segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Jantar festivo

Jean levou a família para comemorar o fechamento de um grande acordo com a família de um parceiro de negócios. 

Cheryl odiava esses jantares. Eles eram tão frequentes que mal dava tempo de esquecer o último antes de outro aparecer no calendário. Para ela, eram uma exibição desnecessária de poder e influência, e, pior, um palco onde seu padrasto, Jean, gostava de exibi-la como um troféu.

Naquela noite, ele não decepcionou: havia presenteado Cheryl com um vestido caríssimo, dizendo com um sorriso satisfeito: “Você vai ser a mais bonita do local.” 

Ao ouvir isso, ela quis rasgar o vestido ali mesmo. Na primeira oportunidade, sabia que doaria aquela peça, como fazia com todos os outros presentes do padrasto, sentindo um alívio pequeno e passageiro ao se livrar deles.

Sentada à mesa, Cheryl acenava e sorria automaticamente enquanto a filha mais velha do parceiro de negócios de Jean falava incessantemente sobre unhas de gel, tratamentos de beleza e compras extravagantes. As palavras da garota ecoavam em sua mente como um ruído de fundo. 

O sorriso de Cheryl era a sua armadura. Amplo, encantador, capaz de mascarar qualquer emoção. A forma como seus lábios se curvavam para cima tinha um magnetismo natural, e as duas covinhas que se formavam em suas bochechas adicionavam um toque quase infantil, contrastando com o olhar astuto que ela usava para avaliar o ambiente. As pessoas sempre acreditavam nesse sorriso. Ele era sua forma de sobreviver a situações como aquela.

Seu irmão mais novo, ao lado, estava absorto em seu Nintendo, soltando exclamações frustradas a cada derrota contra o adversário robô.

Cheryl varreu o salão com os olhos. Todos pareciam ocupados em conversas animadas. Porém, sua mãe, esforçava-se para manter um diálogo com a esposa refinada do parceiro de Jean, tropeçando em palavras em um português precário. Era quase desconfortável assistir.

Quando a outra garota começou a descrever detalhadamente as vantagens de um novo esmalte importado, Cheryl decidiu que precisava de um respiro.

"Com licença. Vou ao banheiro", disse Cheryl, levantando-se e forçando um sorriso educado.

"Quer que eu vá com você?" perguntou a filha do empresário, inclinando-se para frente com um olhar quase suplicante.

"Não precisa, já volto." Cheryl sorriu novamente, um sorriso caloroso o suficiente para parecer sincero.

Ela se afastou, caminhando em direção ao banheiro feminino no final de um corredor silencioso. Sentiu o alívio imediato de estar longe da mesa, longe do ambiente sufocante de risadas forçadas e exibições de poder. Mas, ao dobrar a esquina, quase esbarrou em alguém.

"Se a gente tivesse combinado, não teria dado tão certo", disse Tom, sorrindo de canto ao vê-la.

Cheryl parou abruptamente, sentindo o coração acelerar. "O que você está fazendo aqui?"

"Jantar com a Camila. A gente tá comemorando mais um mês de namoro", ele respondeu casualmente, como se aquilo não fosse nada demais. "Só não me pergunte quantos meses." Ele riu, mas seus olhos não deixaram o rosto dela, analisando cada detalhe, como se estivesse tentando decifrá-la.

"Você tá linda", ele acrescentou, com uma voz mais baixa, quase rouca.

"Obrigada", respondeu Cheryl, desviando o olhar enquanto passava uma mecha de cabelo atrás da orelha.

Tom hesitou por um momento antes de dizer: "Eu pensei em te procurar depois que você terminou com o Edward."

Cheryl ergueu uma sobrancelha. "Pra quê?"

"Pra saber como você tava. Eu sei que você gostava dele."

"Fui eu que terminei." Cheryl retrucou defensiva. 

"Eu sei." Tom admitiu, inclinando-se levemente em direção a ela. "Mas não foi porque você queria, foi? Aquela coisa toda do noivado da Nadine te abalou."

Cheryl abaixou o olhar, incapaz de negar. "Foi."

"Eu também fiquei impressionado com aquilo", ele continuou, a voz mais suave. "Ainda tenho esperança de que eles terminem antes de se casarem."

Ela deu um sorriso breve, quase tímido, e suas covinhas apareceram novamente, apesar de seu esforço em manter a neutralidade. “Eu também.”

Enquanto o silêncio pairava, um homem passou por eles, entrando no banheiro masculino. Tom aproveitou o momento para puxar Cheryl suavemente pelo braço e levá-la para o banheiro acessível ao lado.

"O que você está fazendo?" Cheryl perguntou, a voz subindo em um tom de alerta.

Antes que ela pudesse terminar, Tom a pressionou contra a porta, fechando-a atrás de si. Seus lábios encontraram os dela com urgência, e suas mãos seguraram sua cintura, puxando-a contra ele.

“We shouldn’t…” ela murmurou entre os beijos, mas sua voz falhou quando ele deslizou os lábios para o pescoço dela, sugando levemente a pele sensível.

“Diz que não sentiu minha falta.” A voz dele estava rouca, quase um desafio.

Ela não respondeu com palavras. Em vez disso, puxou-o para mais perto, suas mãos deslizando para os ombros largos dele. Seus corpos se ajustaram com uma familiaridade perigosa, como se nenhum segundo tivesse se passado desde a última vez.

“Você ainda tem o mesmo gosto.” Ele sussurrou contra os lábios dela antes de beijá-la novamente, as mãos firmes explorando as curvas que ele conhecia tão bem.

Cheryl deveria ter resistido. A cena era absurda. Ele estava ali comemorando um mês de namoro com outra, afinal. Mas quando a lingua dele encontrou a dela, os pensamentos racionais evaporaram. Ela envolveu o pescoço de Tom, puxando-o ainda mais para si.

"Saudades do teu cheiro, do teu gosto de você gemendo meu nome." O professor murmurou entre beijos.

“Tom…” Cheryl tentou falar, mas sua voz saiu trêmula. Suas mãos apertaram os seus ombros, buscando equilíbrio.

"Exatamente assim," ele respondeu com um sorriso satisfeito apertando a sua cintura ainda mais. 

Sem interromper o beijo, Tom começou a desafivelar o cinto, seus dedos ágeis mas hesitantes, como se ainda esperassem um sinal final. Suas mãos deslizaram para a coxa dela, traçando círculos lentos e provocativos, parando apenas para sussurrar: “Posso?”

Cheryl hesitou, mordendo o lábio inferior. Seus pensamentos eram um caos, mas ela assentiu levemente, dando permissão.

“Tão apertada quanto antes,” ele sussurrou, um sorriso arrogante surgindo em seus lábios.

“Eu sou a mais apertada que você já teve?” ela conseguiu perguntar. Uma mão voando para a parede atrás dela em busca de apoio enquanto a intensidade crescia.

“Disparada. E a melhor.” ele respondeu sem hesitação.

Os dois chegaram quase ao mesmo tempo, ofegantes. Tom encostou a testa na cabeça de Geordie, fechando os olhos por um instante. Seu nariz roçou de leve nos cabelos dela, respirando fundo, como se aquele cheiro pudesse acalmá-lo. Sentiu o coração ainda acelerado e o dela também.

"A gente precisa voltar", disse Cheryl, empurrando ele para colocar distância entre os dois.

Tom assentiu, sem discutir. A britânica ajeitou a roupa em silêncio, os dedos tremendo levemente enquanto passava o indicador ao redor da boca, apagando qualquer vestígio de batom que pudesse estar ali, ou talvez, só tentando apagar o que acabara de acontecer.

“Deixa eu ajudar.”

A voz dele soou suave, quase um pedido. Com um toque cuidadoso, ele passou o polegar em torno de seus lábios, o olhar preso no rosto dela. Depois de um momento que pareceu longo demais, limpou a garganta.

“Sem nenhum vestígio.”

Cheryl sustentou o olhar dele por um instante e, sem dizer nada, se virou para sair.

Antes que pudesse dar o primeiro passo, Tom segurou sua mão, os dedos brincando devagar com os dela. “Até amanhã,” disse ele, com um sorriso que parecia ao mesmo tempo charmoso e resignado.

"Até amanhã", Cheryl repetiu, tentando soar indiferente.

Tom permaneceu no banheiro por alguns segundos após Cheryl sair, ajustando as roupas com calma e observando seu reflexo no pequeno espelho acima da pia. Um sorriso satisfeito brincava em seus lábios.

Ele sabia que o que acabara de acontecer não era certo nem para Cheryl e nem para Camila. Mas a maneira como Cheryl reagia ao seu toque, o modo como ela o beijava, fazia tudo parecer inevitável.

Enquanto isso, Cheryl atravessava o salão, sentindo os olhares invisíveis sobre si, como se todos ali soubessem o que havia acontecido. O ar parecia mais pesado, e ela se esforçava para caminhar com naturalidade, como se nada estivesse fora do comum. A conversa da mesa voltou a preencher seus ouvidos assim que se sentou, mas era difícil focar nas palavras.

Ao se aproximar, sentiu o olhar de Jean. Ele era atento, quase desconcertantemente perspicaz, especialmente em relação a ela. Cheryl tentou se recompor, ajeitando o cabelo e passando a mão pelo rosto para afastar o suor, mas era tarde demais.

“Vira de frente pra mim,” Jean ordenou assim que ela chegou à mesa.

Cheryl respirou fundo, tentando encontrar alguma compostura, mas obedeceu.

“O que aconteceu? Você está toda corada e suada,” ele disse, franzindo o cenho. 

Sua mão tocou delicadamente a testa da menina, e ela quase recuou com o gesto.

“É que aqui tá muito quente,” Cheryl mentiu, desviando o olhar.

Jean riu, apontando para o ar-condicionado que soprava um vento gelado diretamente na mesa. "Você tá mesmo acostumada com temperaturas negativas." Ele brincou, limpando o suor do rosto dela com a palma da mão. 

Cheryl forçou um riso fraco, sentindo o olhar de Jean ainda sobre ela.

“Tudo certo.” Ele depositou um beijo leve no topo da cabeça dela antes de voltar sua atenção para os outros convidados.

“Você está bem?” A voz da filha do sócio quebrou seus pensamentos.

“Sim, claro.” Cheryl sorriu, automaticamente voltando ao papel de jovem elegante e atenta. “O que você tava dizendo sobre as unhas de gel?”

A garota retomou a conversa, animada, e Cheryl balançava a cabeça no ritmo certo, murmurando frases de concordância enquanto sua mente vagava para o que tinha acabado de acontecer no banheiro.