sexta-feira, 29 de março de 2024

Prólogo

 A noite estava boa. Cerveja gelada, muitas risadas e uma boa conversa. Tudo estava indo bem até Aaron perguntar:


“E a Emma?”


“Que tem ela?”, perguntou Channing fingindo indiferença.



“Ela voltou com o Guilherme”.


“Fiquei sabendo”.


“E isso não te afetou?”


“Não, por que me afetaria?”


“Fico feliz de saber que você realmente se esqueceu dela, cara”, falou Aaron batendo nas costas do amigo. “Já era a hora!”


Channing forçou um sorriso e bebeu um gole de cerveja. A verdade era que o comentário de Aaron havia o incomodado muito.


Aaron deu uma risada do nada, fazendo Channing voltar a prestar atenção no momento.


“O que foi?”


“Lembra quando você chamou ele de solteirão fdp?”, perguntou Aaron ainda rindo.


Channing não estava achando graça nenhuma da situação. Ele só assentiu a cabeça, agora visivelmente irritado.


“Desculpa, cara! Eu tô um pouco bêbado!”



“Dá pra ver”, respondeu Channing sério. Ele deu o último gole na bebida dele e continuou: “Melhor encerrarmos a noite pra ninguém acordar de resseca amanhã. Ainda temos aula!”


“Claro que não, que isso, cara! A noite mal começou!” Aaron disse, fazendo sinal para que o garçom trouxesse mais duas cervejas.


“Já são 23:26”.


“Então! Só mais uma cerveja, cara! Só mais uma! Juro que não falo mais da Emma, ok? Podemos falar de outra coisa”.


“Ok! Só mais uma…”


01:41


“Tô te falando, cara”, continuou Aaron colocando a mão no peito de Channing, “mulheres mais velhas é o que há!”


“Mas ela é muito mais velha, cara”.


“Eu sei, eu sei! Me chame de louco, mas são essas mulheres que me atraem. Não aguento mais essas meninas da escola”.


“Não tem mais muita menina interessante na escola mesmo”.


“Não mesmo! Eu nem consigo pensar em uma”.


“Sério?”


“Você consegue?”


“Não”, mentiu Channing. “Sei lá, Megan?”


“Megan é do tempo arcaico. É gostosa? Claro, incrivelmente, mas interessante? Não acredito que seja. Vê a Margot, por exemplo: gostosa da p***a, eu nunca negaria uma Margot, eu seria feliz à beça f**endo uma Margot, mas a pergunta que não quer se calar é: ela é interessante? E a resposta é óbvia: é claro que não! Até o Ryan sabe disso, por isso não consegue pedir ela em namoro”.


“Acho que se tivéssemos a chance de conhecer ela, poderíamos mudar de ideia”.


“E o que tem pra conhecer nela? Cara, as ‘interessantes’ da escola só tem daddy issues, que na verdade é legal de ler, mas chato de lidar. Quem são as garotas que realmente são intrigantes, que te surpreendem, que não te entediam, que são divertidas?”



“A Emma é tudo isso”, Channing falou sem pensar. Já estava bêbado.


“A Emma era tudo isso, meu caro! Ela já se tornou previsível há muito tempo. Você vê: até os namorados dela são previsíveis. Ela voltou pro Guilherme como todo mundo previu. Ela sempre vai falar coisas chocantes mas nunca fará nenhuma dessas coisas e sempre será a filhinha dos padrinhos”.


“Não concordo. Ela nunca será previsível, porque a vida não é previsível. Nem ela, nem as outras meninas. E você reclama delas, mas não é como se você fosse interessante também”.


“Eu nunca disse que sou, só disse que busco garotas interessantes. Mas pelo visto, tem alguém que não esqueceu da ex como disse”.


“Eu esqueci sim, não esqueci rápido, mas esqueci. Nunca mais namoraria com ela. Ela me fez muito de trouxa, principalmente com a história toda do bebê”.


“Nisso eu já discordo de você, rapaz! O que você queria? O centro das atenções não era você, era ela e o bebê”.


“Eu não queria ser o centro das atenções, mas queria estar lá. A criança era minha, mas do nada apareceram um bilhão de caras oferecendo pra cuidar da criança, porque pareceu que eu estava abandonando ela. Se a gente tivesse se unido, seria doloroso? Seria! Mas talvez menos. Eu tive que ler sobre o aborto na porcaria de uma notícia!”


“Você queria estar lá?”


“Claro que não tinha como estar lá na hora e nem teria porque me chamarem. Mas e depois? A gente poderia ter passado pelo luto juntos, cara. Eu sei que depois de tudo, ela não iria me querer mais e eu respeitaria isso, mas poderíamos ter sido amigos, pelo menos”.


“Acho que ela não tinha cabeça pra pensar em você na hora”.


“Eu sei! Talvez eu esteja sendo um idiota porque não queria ter ficado sozinho no processo”.


“É, cara, porque se doeu pra você, doeu infinitamente mais pra ela. Aquela notícia foi muito sofrida”.


“É, eu sei”, Channing falou já com lágrimas nos olhos.


“Desculpa, cara, não quero fazer você pensar nisso”.


“Eu não queria o bebê, juro que não, mas também não queria que tudo aquilo tivesse acontecido. É tudo muito estranho”.


“Imagino…”



“E sabe o que me deixou p**o? Foram aquelas palavras imbecis do Gosling, tipo: ‘O próximo será meu!’. Que p***a foi aquela? A garota sofrendo porque estava grávida e perdeu o bebê e ele querendo reivindicar o próximo sabendo da condição dela, quase como se ela fosse uma posse, como se o certo fosse perder um bebê dele. Querendo parecer poético num momento daqueles? Como as pessoas, como ela achou isso bonito? Foi tão bizarro e tão cruel! Sei lá, eu só vi um bando de caras se aproveitando da situação dela pra ficar bem na fita. Eles não estavam nem aí pra ela e pro bebê, eles só queriam que ela achasse que eles se importavam. É muito fácil reivindicar uma criança quando na hora de perder ela não é sua! Queria ver esse ato heroico desses idiotas se fossem eles na pele. Eu nem pude acompanhar nada direito, não me deixaram, me fecharam. E eu respeitei, porque no final do dia, se tratava do bem-estar da Emma. Acho que no final do dia foi pra melhor, mas eu não quis me tornar protagonista de nada, sabe, só queria estar junto, porque era meu também, enquanto esses abutres quiseram se colocar de príncipes encantados. Você vê a hipocrisia quando não foi um, foram vários, um tentando superar o outro. E a boba caiu. Eu virei vilão e eles os mocinhos. Agora ela voltou com o Guilherme! Que bela b*sta! No final do dia tenho pena dela, porque ela está cercada de abutres e acha que está cercada de pessoas que se importam com ela. Eles querem ela, mas só de maneira egoísta, essa é a verdade! Ela pode não ter me amado, posso ter sido o pior namorado, o mais chato, o mais ridículo, o mais viado, na concepção dela, mas eu a amei de verdade. Se eu errei, foi amando e tentando ter ela perto de mim, mas nunca censurando ela de ser ela mesma, nem diminuindo ela em relação a outra garota. Não tenho raiva dela nem desse Guilherme. Juro que espero que os dois deem certo. Espero que eles sejam felizes. Não ganho nada desejando o pior, essa é a verdade, e também não quero mais ela, não romanticamente, mas isso também não significa que não gostaria dela na minha vida. Enfim, deve ter sido pra melhor. Acho que ela me faz triste no geral. Hoje eu busco garotas descomplicadas e menos surpreendentes, menos excêntricas, com uma família menos tóxica e presente. Hoje eu estou bem. Não acho a Megan arcaica, ela é gostosa à beça e me traz um conforto. As garotas antigas me trazem conforto. Viva a Megan, viva a Bia, viva a Katie e a Roberta!”


“Cara, tá tudo bem com você?”


“Tá sim, tenho malhado bastante. Melhor cancelar essa noite, já tá tarde”.


“Você está certo, irmão. Vamos pra casa. Deixa que eu te levo!”, Aaron falou ajudando a carregar Channing.


“Valeu, cara! Foi uma noite muito agradável. Minha música preferida da Ariana é nenhuma, porque é música de mulher. Prefiro ouvir Lenny Kravitz”.


“É mesmo, cara?”


“All of my life / Where have you been? / I wonder ir I ever see you again”.


“Essa música é da hora mesmo!”, concordou Aaron levando Channing para fora do bar.


No dia seguinte, Channing não foi à escola.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Dia da mulher

George encerrou a ligação, pensando em como iria proceder em relação àquela notícia. Ele pegou um expresso da requintada máquina de café que ficava dentro de seu escritório enquanto ponderava seu dilema. O advogado sabia que ela não negaria. Seu amor pela sua filha, Rose, era incontestável. Entretanto, será que aquele inocente gesto poderia vir a se tornar uma munição a ser usada contra a ruiva no futuro pelo seu marido? 

Apesar de não gostar do homem que Jessica escolheu como marido, George respeitava seu casamento, e sabia que a felicidade da ruiva estava atrelada, parcialmente, ao sucesso de sua união. Ele não gostaria de ser motivo para alguma discussão conjugal dos dois, mas sua filha já tinha passado por tanta coisa, e tão nova, que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para protegê-la de qualquer dessabor.

O advogado se levantou e foi até a sala da ruiva.

"Pode entrar." Jessica falou sarcástica ao ver o amigo entrando na sua sala sem bater a porta.

"Em minha defesa, eu perguntei antes pra secretária se você tava em reunião." George se justificou, com um sorriso presunçoso no rosto.

"Aham." Jessica preferiu não perder tempo lecionando que bater na porta era também uma questão de educação, porque estaria se repetindo pela milésima vez.

"Na escola dos seus filhos vai ter alguma coisa sobre o dia da mulher?" George perguntou, sentando na cadeira oposta a ela.

"Acho que não. Talvez eles distribuam flores para as mulheres na hora de buscar as crianças. Por quê? Tá querendo uma flor? Posso arrumar uma pra você."

"Ha. Muito engraçado. É que na escola da minha filha vai ter uma homenagem às mulheres. Coisa simples. Vai ser só algumas crianças lendo e recitando poesias. A Rose vai ser uma delas.”

“Que legal! Vou pedir pra ela recitar pra mim da próxima vez que eu buscar ela da escola.”

“Eu nem sei se a Rose vai querer recitar hoje. Não tem ninguém pra assistir ela.”

"Não? E a sua mãe?"

"Tá passando mal desde ontem. Ela ficou de ver se amanhecia melhor hoje pra ir, só que ela acabou de me ligar dizendo que não vai dar."

"O que ela tem?" Jessica perguntou preocupada.

"Enxaqueca. Ela tem desde nova, então não é nada preocupante, só bem incômodo."

"Se é assim, eu vou no lugar da sua mãe ver a florzinha." A ruiva ofereceu.

George sorriu. Ele nem precisou pedir. Jessica nunca decepcionava.

"Obrigado. Eu tava preocupado que a Rose fosse ficar sozinha e triste vendo as outras crianças com as mães, avós, tias... Eu quase não mandei ela pra escola hoje por causa disso."

"Sempre que sua mãe não puder fazer essas coisas relacionadas a Rose, eu faço com o maior prazer. Você só vai ter que atender meu cliente das 11:30."

"Tudo bem. Só me passar a ficha dele." George levantou da cadeira.

"Vou pedir pra Jaque levar pra você."

"Fico te devendo uma." George deu um tapinha na mesa da ruiva e deixou sua sala.

Quando chegou perto do horário da saída da Rose, Jessica foi até a escola da menina.

"Jessica! Que bom que você veio! A Rose não para de chorar dizendo que ninguém viria. Vem comigo que eu te levo até ela."

A inspetora guiou a ruiva até a filha de George. 

Jessica observou cheia de dó a menina em prantos. 

"Florzinha." Jessica chamou a criança.

Rose procurou com o olhar de onde vinha a voz da ruiva, e então, correu para os seus braços. 

“Meu amor! Por que você tá chorando?” A advogada se agachou para ficar do tamanho da menina. “Hein?” Ela secou suas lágrimas com a mão. 

“Porque só eu que não tenho ninguém.” Rose falou soluçando. 

“E eu? Eu sou ninguém?” Jessica fingiu tá ofendida. 

“Não.” Rose balançou a cabeça ainda chorando. 

“Minha lindinha.” A ruiva abraçou a menina. “A tia não gosta de te ver chorando.”

Rose não respondeu e continuou chorando nos braços da ruiva. Jessica pegou a menina no colo e se virou para a inspetora. 

“A apresentação vai ser que horas? Ela tá muito nervosa.” A advogada perguntou. 

A inspetora olhou para o relógio. “Daqui a 15 minutos.” Ela acariciou as costas da menina. “Se acalma. Você já tá com a sua tia.”

“Você se importa de pegar um copo d’água?” Jessica pediu a mulher. 

“Claro que não. Já volto.” A inspetora saiu. 

Jessica sentou num banco que estava próximo e colocou a Rose sentada no seu colo. 

“Por que você tá assim, minha florzinha? Você queria que sua vó tivesse vindo?”

“É que eu pensei que ninguém vinha.” Rose respondeu. 

“Mas eu não tô aqui?”

Rose assentiu. 

“Então! Eu vim aqui porque eu tô louca pra ver você se apresentar. Me contaram que você decorou uma poesia bem bonita, é verdade?"

"É." Rose sorriu entre as lágrimas. "É pro dia da mulher."

"Eu sei que é pro dia da mulher." Jessica fez cosquinha na menina.

A inspetora voltou com a água. 

“Obrigada.” Jessica agradeceu e deu a água na boca da menina. “Tá todo mundo ansioso pra te ver apresentar.”

“Verdade?” Rose perguntou com os olhos brilhando. 

“Claro que é. Não é Mônica?” Jessica perguntou para a inspetora. 

“Super ansiosos.” A inspetora confirmou. 

“Tá vendo?” Jessica afastou o cabelo da menina do rosto. “Seu pai ainda me pediu pra filmar você porque ele tá doido pra ver você também.”

"Vamos, Rose, se preparar pra apresentação?“ a inspetora perguntou para a menina.  “Sua tia vai tá bem na plateia pra ver você."

"Tá bom." Rose concordou. 

"Dá beijo." Jessica pediu para a menina que deu um beijo em sua bochecha.

"Diz pra sua tia: Até logo, tia!" A inspetora falou enquanto segurava a mão de Rose, para levá-la para se preparar. 

"Até logo, tia." Rose repetiu e acenou. 

“Até logo, florzinha!” Jessica acenou de volta. 

Na apresentação Rose ao entrar no palco procurou sua tia com os olhos. Jessica acenou e mandou beijos. A menina sorriu e começou a recitar o poema. Ela falou o poema direitinho, sem esquecer nenhuma palavra, e ganhou uma rodada de aplausos de todos, e de forma ainda mais enérgica, da sua tia, que além de aplaudir, assoviou e gritou o nome da menina toda orgulhosa. 

Ao término, Rose correu para o colo da ruiva. 

“Você foi incrível!” Jessica falou realmente impressionada. 

“Você ficou batendo palma o maior tempão.” Rose riu. 

“Eu não resisti. Tava tão orgulhosa dessa minha florzinha mais bonita do meu jardim.” Jessica encheu a menina de beijos e ela começou a gargalhar.  “Agora, podemos ir?”

“Podemos!”

“Eu liguei pro seu pai e disse que ia almoçar com você antes de te levar pra casa. O que você acha?” Jessica perguntou saindo da escola com a menina no colo, a mochila de unicórnio no ombro, e a lancheira e a chave do carro na mão. 

“Eeeeee!” Rose comemorou. “Posso comer batata frita?”

“Só se você colocar uma salada no prato.”

Rose ponderou o que a tia dissera. “Pode ser alface e tomate?”

“Pode.”

Jessica abriu a porta detrás do carro, colocou as coisas da menina no banco e prendeu a menina no cinto de três pontos que usava nos filhos. 

“Tô muito orgulhosa de você, minha pequena.” Jessica falou mais uma vez, depois de verificar que a menina estava bem presa. 

Rose abriu o maior sorriso. Jessica sorriu de volta e beijou sua cabeça. “Agora vamos almoçar?”

“Vamos! Minha barriga tá roncando!”

Jessica gargalhou. “Então vamos logo!”

domingo, 10 de março de 2024

Convite de aniversário

Thiago bateu na porta do escritório da sua chefe e entrou. 

“Licença chefinha. Posso falar com a senhora um instante?” Thiago perguntou segurando uma pilha de papéis debaixo do braço. 

“Pode.” Jessica tirou o óculos de grau e fitou o garoto. Se fosse qualquer outro funcionário, Jessica falaria para ser breve e faria uma cara de desinteressada, mas não o menino. Ela conhecia seus pais e admirava o garoto por se submeter àquele trabalho, sendo ele tão rico quanto ela. 

“Eu vim trazer um convite.” Thiago se aproximou. 

“Convite? Você tá fazendo aniversário?” A ruiva perguntou com um sorriso no rosto. 

“Não. Você tá.” Thiago entregou o convite à ruiva. 

“Como?” Jessica pegou o convite da mão do menino e leu o conteúdo. “Venha comemorar o aniversário da excelentíssima Jessica Chastain com dj, open food e open bar, no pub in the zone, Copacabana, 22 de março às 19h.” A ruiva olhou para o garoto, confusa. “Quem é o responsável por isso?”

“Bom, eu tive a ideia e passei adiante. A galera se animou e fomos vendo onde seria legal fazer. Daí foi só pedir a benção pro George, porque se ele fosse contra babaria tudo, mas ele amou a ideia e até disse pra gente mandar a conta pra ele.” Thiago percebeu a expressão hesitante da ruiva. “Não precisa se preocupar. Não vai ser bem uma festa. É mais um happy hour com os funcionários daqui em comemoração ao seu aniversário. A gente vai pra lá direto do trabalho.”

“Eu não tô preocupada.” A advogada mentiu. “Só um pouco supresa em como você conseguiu convencer essas pessoas que me odeiam a comemorar o meu aniversário.”

“Elas não te odeiam. Muitos te admiram, sabia? Fora que ninguém dispensa comida e bebida grátis.”

Jessica riu. “Tudo bem. Agora, vem aqui e me dá um abraço.” Ela se levantou e abriu os braços para o garoto. 

Thiago foi ao seu encontro e envolveu sua cintura. 

“Obrigada pela festa. Eu sei que deve ter dado trabalho. Você é um menino muito especial.” 

Thiago fechou os olhos, respirando a essência da ruiva, e apertando-a de leve nos braços. Ele tinha tido um sonho erótico com a ruiva na noite anterior, assim como em outras noites, e precisou se controlar para não roçar sua pélvis na advogada. 

“Não foi nada.” Ele falou no seu pescoço. 

Jessica soltou o garoto e fitou seu rosto. “Desculpa a intromissão, mas você tem namorada?”

Thiago engoliu em seco. Será que seu sonho estava se realizando? “Não.”

“Você e a minha enteada se dariam muito bem. Você pode puxar assunto com ela na escola.”

“Tudo bem.”

“Obrigada mesmo por isso.” Jessica pegou o convite da mesa e deu mais uma olhada.

“Não foi nada. Só não queria que seu aniversário passasse em branco aqui pra gente.”

A ruiva balançou a cabeça e sorriu. “Seus pais tem muita sorte em ter você como filho. Você é um menino de ouro.”

“Obrigado.” Thiago respondeu sem graça. “É melhor eu voltar ao trabalho. Tenho que terminar de redigir esse processo.” O menino pegou de volta os papéis que tinha deixado na mesa da ruiva. 

“Tá bom. Vai lá.”

Jessica voltou a se sentar e Thiago abriu a porta para sair. 

“Me acompanha no fórum amanhã? Você pode me ser útil lá.”

“Claro.” Thiago sorriu e deixou a sala da chefe. 

Jessica deu mais uma olhada no convite e foi até a sala do George. 

“Pode me explicar isso?” Jessica colocou o convite na mesa de George. 

“Um convite pro seu aniversário. Mas se você continuar com essa atitude talvez eu te desconvide.” George falou debochado. 

“É sério, George! Como você foi deixar isso acontecer?”

“Não me olha assim. Isso tudo é coisa daquele garoto riquinho.”

“Mas era pra você impedir! Só que ao invés disso você não só concordou, mas financiou a coisa toda.”

“Eu achei uma boa ideia, o que eu posso fazer? Se achou ruim, reclama com o garoto, não comigo.”

“É claro que eu não vou reclamar com o Thiago. Ele fez com boa intenção.”

“E eu com má?” George riu. 

“Você me conhece… sabe que eu não gosto dessas coisas. E mais, todo mundo dessa empresa me detesta e mais queriam me ver morta do que comemorando outro ano de vida.”

“Eles te detestam, mas não querem te ver morta. Talvez só alguns.” Ele brincou. “E mesmo não gostando de você, eles tem muito a agradecer, porque graças a você que eles tem esse emprego, que paga bem, dá direito a um ótimo plano de saúde e eleva o currículo de qualquer um. Já que essa empresa só existe porque você foi louca o suficiente em querer abrir a própria empresa de advocacia sem praticamente nenhuma experiência no ramo.”

“E você mais louco ainda em aceitar a fazer parte.”

“Exato!” George riu. “Eu acho legal a gente fazer algo bacana e descontraído no seu aniversário. Ainda mais que eu imagino que no seu aniversário mesmo você deva passar só com o seu marido e os seus filhos.”

“Na verdade minha madrinha vai fazer um almoço no dia com os familiares e alguns amigos próximos. Eu já tava pra chamar você, sua mãe e a florzinha.”

“Obrigado. Minha mãe vai ficar muito contente com o convite. Acho que não existe alguém mais sua fã que ela. A Rose nem se fala. Tá sempre perguntando quando vai ver a tia Jessie de novo.”

“Eu também adoro as duas. Nem parecem que são suas parentes.” Jessica brincou. “Se você quiser levar mais alguém, fica a seu critério. Você não tava saindo com aquela advogada daquela empresa em Botafogo? Tiffany, não é?”

“A gente tem saído, mas por enquanto não é nada sério. Pra eu apresentar uma mulher pra minha mãe e pra minha filha tem que ser uma realmente muito importante pra mim.”

“Isso é bom, especialmente pra não confundir a cabeça da florzinha."

“Exatamente. Em falar nisso, você podia ir lá em casa com o seu marido e seus filhos passar um sábado com a gente. Minha mãe depois que meu pai morreu tem ficado muito sozinha, só tomando conta da Rose. E como quando vocês tão juntas vocês não param de falar, vai ser bom pra ela.”

“Claro, claro. Só me dizer qual sábado.”

“Você acha que seu marido vai aceitar? Ele não é muito meu fã.”

“Se ele não quiser ir pra sua casa, vocês vêm pra minha. Talvez a logística seja até melhor porque sair com quatro crianças e duas adolescentes não é nada fácil.”

“Consigo imaginar. E você tá melhor?”

“Como assim melhor?” Jessica perguntou confusa. 

“Acho que todo mundo da empresa conseguiu perceber seu péssimo humor. Você fez três pessoas chorar no espaço de uma semana. Isso das que eu fiquei sabendo." Ele também tinha percebido que a ruiva só estava indo com roupas de manga comprida para o trabalho, mas nunca mencionaria isso a ela. Os dois sabiam que George sabia, porém nunca falavam sobre o assunto. "É aquele problema ainda?”

“Sim, mas já tô melhor. Eu orei muito e entreguei pra Deus. Já decidi que dando tudo certo com o bebê, ele fica com o Bradley pra evitar problemas no meu casamento e no dele. Depois quem sabe, daqui a uns dois, três, quatro anos, eu e o Bradley consigamos dividir a guarda.”

“Você tem realmente medo de se divorciar de novo.” George constatou. 

“Mais que medo, eu tenho pavor. O que eu puder fazer pra salvar meu casamento e pra não afastar meus filhos do pai deles, eu vou fazer.”

“Uma sugestão pra você: Cárcere privado.” George brincou. 

“Não sei porque ainda perco tempo contando as coisas pra você.” Jessica pegou uma fini que estava na mesa do outro advogado e colocou na boca. “Tchau.” Ela disse mastigando a bala. 

“Tchau.” George riu e observou a ruiva sair.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

To feel something

Jessica estava apenas nas primeiras páginas do livro que Mel tinha pedido para a advogada ler, quando a menina caiu no sono. A ruiva apagou a luz do quarto da filha, deixando apenas o abajur de abelha iluminando o cômodo. 

Andrew e Jessica revezavam os momentos de leitura noturna entre os filhos. Se naquele dia a ruiva tinha lido para a Mel, e Andrew para os gêmeos, no dia seguinte eles trocavam, e ela leria para os gêmeos e Andrew para a Mel.

A advogada deu uma olhada nos outros filhos e foi para o quarto da mais velha.

"Cansei!" Jessica falou de forma dramática e se jogou na cama, ao lado da filha mais velha.

"Percebi." Emma se virou para observar o rosto da ruiva. "Não tá trabalhando demais não? Por que você não vira só empresária e deixa os seus funcionários pegarem os casos da empresa?"

"Porque eu gosto da minha profissão." Jessica acariciou o rosto da filha. "Como vai o seu grupo de robótica?"

"Um flope total!" Emma reclamou, virando de barriga para cima, e a ruiva deu uma gargalhada.

"O Levi tá enchendo o saco com esse lance de computador."

"E você vai dar pra ele?"

"Passei a bola de volta pro Andrew."

"Por quê?"

"Porque eu não quero que o Andrew sinta que só eu que tomo as decisões da casa." A ruiva explicou.

"Mas você quer que ele tenha um computador?"

"Não. Vocês já crescem rápido demais, e no ritmo que o Levi tá, vai deixar de ser meu bebê logo logo."

"Ele é a minha única esperança em robótica!" Emma choramingou.

"Se um bebê de dois anos é a sua única esperança em robótica tem alguma coisa muito errada." Jessica riu.

"Não zoa."

"Mas é verdade!" Jessica riu mais, e deu um beijo no rosto da menina.

"Dinda?" Emma pegou o braço da madrinha e puxou a manga do seu robe para cima. A menina observou as queimaduras no braço da madrinha com os olhos atônitos.

Jessica puxou o braço de volta. "Não foi nada."

"Não precisa mentir pra mim. O que aconteceu? Você tá triste?" Emma colocou uma mecha do cabelo da madrinha atrás da sua orelha.

"Foi um acidente." A advogada mentiu, evitando o olhar de preocupação da afilhada.

"Você não confia em mim?" Emma perguntou ofendida, puxando o rosto da madrinha com delicadeza para si. "Me conta o que aconteceu." A menina implorou. 

"Nada realmente aconteceu... Eu que sou muito boba."

"Nada disso. Você não é boba. Me fala o que você tá sentindo. Vai fazer bem botar pra fora."

Jessica ponderou por alguns instantes e acabou falando. "Eu tenho me sentido culpada."

"Culpada por quê?" Emma começou a fazer carinho na mão da madrinha, encorajando-a a desabafar.

"Eu não queria falar com você sobre isso porque te conhecendo, você vai pegar a culpa pra si."

"Dãã. Eu sou sua filha, não sou? Então isso é sobre o experimento, certo?" A menina tentou adivinhar.

"Sim. O médico responsável pela pesquisa sacrificou o filho que eu teria com o Andrew pra testar uma hipótese."

"E você ficou triste." Emma completou.

"Sim, fiquei. Mas o Andrew ficou mais. O que me surpreendeu bastante e me deixou me sentindo muito culpada. Porque foi por minha causa que ele teve que passar por isso."

"Minha causa." Emma a corrigiu.

"Minha. A ideia de fazer o experimento foi minha, não sua."

"Olha, o Andrew pode ter ficado triste com o que aconteceu, mas ele vai superar. Não precisa se sentir culpada por isso."

"E aparentemente o bebê com o Bradley vai vingar." Jessica começou a chorar.

Emma puxou a madrinha para si e a abraçou.

"Como você sabe? Eles disseram isso?" Emma perguntou confusa.

"Não com todas as letras, mas quando eles sacrificaram o meu com o Andrew, eles acabaram salvando o outro. Tá tudo certo com o feto. Eles já até colocaram na mulher que vai gerar."

Emma escutou a informação nova, tentando digerir tudo.

"Mas isso é bom, não? Menos uma morte." Emma tentou animá-la.

"Meu casamento não vai resistir, Emma. Você vê que ele é frágil até hoje. Mesmo três anos e quatro filhos depois. Você acha que meu casamento vai resisir a um filho meu e do Bradley? Não vai. E mesmo que o Andrew acabe aceitando. Eu ainda assim vou me sentir mal por tá fazendo ele engolir o orgulho a esse ponto. Eu definitivamente sou a pior coisa que poderia ter acontecido com ele."

"Não, claro que não!"

"Sou sim, Emma. Não tem nem como contestar."

"Mas você fez tão bem a ele. Deu filhos, uma família."

"Qualquer mulher poderia ter dado isso a ele. Não precisava ser eu." A ruiva contra-argumentou.

"Mas elas não seriam tão lindas ou doces como você."

"Ele não me acha doce."

"Eu te acho muito doce." Emma deu um beijo demorado no rosto da ruiva, e esta abriu um sorriso fraco. "No começo vai ser estranho um filho seu e do meu dindo, mas depois ele vai tá tão intríseco na dinâmica da nossa família, que ninguém vai conseguir imaginar uma vida sem ele, inclusive o Andrew."

"Eu queria que o Andrew me traísse e fizesse um filho numa outra mulher pra eu me sentir de certa forma quite."

"Na Antonella?"

"Seria insuportável, mas eu preferiria. Pelo menos o sentimento de culpa ia diminuir um pouco."

"Não pensa nisso ainda. Espera ver se o bebê vai vingar mesmo. Talvez nem vingue..."

"Tem razão. Sua mãe é uma boba."

"Minha mãe é bem sentimental, mas eu não mudaria nada." Emma sorriu simpaticamente. 

"É tão bom quando você se refere a mim como sua mãe." Jessica alisou o cabelo da filha. "Eu sei que é difícil por conta da sua outra mãe, mas eu gosto quando de vez em quando isso acontece."

"Eu sempre te vejo como minha mãe. Só não te chamo assim ainda, mais por costume do que qualquer outra coisa. Eu sei que não parece, mas você e o meu padrinho são as pessoas que eu mais amo na vida. Mais do que qualquer outra pessoa. E é por isso que quando você se machuca intencionalmente me deixa tão triste... porque você tá machucando a pessoa que eu mais amo no mundo."

"É verdade o que você tá falando?" Jessica perguntou com lágrimas nos olhos.

"E eu mentiria por quê?"

"Obrigada. Você não sabe o bem que me faz ouvir isso. Eu também te amo muito, filha. Você e seus irmãos são tudo pra mim." A advogada sorriu entre as lágrimas.

Emma acariciou o braço da madrinha. "Posso fazer duas perguntas?"

“Você pode fazer quantas perguntas quiser.” Jessica respondeu secando as lágrimas. 

“Você ama o Andrew?”

“Claro que amo. Por que a pergunta? Parece que eu não amo?”

“Não é isso. É que você sempre fala de mim e dos meus irmãos, mas não cita ele.”

“Eu não cito ele porque o amor que eu sinto por ele é diferente do amor que sinto por vocês. Eu amo o Andrew e odiaria viver sem ele, mas eu conseguiria viver sem, entende? Por mais que doesse. E eu sei que doeria muito. Vocês não. Vocês são a minha vida. Eu vivo por vocês. Eu respiro por vocês. Não tem nada que eu faça na vida que não seja pensando em vocês.”

“Entendi.”

“E qual é a outra pergunta?”

"Você se sentiu melhor quando fez isso?" Emma passou os dedos pelas queimaduras.

"Só por alguns minutos."

"Você faz pra se punir ou pra distrair uma dor com a outra?"

"Você parece entender muito sobre o assunto. Você já..."

"Não!" Emma a interrompeu imediatamente. "Só que eu consigo entender a psicologia da coisa... e o apelo."

A ruiva espremeu os olhos, tentando decifrar a filha. "Não tem apelo nenhum. Você se sente bem por alguns minutos pra depois voltar ao que tava antes, só que pior, porque agora além do que sentia antes, você tem o sentimento de vergonha, culpa e fracasso pra adicionar na conta." A advogada falou num sermão, temendo que um dia, Emma procurasse o mesmo refúgio que ela.

"É assim que você tá se sentindo?"

"Tava me sentindo. Mas aí você chegou e me falou coisas tão bonitas..." Ela acariciou o rosto da filha. "Você me curou. Vocês me curam todos os dias. De vez em quando eu ainda posso cometer essa estupidez comigo mesma, mas a chance é infinitamente menor, porque hoje eu tenho vocês."

"Muito fofinha você." Emma apertou a bochecha da mãe.

"Cuidado o meu rosto, Emma! Tenho medo de dar rugas." Jessica tirou a mão da menina do seu rosto, e Emma riu.

"Desculpa."

"Aham. Vou deixar você dormir. Boa noite, minha Emminha lindinha." A advogada beijou seu rosto. “Te amo.”

"Boa noite. Também te amo."