, tia de Luís Fernando, convidou o sobrinho para morar na sua casa, para que não ficasse sozinho naquele período.

Quando Luís Fernando se mudou para a casa de Laura, ele era um estranho para a menina, assim também, ela para o rapaz.

Aos poucos, os primos foram se aproximando cada vez mais. Era como se Luís Fernando tivesse ganhado uma nova irmãzinha. Ele amava implicar com a menina e deixá-la estressada, além de adorar se colocar no meio do caminho para atrapalhar sua passagem, questionando-a onde estava indo, como um irmão zeloso. Também gostava de deixá-la paranoica, perguntando quando ia sair: Vai assim? E a menina começava a se checar para saber o que tinha de errado consigo, enquanto ele caía na gargalhada.

 Era como se Luís Fernando tivesse ganhado um brinquedinho novo. Apesar de tudo, Laura gostava da presença do garoto, pois, acima de tudo, finalmente a atenção da casa deixou de ser apenas para si. Ela sempre tinha odiado ser filha única e alvo da atenção demasiada de seus pais. E também, agora ela tinha uma pessoa com idade próxima para conversar. Ele enchia a menina de histórias sobre sua infância na Espanha e sua juventude em Amsterdã. Laura também contava as histórias do Cavalinho Feliz, e seu primo escutava tudo com atenção, e até sabia o nome de várias pessoas.

“A ex dele não é a Bella?” Luís Fernando mordeu sua maçã, sentado no balcão da cozinha.

“Não!” Laura riu. “A ex dele é a Cheryl... e a Kimberley, bem, tecnicamente ele também ficou com a Bella, mas não foram namorados.”

“E depois diziam que eu pegava todas, esse Sebastian é pior que eu.”

Laura fechou a cara. “Você teve muitas namoradas?”

“Não muitas. Uma aqui, outra ali... as pessoas que adoravam aumentar. Mas continua, ele fez o quê?”

Laura olhou para baixo, chateada com a informação que seu primo teve várias mulheres. “Depois eu conto. Lembrei que eu tenho dever de matemática pra amanhã.”

“Quer ajuda?”

“Não, obrigada. Depois nos falamos.” Laura respondeu e subiu para o seu quarto.

Na festa de aniversário do pai da Laura, a recepção foi na casa da menina. Quando os últimos convidados foram embora, já era mais de meia-noite. Os pais da menina foram dormir e Luís Fernando continuou conversando com Laura na varanda. Ele estava um pouco alterado por conta da bebida, ao contrário da menina, que não podia encostar uma gota de álcool na boca, por conta de uma promessa que sua mãe tinha feito à Virgem de Guadalupe para poder engravidar (sua mãe engravidou apenas aos 44 anos).

“Já tá tarde. É melhor irmos nos deitar.” Laura tentou se levantar, mas Luís Fernando segurou sua mão, na tentativa de mantê-la consigo por mais tempo.

Algo estranho transpassou o corpo dos dois. Uma espécie de energia invisível transmitida de um para o outro pelo contato.

Os dois se entreolharam por alguns segundos, meio que para se certificar se o outro tinha sentido alguma coisa ou era apenas algo de suas cabeças.

“Fica mais um pouco.” Luís Fernando se atreveu a falar num tom de súplica.

“Já tô cansada.” A menina recolheu sua mão. “Nos falamos mais amanhã.” Ela levantou com a cabeça abaixada. “Boa noite.” Laura saiu depressa.

Luís Fernando cerrou o punho com força e abaixou a cabeça com ódio. Não podia ser. Ele estava se apaixonando por sua própria prima.

A manhã seguinte foi bem estranha. Laura evitava olhá-lo. Luís Fernando percebeu e tentou não se importar, mas se importou. Se importou porque queria poder olhar e admirar aqueles olhos castanhos, e a menina, simplesmente, o estava furtando desse prazer.

Luís Fernando tinha que fazer algo. Ele não podia continuar apaixonado pela sua prima. Então, decidiu sair da casa de seus tios e se mudar para a casa de um de seus irmãos enquanto arranjava um apartamento para alugar.

Quando descobriu que Luís Fernando sairia de casa, Laura prendeu o choro na frente dos pais e do primo. E na primeira oportunidade foi para o quarto chorar. Ela não o veria mais pelas manhãs, nem esbarraria com ele no corredor, e nem escutaria sua risada pela casa.

No dia que Luís Fernando se mudou, Laura deu tudo de si para agir normal e não desabar em lágrimas e implorar para que ficasse e que não a deixasse.

A casa sem ele era tão vazia, tão sem vida. Era estranho como tinha conseguido viver tantos anos sem sua presença, porque agora parecia que parte sua havia se ido com ele.

Nos meses seguintes Laura só o via muito de vez em quando nos eventos de família. Entretanto, seus tios tinham voltado da Espanha e isso acabou unindo os dois lados da família um pouco mais.

Luís Fernando quando a via a tratava como uma criança sem importância, assim como seus outros primos, irmãos de Luís Fernando. Apesar de machucar, Laura tentava ignorar.

O dia mais difícil, foi quando em um churrasco de família, Luís Fernando levou sua nova namorada. Parecia que Laura tinha levado um soco no estômago. Ela ficou o evento inteiro olhando a mão do Luís Fernando na cintura da namorada, e os selinhos apaixonados que davam a cada cinco minutos. Até que uma hora cansou de se torturar e foi até a fachada da casa, onde não tinha ninguém.

“Tá tudo bem?” Luís Fernando perguntou se aproximando por trás.

Laura se virou assustada com a voz.

“Sim. Por que a pergunta?”

“Tô achando você muito na sua. Você não é assim.”

Laura deu de ombros e voltou a olhar a rua.

Seu corpo estremeceu quando sentiu as mãos do primo no seu ombro. “Não vai me contar o que tá rolando?”

Laura andou para o lado oposto a ele. “Já disse que nada!”

“E eu não acredito.” Ele disse sério.

“Se você não acredita o problema é seu. Agora me deixa em paz. Volta pra sua namorada.” Laura falou a última parte num tom de deboche, que logo Luís Fernando captou.

Ela estava com ciúmes. Mas será que… não, não era possível. Laura só o via como um primo, no máximo um irmão. E mesmo que ela o visse como um homem, era muito nova e sua família inteira repudiaria o romance. Era melhor esquecê-la.

“Tudo bem.” Luís Fernando concordou e voltou para o quintal.

Alguns meses se passaram, e numa manhã qualquer, a mãe de Laura anunciou para a filha, que seu sobrinho, Luís Fernando estava noivo. A menina chorou a tarde inteira, até decidir que não derramaria nenhuma lágrima a mais pelo rapaz. Decidida a esquecê-lo, aceitou a sair com o filho de um dos amigos de negócios de seu pai. O garoto vinha tentando há algumas semanas levá-la para jantar. Seu pai incentivava a menina a dizer sim, afinal, ele era um bom partido, e, por fim, ela aceitou.

O encontro não foi ruim, tirando o fato de que ele não era o Luís Fernando, mas pelo menos, poderia servir para distração.

Certo dia, Luís Fernando foi para a casa da menina para convidar os tios e a Laura para serem seus padrinhos de casamento.

"Vai ser um prazer." O pai da garota apertou a mão do sobrinho.

"Eu tô tão feliz por vocês!" A mãe de Laura exclamou, animada, e abraçou o sobrinho.

Luís Fernando, após abraçar a tia se voltou para a prima.

"E você? Aceita ser minha madrinha?"

Laura encarou o rapaz, incrédula. Ele realmente esperava que aceitasse um convite desses? Aquilo só podia ser uma piada de muito mau gosto.

"O quê?" Laura tentou ganhar tempo. Como ela poderia negar o convite na frente de seus pais?

“Eu gostaria que você fosse madrinha do meu casamento junto com o nosso primo, Osvaldo.” Luís Fernando explicou. “O que me diz? Vai aceitar o meu convite?”

“É que... eu não sei... você começou a namorar com essa Amanda outro dia e agora já vai casar?”

“Filha, têm pessoas que já se apaixonam logo de cara. A certeza que alguns levam anos para adquirir, seu primo teve em alguns meses, e não há nada de errado nisso.” O pai da Laura elucidou.

“Mas ele mal conhece ela, pai!” Ela se virou para o primo. “Não, eu não posso ser sua madrinha de casamento, mas agradeço o convite.” Laura se levantou e saiu da cozinha.

“Ela vai mudar de ideia.” A mãe de Laura disse ao sobrinho.

“Eu sei. Vou tentar falar com ela.” Luís Fernando foi até o quarto da menina e bateu na porta.

“Entra!” Laura gritou e enxugou as lágrimas depressa

Luís Fernando entrou no quarto e viu Laura sentada na ponta da cama com uma expressão triste.

“Tá tudo bem?” Luís Fernando perguntou preocupado.

“Por que não estaria?”

“Eu te convidei pra ser minha madrinha porque você é muito importante pra mim. Mais do que você imagina.”

“Por que você tem que se casar correndo? Por acaso ela tá esperando um filho seu?”

“Não, claro que não.”

“Então, por quê? Eu não entendo, Luís Fernando. Você conheceu ela outro dia e poucos meses depois já vai casar? Não acha que tá se precipitando?”

“Eu... eu preciso esquecer alguém.” Luís Fernando admitiu com dificuldade.

“Você gosta de outra mulher?”

“Sim, mas ela é proibida pra mim.” Ele começou a perambular pelo quarto, dando soquinhos de frustração na palma da mão.

“Proibida? Mas por que ela é proibida?”

“Eu não posso entrar em detalhes. Só que ela é proibida e preciso esquecê-la. Custe o que me custar.”

“Até se casar sem amor?”

“Sim. Até me casar sem amor.”

“Essa mulher que você é apaixonado é aqui do Brasil ou da Europa?”

“Aqui do Brasil, e não me pergunte mais nada.” Ele sentou ao lado da prima, tocou seu rosto e acariciou com leveza com o polegar. “Promete pra mim que vai pensar no meu convite?”

Laura assentiu devagar. “Prometo.”

“Eu tenho que ir. Depois nos falamos.” Luís Fernando se aproximou e deu um beijo demorado na testa da menina, saboreando a sensação de ter sua pele sob os lábios.

Laura fechou os olhos durante o gesto e os abriu para encontrar o olhar compenetrado do primo sobre seu rosto.

“Até mais.” Luís Fernando falou com a voz rouca e foi embora.

Algumas semanas depois, a família se reuniu em um churrasco em comemoração ao aniversário de casamento dos avós maternos de Laura.

A menina compareceu ao evento com seus pais e seu pretendente. 

Ao vê-la chegar com aquele mané, que ele nem conhecia, segurando sua cintura, Luís Fernando quis socar o rapaz, tamanho o ciúme que estava sentindo.

Laura e Luís Fernando passaram a tarde inteira sem interagirem, porém, sempre prestando atenção no que o outro estava fazendo.

Em um certo momento, o acompanhante de Laura segurou sua mão, e aquela cena toda se tornou muito para Luís Fernando. Ele ficou pensando em inúmeras maneiras de parar com aquela palhaçada sem parecer um maníaco ciumento. Como uma resposta de seus pensamentos, Laura soltou a mão do garoto e foi até a cozinha da casa. Luís Fernando se desprendeu da noiva e foi atrás da prima.

Laura tinha se servido de um copo de limonada com gelo e girava o copo pensativa.

“Um milhão de dólares pelo seu pensamento.” Luís Fernando falou da porta.

“Que susto, Luís Fernando!” Laura estremeceu e levou a mão ao coração.

“Desculpa. Não quis te assustar.” Luís Fernando se aproximou. “Quem é aquele cara que veio com você?”

“O filho de um dos parceiros de negócios do meu pai.”

“Vocês tão juntos?”

“Não sei... mais ou menos.”

“O que é tá junto mais ou menos?”

“A gente se vê com frequência, mas não estamos namorando.”

“Ele já te beijou?” Luís Fernando temia que a resposta fosse sim.

“Já.” Laura olhou para baixo, envergonhada.

Luís Fernando cerrou a mão com ódio. “Você gosta dele?”

“Ele é um bom rapaz.”

“Não foi isso que eu perguntei.”

“Aonde você quer chegar com essas perguntas?”

“Não quero te ver mais com ele.”

“Como?” Laura perguntou incrédula.

“Isso que você ouviu.” Luís Fernando se aproximou e segurou seu braço. “Não quero ver você com homem nenhum. Não suporto, não suporto.”

“Luís Fer...”

Laura foi interrompida pela boca de Luís Fernando encontrando a sua. Seu corpo foi mais rápido do que seu cérebro e quando se deu conta, já estava correspondendo o beijo do primo. 

Ele a segurava pelos braços com bastante força, precisando senti-la, liberando todo o desejo reprimido dos últimos meses. Por fim, suas mãos percorreram o braço da menina e foram parar no seu rosto, puxando-a fortemente para si, precisando de mais, muito mais. O coração da menina bateu depressa, enquanto correspondia ardentemente àquela manifestação de desejo e paixão. Ao ouvirem barulho de pessoas se aproximando, os dois se afastaram.

“Aí tá você! Eu tava te procurando.” A noiva de Luís Fernando falou e o abraçou. “Tavam fazendo o quê?”

“Me atualizando sobre a vida da Laurinha.” Ele respondeu sem graça.

“Ah, legal! Como você tá, Laura?” Amanda envolveu a cintura do noivo.

“Bem. Vou voltar lá pra fora, que estão me esperando. Com licença.” Laura abaixou a cabeça e saiu.

Naquela noite, Laura não conseguiu pregar os olhos pensando em tudo o que havia acontecido e no que aquilo significava. Ela tinha beijado seu primo e tinha gostado. Na verdade, gostado era um grande eufemismo para o que tinha realmente sentido. Ela nunca tinha se sentido tão dominada por uma sensação tão forte. 

Laura tocou os lábios lembrando do roçar dos lábios do primo nos seus. Entretanto, aquilo era errado. Um pecado realmente terrível. Luís Fernando era seu primo e deveria estar fora de qualquer cogitação amorosa. Mas o que fazer quando já estava tão entranhado dentro de si? 

Será que Luís Fernando sentia o mesmo ou seria ela apenas uma diversão para o rapaz? Ele não tinha dito que era mulherengo certa vez? Por que ela estava preocupada com o que o Luís Fernando sentia? Eles eram primos, portanto, nunca poderiam ficar juntos. Sim, ela tinha que esquecê-lo.

Quando acordou na manhã seguinte, Laura foi para a cozinha tomar café e encontrou Luís Fernando conversando com os seus pais.

“Laurinha, bom dia! Olha quem veio tomar café da manhã com a gente!” O pai da menina cumprimentou a filha.

Luís Fernando levantou uma xícara de café, em saudação. “Bom dia, prima!”

Laura piscou os olhos, abruptamente, para checar se ainda não estava dormindo. “Bom dia.” Laura sentou no lugar mais afastado do primo e se serviu de café com leite.

“Seu primo tava contando que ele e a Amanda discutiram feio ontem à noite.” A mãe da Laura informou a menina.

O coração de Laura disparou com a notícia. “É?” Ela tentou fingir desinteresse.

“Acho que você tinha razão. Fui muito precipitado em propor casamento.” Luís Fernando falou casualmente, mas olhando a menina de canto de olho para ver sua reação.

“Então vocês não vão mais casar?” Laura perguntou, tentando conter a empolgação.

“Não. Vou terminar tudo com ela hoje mesmo.” Luís Fernando declarou.

“Eu acho que você deve esperar o momento de raiva passar antes de tomar qualquer decisão. Não se termina um noivado da noite pro dia.” O pai da Laura aconselhou.

“Concordo com o seu tio. Pensa bem, vai?” A mãe de Laura se aproximou e beijou a cabeça do sobrinho. 

“Tá bom.” Luís Fernando respondeu.

“Eu e seu pai estamos indo ao Centro. Devemos estar de volta pro jantar. Se comporte.” Ela apertou o queixo da filha e beijou sua cabeça.

“Isso mesmo.” O pai da menina concordou e também beijou sua cabeça.

“Pode deixar.” Laura falou timidamente.

“Podem ir tranquilos. Eu fico aqui tomando conta da Laurinha.” Luís Fernando sorriu para os tios.

“Se comporta você também.” A mãe da Laura brincou e foi embora com o marido.

“O que você tá fazendo aqui?” Laura perguntou ao se certificar que estavam sozinhos.

“Eu precisava te ver. Fiquei a noite toda pensando em você.” Luís Fernando falou sinceramente. “Diz que você pensou em mim como eu pensei em você.” Ele segurou seus braços.

Laura fechou os olhos ao sentir seu toque. “Eu... eu pensei em você.”

“Jura?”

Laura se virou para olhá-lo. “Juro.”

Luís Fernando segurou o rosto da prima com as duas mãos e acariciou com afeto. “Você não faz ideia do quanto tempo eu sonhei com um beijo seu.”

“Verdade?” Laura perguntou surpresa.

Ele assentiu. “Perdi até a conta das vezes que eu tive que me conter pra não te segurar em meus braços e te encher de beijos.”

Laura ficou derretida com a declaração. “Posso te fazer uma pergunta?”

“Todas as que você quiser, meu bem.”

“Você e a Amanda brigaram por minha causa?” Ela perguntou timidamente.

“Sim, mas ela não sabe que foi por você. Ela desconfia que tem outra que ocupa o meu coração, mas não sabe quem é.”

“Eu ocupo o seu coração?” Laura abriu um sorriso doce.

“Sim, minha querida prima. Desde que eu voltei da Europa... não parei de pensar em você.”

“Mas nós somos primos...” Laura tentou racionalizar.

“E eu não sei? Eu tentei te tirar da cabeça de tudo que é jeito. Até ia me casar com outra pra não pensar mais em você. Só que ontem, quando vi aquele garoto cheio de intimidade com você... eu fiquei tomado por ciúmes, porque você é minha, ao menos, é isso que eu quero que você seja... minha. Somente minha. Totalmente minha.” Ele distribuiu beijos pelo rosto da garota até chegar na boca, e tascou um beijão. 

“Diz que aceita ser minha.” Luís Fernando pediu romanticamente.

“Nossos pais nunca aceitariam.”

“Eles não precisam saber. Fica sendo um segredo nosso.”

“E se formos castigados?”

“Pelos nossos pais?”

“Não.” Laura virou o rosto.

Luís Fernando entendeu o que estava se referindo. “Amor de primo não é incesto. Não tem porque sermos castigados. Me diz uma coisa, você tem sentimentos por mim?”

“Você ainda tem dúvidas? Eu tenho sentimentos por você desde o dia que você veio morar nessa casa. E quando eu soube que você ia se casar com outra mulher... acho que nunca chorei tanto.”

“E você não acha que a gente não merece uma chance? Ou vamos jogar o que sentimos fora só porque nossas mães são irmãs?”

Laura tentou pensar sobre o assunto. “É que você falando que nossas mães são irmãs pareceu ainda mais errado.”

“Tudo bem. Me deixa colocar assim então, sabe quanto DNA compartilhamos por sermos primos? 12,5%. Isso na matemática não é nada.”

“Você andou pesquisando sobre relacionamento de primos, é?” Laura brincou.

“Um pouco.” Luís Fernando admitiu sorrindo também. “Eu queria ter argumentos pra usar com você. E em falar nisso, sabia que pela lei somos parentes consanguíneos de quarto grau? Quarto! Na rela dos parentes nós ficamos lá embaixo.”

Laura não conseguiu deixar de achar fofo o entusiasmo do rapaz. “Pelo visto a lei está ao nosso favor, ou pelo menos não está contra nós.” Ela alisou sua sobrancelha.

“É o que eu penso.” 

“Você vai mesmo terminar tudo com a Amanda?”

“Sim, hoje mesmo eu termino tudo.” Ele segurou sua cintura.

“Tem certeza que eu não sou um capricho que depois você vai se cansar?”

“Absoluta.” Luís Fernando colou a testa na de Laura. “Mais alguma pergunta?”

“Por enquanto não.”

“Posso te beijar?”

“Pode.” A menina sorriu.

Ele sorriu de volta e a beijou.

No dia seguinte, Luís Fernando apareceu na escola de surpresa para buscá-la. Como o relacionamento dos dois era segredo, ele aproveitou esse momento para matar saudade da sua amada.

Nos meses subsequentes, Luís Fernando tornou aquilo um hábito. Na saída da menina da escola, o rapaz se ausentava um momento do trabalho para buscá-la. Entretanto, naquele dia, ele resolveu encerrar o expediente mais cedo para passar a tarde com a namorada.

“Oi, meu amor!” Luís Fernando beijou a menina e alisou seu braço.

Laura sorriu com o beijo. “Oi.” Ela falou docemente, roçando o nariz no dele.

“Liga pra sua casa e avisa que você não vai almoçar em casa.” Ele deu outro selinho na menina.

“Não vou?”

“Hoje reservei o dia inteiro pra você, meu amor.”

“Verdade?” Os olhos da menina brilharam.

“Verdade.” Ele balançou seu queixo e deu outro selinho. “Vamos?”

“Vamos.”

Luís Fernando passou o braço pela cintura da menina, e os dois começaram caminhar lado a lado.

“E o que você tem planejado pra gente hoje?” Laura perguntou ao namorado.

“Pensei em almoçarmos e passearmos por aí. Também queria que você fosse comigo no meu apartamento. Eu podia cozinhar pra você e podíamos assistir um filme juntinhos no sofá.” Ele apertou a prima contra si.

“Luís Fernando…”

“Eu sei. Você tem medo de ficar sozinha comigo.”

“Não é medo… é que não convém.” Ela explicou.

“Você acha que eu seria capaz de te desrespeitar?”

“Eu sei que não. Mas é melhor não dar espaço pra tentação. Você se incomoda?”

“É claro que não. Façamos do seu jeito, meu amor.” Ele beijou sua cabeça.

Luís Fernando e Laura passaram uma tarde super agradável e romântica, porém o relógio parecia estar contra os dois e já era hora de levar a menina em casa.

Eles pararam na esquina da casa da garota para se despedirem.

“Eu odeio ter que me despedir de você.” Laura lamentou, abraçando o namorado pela cintura.

“Eu também odeio, meu amor. Não vejo a hora que todo mundo saiba do nosso amor pra eu poder te ver livremente.” Ele acariciou seu cabelo.

“Você acha que um dia nossa família vai aceitar?”

“Eles vão ter que aceitar. Nada pode me separar de você. Nada.” 

Eles se aproximaram para um beijo terno e amoroso.

Não muito longe dali, a mãe de Laura passava de carro a caminho de casa. Quando o motorista parou no sinal, a mulher viu seu sobrinho, Luís Fernando, beijando uma mocinha, de cabelos cheios esvoaçantes, castanho claro. Ela tirou os óculos escuros do rosto para enxergar melhor. A mocinha que seu sobrinho estava beijando era a sua filha, não tinha dúvidas.

“Encosta o carro que eu vou descer.” A mulher ordenou ao motorista.

Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser real. Sua filha e seu sobrinho juntos. Como seu sobrinho podia ser tão desleal e cafajeste depois de tê-lo abrigado em sua própria casa e de todo o carinho que havia dado.

“O que é isso aqui?” A mãe de Laura falou num tom severo ao surpreender os dois aos beijos.

Eles se separaram e olharam para a mulher assustados.

“Eu posso explicar.” Luís Fernando falou.

“Explicar? Explicar o quê? Que você tá se aproveitando da minha filha?”

“Mamãe!” Laura tentou justificar, mas foi cortada por sua mãe.

“E você… ele é seu primo! Tem ideia do pecado que está cometendo? Que os dois estão cometendo?”

“Deixa eu explicar, tia! As coisas não são como você tá pensando. A gente acabou se apaixonando sem nos darmos conta.”

“Se apaixonando? Então quer dizer que você está apaixonada pelo seu primo?” A mulher perguntou para a filha.

“Sim.” Laura admitiu, sem graça.

“Não posso acreditar! Minha própria filha e meu próprio sobrinho!” A mãe de Laura puxou a filha pelo braço para o seu lado com força. “Eu nunca mais quero ver você perto da minha filha de novo! Tá ouvindo? Nunca mais!”

“Mas tia…” Luís Fernando tentou falar, mas a sua tia o ignorou e voltou a atenção a sua filha.

“Quanto a você, saiba que vai ter consequências! Seu pai vai ficar sabendo de tudo e vamos te colocar de castigo por tempo indeterminado!” A mãe de Laura disse, puxando a menina pelo braço até onde estavam o carro e o motorista.

Nos dias seguintes, os pais da Laura prenderam a garota no quarto na tentativa de afastá-la de Luís Fernando. Ela só podia sair para ir para a escola, e ainda assim, acompanhada do motorista, que também estava servindo de segurança da menina. Laura estava enlouquecendo naquele quarto, sendo visitada pelos seus pais, que vinham com sermões diários sobre o pecado que ela estava cometendo se relacionando com o primo. Ela também recebeu algumas visitas do padre da igreja que rezava para tirar aquele sentimento profano de si.

Luís Fernando, por sua vez, estava sem falar com os pais, que também condenaram a relação veementemente. Ele estava vivendo sozinho na cobertura de um luxuoso prédio em São Conrado, e aguardava uma oportunidade de ver sua amada. Já havia chegado ao seu conhecimento que a menina estava sob vigilância máxima dos pais e que mal podia andar pela casa. O rapaz conseguia falar com a menina apenas por telefone, que para a sorte dos dois, não havia sido confiscado. Laura tinha informado, que no dia seguinte, sua mãe iria passar o dia inteiro fora num trabalho voluntário. Luís Fernando tentou acalmar a menina que estava com os nervos à flor da pele e declarou o quanto a amava e o quanto aquele amor valia a pena lutar. Laura assentiu não muito convicta daquelas palavras. Ela amava demasiadamente Luís Fernando, porém era difícil ignorar a natureza pecaminosa da relação, ainda mais quando todos os dias seus pais colocavam aquelas ideias na sua cabeça.

Aproveitando a ausência dos pais da menina, Luís Fernando foi até a casa da prima. A governanta da casa atendeu a porta.

“Senhor Luís Fernando, você não deveria estar aqui.” A governanta lhe lançou um olhar de repreensão.

“Eu preciso ver a Laura. Cadê ela?”

“No seu quarto, mas ela não pode sair, e muito menos, posso deixar o senhor entrar.”

“Me deixa vê-la só um instantinho. Eu sei que meus tios não tão em casa. Ninguém vai ficar sabendo.”

“Mas senhor, eu tenho ordens expressas.”

“Eu sei que você tem ordens pra não me deixar entrar, mas quebra essa pra mim, vai? Tem mais de uma semana que eu não vejo a minha prima e eu já não aguento mais! Preciso vê-la. Por favor, me deixa entrar. Eu imploro.” O rapaz suplicou.

“Tudo bem. Mas não demore! Se seus tios ficarem sabendo que eu deixei você entrar é capaz de me mandarem pra rua!”

“Não vão saber. Eu juro!” Luís Fernando beijou o rosto da governanta e correu pra dentro da casa.

“Ei! Senhor!” A governanta correu atrás do rapaz. “Você vai precisar disso.” Ela tirou uma chave do bolso do uniforme.

“Ela tá trancada?” Luís Fernando perguntou incrédulo.

“Quando os patrões não estão em casa, eles trancam o quarto dela pra evitar que fuja.” A mulher explicou.

“Inacreditável.” Luís Fernando murmurou com ódio nas veias, pegou a chave e foi até o quarto da menina.

Ele destrancou a porta e viu Laura sentada na cama agarrando as grades do encosto da cama.

“Meu amor!” Luís Fernando correu até a menina.

“Luís Fernando!” Laura exclamou com lágrimas nos olhos.

“O que eles tão fazendo com você? Te transformaram numa prisioneira na sua própria casa.” Ele segurou seus braços, puxando a menina para si.

“Eles não aceitam. Nunca vão aceitar. Eles não querem que eu te veja nunca mais.” Laura falou soluçando.

“Eu sei, meu amor.” Ele alisou seu cabelo. “Eu pensei sobre o assunto e acho que tenho a solução.”

“Qual?” Laura perguntou confusa.

“Nos casarmos.”

“O quê?”

“Se a gente se casar, não importa que eles aceitem ou não. Você vem morar comigo e já não vai mais ter que obedecer a meus tios.”

“A gente não pode casar, Luís Fernando.”

“Por que não?” Ele olhou para a menina decepcionado, mas ainda acariciando seu cabelo.

“Porque... porque só tem alguns meses que ficamos juntos. Quem garante que vamos sentir amanhã as mesmas coisas que sentimos hoje?”

“Não sei quanto a você, mas eu nunca tive tanta certeza de algo na minha vida. Você é o meu amor e eu tenho certeza que vai seguir sendo para todo o sempre.”

“E nós somos primos. É pecado.”

“Quem disse que é pecado? Se você analisar a história o que mais tem é casamento entre primos. Tanto que já é legalizado no Brasil e em várias partes do mundo.”

“Nossos filhos poderiam ter problemas.”

“Sim, existe uma chance, assim como existe em filhos de casais não-consanguíneos.”

“Não no mesmo percentual.”

“Verdade. Mas não é certo que teríamos filhos com problemas genéticos, e se tivermos, eles vão ser cuidados e amados como qualquer outro.” Ele tocou o rosto da prima. “Laura, não deixe meus tios ou meus pais te contaminarem. Você me ama?”

A menina assentiu. “Muito.”

“Então casa comigo. Nossos problemas se solucionariam e poderíamos viver felizes. O que você acha, meu amor? Não gostaria de ser minha mulher?”

“Gostaria, mas é que eu tenho medo.”

“Medo de quê, minha vida?”

“De você se arrepender. De eu ser só um capricho momentâneo que depois você vai se cansar.”

“Eu nunca vou me cansar de você. Nunca. Pelo contrário. Vou seguir te amando mais e mais e mais. Acredita em mim?”

Ele tocou seu queixo com carinho, a menina assentiu e ele beijou seus lábios.

“Casa comigo?” 

“Caso.”

Luís Fernando não conseguiu conter seu entusiasmo e felicidade, e puxou a menina para um beijo de tirar o fôlego.

“Te amo, te amo, te amo.” Luís Fernando declarou.

“Eu também te amo, meu amor.”

“Assim que eu sair daqui, vou direto resolver as coisas do nosso casamento. Sabe que não podemos nos casar na igreja?”

“Sei.” Laura assentiu triste.

“Mas não importa. Vamos ser abençoados da mesma forma, porque nosso amor é sincero e não faz mal a ninguém.”

“Nossas famílias também não vão querer comparecer.”

“Provavelmente não. Mas não fica triste, meu amor. Um dia eles vão mudar de ideia. Deixa só eles se acostumarem com o conceito de nós dois.” Ele segurou sua mão e a beijou. “Eu vou comprar o anel mais bonito de todos pra combinar com essa mãozinha linda.” Ele acariciou o dorso da mão dela.

“Estando casada com você, fico feliz até com um anel de latão.” Ela enxugou uma lágrima do olho.

“Você não sabe o quanto eu fico feliz de ouvir isso. Mas não, você sempre vai ter o melhor de mim. Sempre.”

“E você de mim.”

E eles selaram a promessa com um beijo.

domingo, 28 de abril de 2024

A filha de Nicola

    Asa, Crystall, Joy e Jane estavam esperando o pai da última chegar para irem para casa. Ele estava demorando bastante, a ponto da escola já estar praticamente vazia. Jane parecia estar prestes a ter uma síncope tamanha a demora. Ela queria ir embora de qualquer maneira, percebeu Asa. 

    Para o menino seria ótimo se ele pudesse voltar sozinho de bicicleta para casa, mas sabia que a) os pais nunca o deixariam, b) não faria sentido se o restante de suas irmãs não pudessem fazer o mesmo. Sendo assim, lá estava ele esperando o maldito do Calvin aparecer. Será que ele não tinha noção do quanto aquela semana estava sendo difícil para a filha dele? Era o segundo dia que ela aparecia e o cara já dava uma mancada dessa se atrasando para buscá-los? Até a Emma já tinha ido embora, se despedindo de Guilherme com um beijo. Um beijo! Beijos deveriam ser proibidos na escola! Assim que eles se beijaram, o filho de Andrew olhou ao redor para ver se nenhuma figura de autoridade pararia aquela palhaçada. Se deu conta que o inspetor havia visto e ficado incomodado, mas não ousou dizer nada, apenas fez uma cara cansada. Ele sempre estava cansado e tristonho, o tal do Mazel Tov. "Esse é o charme dele", disse Eric um dia. Deve ser muito difícil se relacionar com alguém que está sempre cabisbaixo e que se refugia na bebida. Sorte dele que a Cínthia havia se aficionado nele. Parece que ele lembrava o seu pai alcoólatra, algo do tipo, afirmou Bela. Como ela tinha descoberto isso, Asa não sabia. Não conseguia nem pensar ele tendo um relacionamento com a sua madrasta Jessica, que era...

    "Asa, podemos conversar?"

    Anna.

    Asa olhou ao redor e viu que a galera que estava com ele, nem havia se dado conta da presença de Anna ou se deram, preferiram ignorar. Ele assentiu a cabeça e a acompanhou. Não foram tão longe, ainda dava para ver suas irmãs e Jane esperando Calvin.

    "Aconteceu alguma coisa?"

    "Não, nada. Só queria saber como foi o seu dia", respondeu Anna parecendo meio deslocada.

    "Normal e o seu?"

    "Normal também", ela deu um sorriso tímido.

    Asa não sabia o que falar. Ele odiava começo de conversas.

    "E a Jane, como está?"

    Claro, a Jane! As duas antes eram da mesma turma. Claro que ela queria saber como a antiga colega de classe estava.

    "Está bem, quer dizer, mais ou menos. As pessoas não são discretas".

    "Sei..."

    "Está bem, na medida do possível!"

    "Vocês estão no mesmo grupo".

    "Sim, ela está andando comigo e com os meus amigos".

    "Ela já deu em cima de você?"

    Asa ficou atordoado. Que pergunta era aquela?

    "Sorry?"

    "Deixa pra lá!", Anna virou de costas para Asa, tristonha.

    Que pergunta mais sem noção. Aquilo tinha deixado o menino com raiva, mas mesmo assim, ele se obrigou a perguntar:

    "Aconteceu alguma coisa? Por que você está assim, fazendo essas perguntas nada a ver?"

    "O que tem de errado comigo?"

    "Nada. Da onde você tirou isso?"

    "Eu sou chata como a Nicola? Feia como ela?"

    Novamente, perguntas sem noção. Asa não gostou do modo como Anna se referiu a Nicola. 

    "Por que você está se comparando com a Nicola?"

    "Porque todo mundo está esperando você me pedir em namoro, eu estou esperando você me pedir em namoro e até agora nada! Você gosta de outra? Gosta da Jane? Ou é ainda da Emma? Me fala, eu preciso saber!"

    "E-eu não gosto de ninguém".

    "Asa, eu não quero te pressionar, não sou assim. Eu só quero saber o que eu sou pra você? Se você não quer namorar comigo, eu estou de boa, de verdade, mas eu não gosto de ficar na expectativa. Eu quero saber se somos só um casinho de meia hora ou se você algum dia vai querer algo sério comigo?"

    "Eu não ligo... Eu realmente não sabia que isso te incomodava. Eu não me oponho a ficarmos juntos, para mim, sendo sincero, já estávamos juntos".

    "Você não se opõe ou é algo que você quer?"

    "Eu quero".

    "Asa, se você não quiser, eu prefiro que você diga a verdade do que você se meter em algo que não quer. Eu não vou ficar chateada, eu só preciso saber".

    "Eu quero, eu realmente quero. Eu gosto de você e eu quero".

    "Sério?", Anna perguntou tentando esconder a felicidade.

    "Sério. E você, você quer?"

    "Não sei", ela olhou para o chão.

    "Não sabe?"

    "É claro que sei, seu bobo, é claro que eu quero!", ela colocou os braços ao redor dele e os dois se abraçaram. Ao desfazerem o abraço, os dois se beijaram. Ao fim do beijo, os dois estavam envergonhados.

    "Bom, eu tenho que ir. Depois nos falamos!", falou Anna, dando um beijo no rosto do agora namorado.

    "Yeah, yeah, até depois!"

    Asa a observou indo embora e depois voltou para o lado das irmãs. Ninguém o olhava. Talvez nem tivessem visto a coisa toda. 

    "Beijou a boca daquela menina feia!", resmungou Joy de cara amarrada, brincando com a boneca.

    "Eu sou feio e aquela menina é a minha namorada".

    "Desde quando?", perguntou Crystall desinteressada, olhando para o celular.

    "Desde agora".

    "Agradeça ao Calvin, que se atrasou e até agora não chegou".

    "Vai ser o padrinho do casamento de vocês", falou Joy.

    Asa assentiu e ficou quieto. Pouco tempo depois, Jane se levantou e saiu dali.

    "Onde ela vai?", perguntou Asa.

    "Vou seguir ela", Crystall disse, se levantando.

    "Ela tentou se matar?", perguntou a Joy, assim que a irmã saiu.

    "Quem te disse isso?"

    "Perguntaram pra mim na minha sala".

    Se espalhou até para os pequenos, percebeu Asa preocupado.

    "Joy, por favor, não comente nada disso na frente dela e nem fale isso na frente do pai dela".

    Joy concordou e voltou a brincar com a boneca. Crystall logo voltou e relatou:

    "Ela foi ao banheiro".

    "Menos mal".

    "Como ela se saiu hoje?"

  "Falou pouco, parecia incomodada. Ninguém está se esforçando para tornar a situação menos desconfortável. Só eu e os meus amigos".

    "Ela deveria ter saído da escola. Seria melhor pra ela".

    "Acho que sim, mas acho também que ela não paga a escola".

   "O que você preferiria: não pagar uma escola ou o bem-estar da sua filha? Pois eu acho que essa situação é muito pesada e nós estamos sendo obrigados a lidar com tudo isso. Até a Joy descobriu".

    "Fiquei sabendo, ela perguntou pra mim sobre o assunto agora há pouco".

    "CALVIN!", gritou a inspetora.

    "Finalmente", resmungou Crystall.

    "Depois temos que conversar, Crystall. Só nós dois!", falou Asa, segurando o braço da irmã.

    "Eita, é algo grave?"

    "Não, não é! Vou ao banheiro gritar pela Jane".

    "Ok! Vamos, Joy!", Crystall pegou a irmã no colo.

    Asa foi até o banheiro e parou na entrada. Ia chamar a filha de Samantha, mas antes disso, Jane saiu da cabine. Ela tomou um susto. Parecia que estava chorando.

    "Seu pai chegou".

    "Já estou indo", a morena respondeu, se preparando para lavar a mão.

    Asa decidiu não perguntar se ela estava bem. Era claro que não estava. Apenas se afastou um pouco para dar um pouco mais de privacidade a menina. 

    Quando Jane saiu, viu Asa a esperando. Os dois foram juntos até o carro de Calvin. Assim que eles entraram, o loiro se justificou:

    "Eduardo me alugou muito e ainda por cima houve um acidente no túnel, deixando tudo parado. Perdão, perdão!"

    Todos ficaram em silêncio, sem dizer nada.

    "Mas como foi a escola?"

    Enquanto isso, dentro da escola, Trina, amiga de Anna, mandou a seguinte mensagem:

    "Cuidado: Jane e Asa", depois de ter visto de longe a cena do banheiro.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Epílogo

 A noite estava boa. Cerveja gelada, muitas risadas e uma boa conversa. Tudo estava indo bem até Aaron perguntar:


“E a Emma?”


“Que tem ela?”, perguntou Channing fingindo indiferença.



“Ela voltou com o Guilherme”.


“Fiquei sabendo”.


“E isso não te afetou?”


“Não, por que me afetaria?”


“Fico feliz de saber que você realmente se esqueceu dela, cara”, falou Aaron batendo nas costas do amigo. “Já era a hora!”


Channing forçou um sorriso e bebeu um gole de cerveja. A verdade era que o comentário de Aaron havia o incomodado muito.


Aaron deu uma risada do nada, fazendo Channing voltar a prestar atenção no momento.


“O que foi?”


“Lembra quando você chamou ele de solteirão fdp?”, perguntou Aaron ainda rindo.


Channing não estava achando graça nenhuma da situação. Ele só assentiu a cabeça, agora visivelmente irritado.


“Desculpa, cara! Eu tô um pouco bêbado!”



“Dá pra ver”, respondeu Channing sério. Ele deu o último gole na bebida dele e continuou: “Melhor encerrarmos a noite pra ninguém acordar de resseca amanhã. Ainda temos aula!”


“Claro que não, que isso, cara! A noite mal começou!” Aaron disse, fazendo sinal para que o garçom trouxesse mais duas cervejas.


“Já são 23:26”.


“Então! Só mais uma cerveja, cara! Só mais uma! Juro que não falo mais da Emma, ok? Podemos falar de outra coisa”.


“Ok! Só mais uma…”


01:41


“Tô te falando, cara”, continuou Aaron colocando a mão no peito de Channing, “mulheres mais velhas é o que há!”


“Mas ela é muito mais velha, cara”.


“Eu sei, eu sei! Me chame de louco, mas são essas mulheres que me atraem. Não aguento mais essas meninas da escola”.


“Não tem mais muita menina interessante na escola mesmo”.


“Não mesmo! Eu nem consigo pensar em uma”.


“Sério?”


“Você consegue?”


“Não”, mentiu Channing. “Sei lá, Megan?”


“Megan é do tempo arcaico. É gostosa? Claro, incrivelmente, mas interessante? Não acredito que seja. Vê a Margot, por exemplo: gostosa da p***a, eu nunca negaria uma Margot, eu seria feliz à beça f**endo uma Margot, mas a pergunta que não quer se calar é: ela é interessante? E a resposta é óbvia: é claro que não! Até o Ryan sabe disso, por isso não consegue pedir ela em namoro”.


“Acho que se tivéssemos a chance de conhecer ela, poderíamos mudar de ideia”.


“E o que tem pra conhecer nela? Cara, as ‘interessantes’ da escola só tem daddy issues, que na verdade é legal de ler, mas chato de lidar. Quem são as garotas que realmente são intrigantes, que te surpreendem, que não te entediam, que são divertidas?”



“A Emma é tudo isso”, Channing falou sem pensar. Já estava bêbado.


“A Emma era tudo isso, meu caro! Ela já se tornou previsível há muito tempo. Você vê: até os namorados dela são previsíveis. Ela voltou pro Guilherme como todo mundo previu. Ela sempre vai falar coisas chocantes mas nunca fará nenhuma dessas coisas e sempre será a filhinha dos padrinhos”.


“Não concordo. Ela nunca será previsível, porque a vida não é previsível. Nem ela, nem as outras meninas. E você reclama delas, mas não é como se você fosse interessante também”.


“Eu nunca disse que sou, só disse que busco garotas interessantes. Mas pelo visto, tem alguém que não esqueceu da ex como disse”.


“Eu esqueci sim, não esqueci rápido, mas esqueci. Nunca mais namoraria com ela. Ela me fez muito de trouxa, principalmente com a história toda do bebê”.


“Nisso eu já discordo de você, rapaz! O que você queria? O centro das atenções não era você, era ela e o bebê”.


“Eu não queria ser o centro das atenções, mas queria estar lá. A criança era minha, mas do nada apareceram um bilhão de caras oferecendo pra cuidar da criança, porque pareceu que eu estava abandonando ela. Se a gente tivesse se unido, seria doloroso? Seria! Mas talvez menos. Eu tive que ler sobre o aborto na porcaria de uma notícia!”


“Você queria estar lá?”


“Claro que não tinha como estar lá na hora e nem teria porque me chamarem. Mas e depois? A gente poderia ter passado pelo luto juntos, cara. Eu sei que depois de tudo, ela não iria me querer mais e eu respeitaria isso, mas poderíamos ter sido amigos, pelo menos”.


“Acho que ela não tinha cabeça pra pensar em você na hora”.


“Eu sei! Talvez eu esteja sendo um idiota porque não queria ter ficado sozinho no processo”.


“É, cara, porque se doeu pra você, doeu infinitamente mais pra ela. Aquela notícia foi muito sofrida”.


“É, eu sei”, Channing falou já com lágrimas nos olhos.


“Desculpa, cara, não quero fazer você pensar nisso”.


“Eu não queria o bebê, juro que não, mas também não queria que tudo aquilo tivesse acontecido. É tudo muito estranho”.


“Imagino…”



“E sabe o que me deixou p**o? Foram aquelas palavras imbecis do Gosling, tipo: ‘O próximo será meu!’. Que p***a foi aquela? A garota sofrendo porque estava grávida e perdeu o bebê e ele querendo reivindicar o próximo sabendo da condição dela, quase como se ela fosse uma posse, como se o certo fosse perder um bebê dele. Querendo parecer poético num momento daqueles? Como as pessoas, como ela achou isso bonito? Foi tão bizarro e tão cruel! Sei lá, eu só vi um bando de caras se aproveitando da situação dela pra ficar bem na fita. Eles não estavam nem aí pra ela e pro bebê, eles só queriam que ela achasse que eles se importavam. É muito fácil reivindicar uma criança quando na hora de perder ela não é sua! Queria ver esse ato heroico desses idiotas se fossem eles na pele. Eu nem pude acompanhar nada direito, não me deixaram, me fecharam. E eu respeitei, porque no final do dia, se tratava do bem-estar da Emma. Acho que no final do dia foi pra melhor, mas eu não quis me tornar protagonista de nada, sabe, só queria estar junto, porque era meu também, enquanto esses abutres quiseram se colocar de príncipes encantados. Você vê a hipocrisia quando não foi um, foram vários, um tentando superar o outro. E a boba caiu. Eu virei vilão e eles os mocinhos. Agora ela voltou com o Guilherme! Que bela b*sta! No final do dia tenho pena dela, porque ela está cercada de abutres e acha que está cercada de pessoas que se importam com ela. Eles querem ela, mas só de maneira egoísta, essa é a verdade! Ela pode não ter me amado, posso ter sido o pior namorado, o mais chato, o mais ridículo, o mais viado, na concepção dela, mas eu a amei de verdade. Se eu errei, foi amando e tentando ter ela perto de mim, mas nunca censurando ela de ser ela mesma, nem diminuindo ela em relação a outra garota. Não tenho raiva dela nem desse Guilherme. Juro que espero que os dois deem certo. Espero que eles sejam felizes. Não ganho nada desejando o pior, essa é a verdade, e também não quero mais ela, não romanticamente, mas isso também não significa que não gostaria dela na minha vida. Enfim, deve ter sido pra melhor. Acho que ela me faz triste no geral. Hoje eu busco garotas descomplicadas e menos surpreendentes, menos excêntricas, com uma família menos tóxica e presente. Hoje eu estou bem. Não acho a Megan arcaica, ela é gostosa à beça e me traz um conforto. As garotas antigas me trazem conforto. Viva a Megan, viva a Bia, viva a Katie e a Roberta!”


“Cara, tá tudo bem com você?”


“Tá sim, tenho malhado bastante. Melhor cancelar essa noite, já tá tarde”.


“Você está certo, irmão. Vamos pra casa. Deixa que eu te levo!”, Aaron falou ajudando a carregar Channing.


“Valeu, cara! Foi uma noite muito agradável. Minha música preferida da Ariana é nenhuma, porque é música de mulher. Prefiro ouvir Lenny Kravitz”.


“É mesmo, cara?”


“All of my life / Where have you been? / I wonder ir I ever see you again”.


“Essa música é da hora mesmo!”, concordou Aaron levando Channing para fora do bar.


No dia seguinte, Channing não foi à escola.