quarta-feira, 30 de junho de 2021

O fim de uma era

Cheryl estava deitada no sofá assistindo ao jogo de video game de seu irmão, Garry, quando ouviu sua mãe chamar.

"Cheryl, your boyfriend's here!"

"Tell'im to come in."

"I already did, but he wants you to come out."

Cheryl pegou o celular da mesa para ver a hora e viu que eram quase 22h.

"For sakes!" Cheryl resmungou e levantou do sofá.

"You're going to lost me beating king ninja up." Garry reclamou. 

"Next time, babe." Cheryl bagunçou o cabelo do irmão, pegou o chaveiro da mesa e saiu.

Ao avistar o professor de francês do outro lado da porta, a modelo abriu um sorriso. 

"Hey, handsome." Cheryl inclinou a cabeça para cima e projetou os lábios adoravelmente para Tom beijá-la.

"Oi, Cheryl." Tom respondeu sério, porém, se inclinando para encontrar os lábios da namorada. 

"Você tá sério. Aconteceu alguma coisa?"

"Não. Eu tava passando aqui perto e pensei em dar um oi."

"Oi." Cheryl abriu seu cobiçado sorriso. 

"Oi. Quer dar uma volta comigo?" 

"Você pode me levar pra qualquer lugar com esse rosto maravilhoso." A menina flertou. 

"Então vem." 

Tom e Cheryl começaram a caminhar lado a lado. O professor não estava falando muito o que deixou a menina ligeiramente com raiva. Ele a tirou do conforto da sua casa para não falar nada?

"Seu aniversário tá ficando cada vez mais perto." Tom quebrou o silêncio.

"Yeah."

"Treze anos."

"Dá pra acreditar? Passou rápido."

"Na verdade não. A gente tem que conversar."

"Sobre?"

Tom parou de andar, segurou o braço da menina e a levou para um beco pouco iluminado.

"F**k, Tom! Você quase fez eu cair!"

Tom estava nervoso e o temperamento da modelo piorava a situação. Ele secou o suor da testa e segurou os dois pulsos da menina.

"Se você quiser um handjob é só pedir, ya know? Não precisava me trazer pra um fo**in' alley tarde da noite." 

Engraçado como aquela menina conseguia falar algo sujo com uma fofura e inocência de outro mundo. 

"Você tá entendendo tudo errado. Eu só não queria conversar com você na sua casa."

"Fala logo então o que você quer tanto falar. Mas é melhor ser importante otherwise eu vou ficar muito brava."

O que ele tinha para dizer estava mais difícil agora que estava olhando para os olhos da Geordie. Ele abriu e fechou a boca, indeciso. 

"Damn it, Tom! Só fala de uma vez."

"Semana que vem você vai fazer treze anos."

"Eu achei que a gente já tinha cobrido essa parte." 

"Sim, eu sei. É que o seu aniversário me deixou um pouco pensativo."

"Por quê? Tá em dúvida no que vai me dar? Eu posso ter algumas ideias em mente." Cheryl colocou a mão no dorso do professor. 

"Não." Tom colocou sua mão em cima da pequena mão da menina, impedindo-a de continuar seus movimentos. Tudo na inglesa era tão minúsculo que ela mais parecia uma boneca do que uma pessoa de verdade. 

"For sakes, o que há de errado com você?" 

"Eu fiquei pensativo com o seu aniversário, mais especificamente com a sua idade. Depois de tanto tempo juntos você ainda vai fazer treze anos e eu não sei, Cheryl. Eu quero casar, ter filhos,... Construir uma família, sabe? Eu não estou ficando mais novo, já estou nos meus trinta e você ainda... ainda é uma criança."

"E só agora que você se deu conta? Eu posso ser nova de idade, mas também sou muito madura. Eu já fiz tantas coisas... Certamente não sou mais criança."

"Você é quando eu não posso traçar um futuro pra nós dois porque seria insano traçar alguma coisa com uma garota de treze anos."

"Can I just say that I fo***n' hate when you use difficult words with us."

"Que palavra difícil que eu usei?" Tom evitava usar palavras difíceis justamente para facilitar a compreensão da inglesa.

"Nevermind. Acho que você quis dizer que não temos futuro e quer saber? Talvez não. Mas so a maioria dos casais e mesmo assim eles não terminam." 

"É diferente."

"Eu acho que você tá procurando alguma desculpa pra terminar comigo. Você não me ama mais?" 

"É claro que eu te amo, meu amor." Tom tocou o rosto da menina. "Se eu não te amasse, isso não estaria sendo tão dificil pra mim. Mas eu tenho que começar a pensar no meu futuro. No que vai ser melhor pra mim." 

"E eu? Eu não valer a pena?" Cheryl perguntou com lágrimas nos olhos e droga, Tom odiava ver sua amada chorando. 

"É claro que você vale a pena. Eu nunca me apaixonei tanto por nenhuma mulher como me apaixonei por você. Adoro desde o seu mindinho..." Tom segurou a mão da menina e plantou um beijo no seu dedo mindinho. "Até o topo da sua cabeça." Ele deu um beijo no topo da sua cabeça. "Eu amo você inteira. Acredita em mim quando eu falo que só faço isso porque não vejo mais nenhuma outra opção."

Cheryl sentiu seus membros tremerem, tornando difícil a simples tarefa de ficar de pé. Seu coração parecia querer pular do peito e a falta de ar estava cada vez mais notável e insuportável. Aquilo não era real, a inglesa repetiu mentalmente a si mesma. 

Tom, num ato impulsivo, puxou o rosto da menina para si e tentou beijá-la. 

"O que você acha que tá fazendo?" Cheryl perguntou realmente irritada. Seu rosto vermelho e inchado pelas lágrimas derramadas. 

"Você estava chorando..."

"E você achou que seu beijo faria eu me sentir melhor? Get over yourself." 

Tom queria argumentar que ela estava chorando por sua causa, então aquilo não era bem uma prepotência infundada da sua parte. "Desculpa, falha minha."

"Agora que você já falou o que tinha pra falar, eu vou pra casa."

"Eu te acompanho."

"Não precisa. Eu sei o caminho." Cheryl respondeu grossa, tentando conter ao máximo o segundo round de lágrimas saindo de seus olhos. Ela saiu de cabeça baixa e sem olhar para trás. Tom observou a morena sair, se perguntando se realmente tinha feito a coisa certa ao deixá-la. 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Baladas

Bloqueio de escritor. Um termo tão clichê, mas inegavelmente um fato de inúmeras ocorrências. 

Engraçado como o professor estava cheio de ideias para uma nova história, mas quando sentou na cadeira, abriu o notebook e começou a escrever, toda a sua criatividade  se esvaíra. Talvez se encarasse a tela por mais alguns minutos, ela diria as palavras certas a usar. O professor estava quase adormecendo enquanto lutava simultaneamente com a própria mente e com a página em branco do Word, até que escutou uma melodia vinda da sala. Era o som de alguém tocando piano. 

O britânico frequentemente se questionava quanto a compra do instrumento. Sua mulher mal dava bola para o luxuoso piano de cauda, parecendo mais um item ornamentativo do que qualquer outra coisa. Nenhuma vez, havia visto a esposa ao menos tentar tocá-lo. Aquele dia parecia ser uma exceção. Andrew não conhecia a música performada pela ruiva. Sua melodia soava melancólica. Provavelmente era uma das músicas que sua mulher ensaiava na infância. Ele se deu conta de que nunca a havia visto tocar, apenas quando criança. 

O professor se levantou e foi até ao cômodo principal, o som das notas cada vez mais audíveis. Quando chegou na sala, observou sua esposa imersa em seu próprio mundo. Ela parecia triste e isso o deixava triste. 

Era estranho o poder da convivência. Ele amava Jessica e por isso se casou com ela. Mas com a convivência, aquela mulher, que há alguns anos ele mal reconhecia a sua existência, cada vez mais fazia parte de sua essência. Era a sua família. 

Andrew se aproximou da ruiva e sentou ao seu lado. 

"É como andar de bicicleta. Uma vez que você aprende não esquece mais." Jessica tocou a última nota e depois se virou para o marido. 

"A maioria das pessoas fala o contrário. Que se parar de treinar, acaba esquecendo."

"Sério? Não aconteceu comigo." 

"É porque você é diferente. Uma mulher prodígio, capa de revista."

"E você é muito recalcado." 

"Chamando o marido de recalcado... que feio, Jessica Butterfield!"

"Eu tenho uma confissão a fazer."

"Qual?" 

"Jessica Butterfield é péssimo. Não combina nenhum pouco." 

"E você acha que Andrew Chastain combina?" 

"Mais do que Jessica Butterfield, com certeza." 

"Que pena. Porque agora você tá presa com o Butterfield pra sempre."

Jessica sorriu com o uso do termo pra sempre, significava que os dois nunca se separariam.

"Algum pedido especial para a pianista de hoje?"

"Que tal você me surpreender. Na verdade não sei o que você sabe tocar." Ele admitiu. 

"Haha. Então eu vou tocar uma do meu filme preferido, na verdade, de um dos meus filmes preferidos. Não sei se ele é realmente o meu preferido."

Jessica começou a tocar The Way You Look Tonight de Tonny Bennett e Andrew logo reconheceu a canção. 

"My best friend's wedding?" 

"Isso!" 

"Esse filme é tão sem graça."

"Você acha? Eu sempre achei diferente porque a personagem principal não conseguiu ficar com o cara no final. Você espera que ela vá conseguir, o filme inteiro, mas não. Foi um tapa na cara."

"Eu não colocaria bem nesses termos, mas sim, até que o final foi interessante."

"Muito!" 

"Eu acertei tão rápido que quase não te ouvi tocar. Continua pra mim?" 

"Tá bom." 

Jessica voltou a tocar, dessa vez, chegando até o final. Naquele momento, o britânico se deu conta que preferia a música só tocada do que com a voz de Tonny Bennett e também que Jessica era realmente muito boa no piano. 

"Isso foi lindo, amor. Parabéns!"

Não é como se a advogada tocasse igual a uma pianista do Teatro Municipal, mas ela era realmente muito boa para uma não profissional. Andrew estava impressionado e de certa forma orgulhoso. 

"Obrigada." 

Jessica geralmente era bem arrogante em relação aos seus talentos, mas no piano a coisa mudava um pouco de figura. A ruiva estava tímida, como se tivesse dúvida de que o elogio do marido tenha sido realmente legítimo. 

"Você sempre me surpreende." Andrew puxou a cabeça da esposa para si e a beijou. 

Jessica ficou um pouco sobressaltada ao sentir a língua do professor na sua. Depois de tantos acontecimentos, os dois não estavam usando muita língua nos beijos. Língua remetia a paixão, desejos e entregas. 

Jessica certamente ansiava por seu marido e sentia falta de beijá-lo assim. 

"Eu sei também outras músicas, sabe?" A ruiva lambeu os lábios ao final do beijo. 

"Sério? Quais?" Andrew fingiu surpresa e a advogada riu. 

"Deixa eu pensar... E se você tentar adivinhar qual música eu tô tocando com cinco notas?" 

"Cinco? Só?" 

"É. Se precisar eu aumento pra seis ou sete."

"Tá bom" 

Jessica tocou cinco notas do refrão de I believe I can fly

"I believe I can fly."

"Acertou! Viu como é fácil?" 

"Musiquinha meio brega." 

"Discordo. Outra?" 

"Vai lá." 

"Nessa as cinco notas vão ser do começo da música." 

"Tá bom." 

*Cinco primeiras notas de So far away de Carole King.*

Andrew olhou para a esposa com cara de tacho.

"Então?" 

"Toca de novo." 

"OK, mais uma vez." 

A ruiva tocou de novo. 

"Seis notas." 

"Sério?" 

"Sim, tá difícil." 

*Seis primeiras notas de So far away.*

"Sete."

"Andrew!"

"Você falou que podia até sete." 

"Mas já tá óbvio." 

"Óbvio pra você que já tá com a música na cabeça." 

"Última chance, hein." 

*Sete notas de So far away.*

"I'll stand by you?" 

"NÃO!" 

"Mas tá parecendo. Ooh why you look so sad?

O professor cantarolou. 

"Passou longe. Tava muito fácil, ainda mais com sete notas." 

"E qual era a música?" 

"So far away."

"Hã?"

"Aquela... So far away doesn't anybody stay in one place anymore..."

"Nada a ver!" 

"Como?" 

"Desculpa, amor, mas essa você não tocou direito. Mirou no so far away e acertou no I'll stand by you." 

"Eu vou ignorar essa sua insolência."

"Você sabe que eu tô certo." Ele deu um sorriso pretensioso. 

"Última música. Valendo fazer o jantar e a troca das próximas dez fraldas da Mel."

"Tudo bem. Mas toca a próxima direito, por favor. Sinto que você tá me boicotando." 

Jessica balançou a cabeça tentando prender o sorriso. "Lá vai."

"Eu também tenho que conhecer a música." 

"Cala a boca, Andrew."

"É que depois você toca uma desconhecida e sou eu que me ferro."

"Shhhhh."

Jessica tocou cinco notas do refrão de True Colors. 

"Já tá com saudades da Ivana, Jessica? Supera isso." 

"Essa música virou da Ivana agora?" 

"Pior que virou. Eu ganhei. Próximas dez fraldas da Mel são suas."

"Ei, a aposta não falava nada que se você acertasse eu ficaria com a tarefas." 

"Você falou valendo fazer o jantar e as fraldas da Mel. Olha que eu não tô louco."

"Você. Se você errasse, mas como acertou, ninguém deve nada a ninguém."

"Aposta burra essa que só eu tinha algo a perder."

"Da próxima você tem que deixar os termos bem claros."

"Pode deixar que eu vou mesmo." O inglês brincou e Jessica riu. 

"Até que eu gostei do piano." A ruiva falou, por fim. 

"Fico feliz." Andrew alisou a mão da esposa que estava apoiada em cima das teclas do piano. Jessica observou os movimentos do professor. Sua pele extremamente sensível aos seus toques. 

Quando o inglês afastou uma mecha de seu cabelo e acariciou seu rosto, Jessica capturou os lábios do marido, completamente submissa a ele.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Andrew


Andrew era um homem de ânimos. Durante um período de sua vida, acreditou que tinha adquirido bipolaridade tardia, patologia inventada pelo professor-médico, para justificar suas volubilidades.
Certo dia, comentou sobre isso com seu amigo Anthony, que ouviu o relato com um meio sorriso por fazer. 

"Meu amigo, o que você acaba de descrever não é um caso de bipolaridade. Você só é um homem de paixões".

"Acho que você não me entendeu. O que eu estou dizendo é justamente o oposto: tem horas que eu sinto ódio, ódio e só ódio".

"Pois sim. São acessos de raiva tão intensos e efêmeros, que se manifestam como paixões às avessas, explosivas e intensas, mas quando se dissipam, te fazem desconfiar do seus próprios sentimentos".

Esse era o problema de se abrir para um especialista em poesia dos séculos XVIII e XIX.
Diagnóstico dado, o problema era a terapêutica. Como voltar a ser calmo? Como não perder de vista o todo só pelo momento? Como não ceder ao exagero?

"Se você depois cria uma noção da realidade, qual mal faz a crise?"

"É porque a crise não é silenciosa".

E não era.

- "Cansei dessa comiseração de vocês. Vão todos se f***r!";
- "Ultimamente o trabalho tem sido muito mais interessante do que estar aqui. Eu me sinto triste só de pensar em voltar pra casa";
- "No dia que eu precisar trabalhar nos Correios, me mate!";
- "Eu seria mais feliz morando longe da minha família. Bando de c*zões!";
- "Como eu gostei disso?";
- "Mãe, a sua presença na minha vida só não é irrelevante, porque a irrelevância seria bem melhor. Você, ao contrário, só é uma presença que estraga".

Todos esses ditos e não ditos foram verdadeiros em um curto período de tempo e, ainda assim, não poderiam estar mais longe da verdade.

"Você não se expressa pela razão. Você se expressa por uma emoção momentânea guiada pela raiva ou frustração em excesso que você está sentindo. Assim que seus sentidos se acalmam e a racionalidade volta a funcionar, você consegue perceber o que é, de fato, verdade e o que é reflexo do ódio que só quer machucar e envenenar. Muitos desses pensamentos são verdadeiros e você, apesar do arrependimento que sente posteriormente, sabe quais são. É como se o seu inconsciente aproveitasse o momento para jogar algumas verdades aprisionadas, mas outros são puro alimento de uma narrativa da raiva. Para o bem ou para o mal, sua arma são as palavras", falou o psicólogo.

Se, por um lado, a última frase mexia com seu ego de escritor, por outro, ele sabia que isso não fazia bem a si mesmo e às suas relações com as pessoas ao seu redor. Ninguém foi estável na sua mente; quem chegou mais perto foi o seu filho e olhe lá.
A verdade é que no recôncavo de Andrew, há pensamentos indizíveis.
Toda essa digressão é só pra dizer que sentado no sofá, com Jessica cochilando no seu ombro, Andrew pensou:

"Não poderia estar mais feliz!"