quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Surpresa, voltamos!

Jessica recebeu um telefonema que não estava esperando e a deixou aflita por todo expediente da tarde. Assim que se livrou de seu último cliente do dia e assinou alguns papéis que dariam andamento a alguns processos, a advogada ligou para seu ex-marido.

"Alô." Bradley atendeu.

"Oi, Bradley! É a Jessica." A ruiva apertou os olhos se sentindo idiota por ter se identificado.

"Oi. Tudo bem?" Bradley perguntou casualmente.

"Mais ou menos. O Jeff ligou. Ele tá aqui no Brasil, mais especificamente na casa dele."

"Oh." Bradley exclamou surpreso com a notícia. "Eles voltaram pra ficar?"

"Ele não disse. Quer que nos encontremos com eles hoje à noite num restaurante. Você vai tá livre?"

"Tô. Só o Brian que tá comigo, mas eu posso deixar ele na Andréia."

"Tá bom. Eu te passo o endereço do restaurante por mensagem."

"Ok. A gente se encontra lá?"

"Sim."

"Ok, então até mais tarde."

"Até. Manda um beijo pro Brian. Diz que a dinda tá morrendo de saudades." 

"Mando sim. Dá um beijo na Melzinha por mim."

"Pode deixar." Jessica respondeu e desligou o telefone.

Bradley chegou no restaurante no horário combinado. Ele procurou a mesa onde estariam Jeff e Krista e os avistou sentados com Jessica de frente para eles escutando entediada sobre alguma coisa. 

O professor se aproximou e cumprimentou o casal.

"Jeff, Krista, quanto tempo!" Bradley estendeu a mão para os dois apertarem e depois se sentou ao lado da ex-mulher, que deu uma olhada rápida para o ex e depois voltou a fitar o casal de cientistas.

"Verdade!"Krista concordou.

"E como foi a viagem?" Bradley perguntou tentando soar simpático, ao contrário de sua ex-mulher.

"O voo atrasou um pouco, mas no geral foi bem tranquila." Jeff respondeu.

"E como vai o Bryce?" Bradley voltou a perguntar.

Jessica respirou fundo ao ouvir Bradley fazer perguntas que não lhe interessavam as respostas.

"Ele está ótimo. Ficou em casa descansando da viagem. E a Emma, como tá?" Krista respondeu.

"Ótima." Jessica respondeu rapidamente.

"Vocês não falaram com ela que estavam vindo?" Bradley quis saber.

"Nós queremos que seja surpresa." Krista falou animada.

"A gente já tava planejando em vir pro aniversário dela, mas acabamos decidindo adiantar a viagem." Jeff acrescentou.

"Espero que vocês não estejam pensando..."

"E vocês pretendem ficar quanto tempo?" Bradley cortou sua ex-mulher.

"O resto do ano." Jeff respondeu.

"Então vocês vão ficar fora o ano que vem?" Bradley tornou a perguntar.

"Na verdade a gente volta pro Canadá ano que vem só pra acertar algumas coisas e depois voltamos pra cá de vez." Jeff respondeu.

"Ah." Bradley vocalizou, surpreso com a resposta. Seu semblante se entristeceu no mesmo instante.

Jessica engoliu em seco.

"Como vai a gravidez? São gêmeos, certo?" Krista mudou de assunto, como se nenhuma notícia devastadora tivesse acabado de ser dada.

"Licença." Jessica se levantou da mesa e foi em direção ao banheiro.

"Licença também." Bradley se levantou em seguida e se apressou para alcançar a ruiva, porém, ela já tinha entrado no banheiro.

"Jess! Você tá bem?" Bradley gritou da porta, sentindo seus olhos quentes pelas lágrimas enclausuradas.

Ao não ouvir nenhuma resposta, o professor entrou, ignorando aquele ser um ambiente feminino.

"Jess? Você tá aonde?" Bradley escutou um barulho de tosse forte vindo de uma das cabines e foi até lá. "Quer ajuda?"

"Não!" Jessica voltou a tossir.

"Se precisar, eu tô aqui." Bradley deu alguns passos para trás, e apoiou as mãos na pia, de costas para ela e de frente à cabina onde a advogada estava. Ele escutou o barulho de Jessica vomitando e aguardou em silêncio, enxugando as lágrimas que escapavam de seus olhos. O professor agradeceu mentalmente o banheiro estar vazio.

Ele estava perdido em pensamentos quando ouviu a descarga do banheiro ser acionada e a ruiva abrindo a porta.

"Você tá bem?" Bradley perguntou ao vê-la saindo abatida da cabine.

"O que você acha?" Jessica foi até a pia para lavar a mão e limpar a boca.

O professor pensou em dizer que tudo ficaria bem e que aquilo não significaria que perderiam a Emma, mas preferiu não falar mentiras e ficar quieto e observar a ex-mulher fazer bochecho com a água da torneira.

Jessica viu pelo espelho o rosto triste e pensativo de Bradley, e notou que ele havia chorado. 

"Eles voltaram mais esnobes do que foram." Jessica usou o seu humor negro, pois sabia que o faria rir.

"Pior que sim." Bradley deu uma risada seca.

Jessica fechou a torneira e se virou para o professor para poder fitá-lo.

"Não acha engraçado que não importa o quanto o tempo passe a gente sempre acaba em situações como essa?"

"Que situação? Você vomitando e eu chorando no banheiro feminino de um restaurante?" Bradley brincou.

"Exatamente!"

"Velhos hábitos são como um ciclo vicioso. É difícil de quebrar."

"Eu que o diga." 

"Você acha que eles nos chamaram aqui só pra dizer que vão tirar a Emma da gente?"

"Com certeza. Eu bem que tava estranhando eles quererem falar com a gente antes de avisarem a Emma que voltaram."

"E agora? Você acha que eles tão dispostos a fazerem um acordo?"

"Não sei. Acho que não, pelo menos, não de forma amigável." Jessica respondeu.

"O que você quer dizer com isso?"

"Que conhecendo aquelas duas peças, eles não vão querer fazer nenhum acordo. Eu não posso perder a Emma... É sério, Bradley, se eu perder ela de novo, eu não vou resisitr." Jessica admitiu com a voz fraca.

Bradley se aproximou e a envolveu num abraço.

Os dois ficaram assim até uma mulher abrir a porta do banheiro.

"Aqui é o banheiro feminino?" A mulher perguntou, já sabendo a resposta para aquela pergunta.

"É. A gente já tava saindo." Jessica respondeu sem graça, se desvencilhando de Bradley. 

Os dois passaram pela mulher e saíram do banheiro.

"Quer sair de fininho e comer em outro lugar? Aí a gente discute o que fazer em relação a Emma." Bradley propôs.

"Eles vão ficar p***s." A ruiva argumentou.

"Exato." Bradley ergueu as sobrancelhas.

"Ok, me convenceu." 

Bradley abriu a porta para a ruiva passar e saiu do restaurante logo em seguida.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

I'd rather you not

A música estava alta vinda da sala e Cheryl rezava para nenhum de seus vizinhos ligarem reclamando do barulho. Certamente se isso acontecesse, seu padrasto nunca mais confiaria nela sozinha. 

Nicola terminou de virar sua bebida e foi até a Geordie, jogando seus braçoes em sua volta, de forma desleixada.

"Amiga, acho que é hoje." Nicola falou no seu ouvido, ainda pendurada na menina menor, porém mais velha.

Cheryl tinha acabado de ter "a conversa" com Asa e arregalou os olhos com a afirmação da amiga.

"Tem certeza? Não acha cedo?" Cheryl se afrouxou do abraço da amiga com dificuldade, já que a ruiva não queria liberá-la de seu aperto. Agora, Nicola estava com a parte dos pulsos em volta do pescoço da inglesa, como numa dança de baile escolar.

"Você e o Edward fizeram e vocês começaram a namorar depois da gente." Nicola argumentou sorridente.

"Sim, mas...a gente tem mais experiência."

"E daí? Você tem um trauma e decidiu se arriscar, por que eu não posso fazer o mesmo?"  

"Porque apesar do meu... trauma." A britância franziu as sobrancelhas. "Eu já tinha experiência. Se fosse minha primeira vez, com certeza teria esperado."

"Mas eu já tô pronta, Cheryl. Não é só você que tem vontades, sabia? Eu tenho pensado muito nisso."

"Você pode tá pronta, mas eu não acho que o Asa esteja."

"Como assim? Ele não é mais virgem."

"Eu sei. Mas a primeira experiência dele não contou e a segunda sei lá."

"Pra mim já foram experiências mais que suficientes."

"Então... depende. Eu só acho bom avisar que as coisam podem não sair do jeito que você tá esperando."

"Por que não?"

"Porque às vezes não sai. Principalmente no começo."

"Mas eu não vou ter que passar pelo começo de qualquer jeito? Então que seja agora."

Cheryl olhou para a ruiva sem saber o que responder.

"Olha, eu também não gostei que você fez com o Edward." Nicola admitiu.

"Não?" Cheryl indagou surpresa.

"Não." Nicola respondeu simplesmente como se não tivesse dito nada demais.

"Se importa de explicar?" 

"Eu não acho que ele te merece. Você deu de bandeja algo que ele deveria ter lutado pra ter." A ruiva explicou.

"Não tinha porquê fazer ele lutar."

"Eu acho que tinha. Ele já te tratou muito mal, Cheryl. E nem tentou se enquadrar com os seus amigos. Ficou aqui com a gente todo arrogante e se achando melhor que todos nós. E no final a recompensa foi te levar pra cama."

"Eu não vi desse jeito."

"Eu preferia que você tivesse dormido com a Kimberley do que com ele!" Nicola tirou os braços da Geordie e foi andando.

"O quê? Nicola!" Cheryl foi atrás dela.

"Não quero falar mais disso." A ruiva foi em direção ao namorado.

"Mas... Oi!" Cheryl deu de cara com o Asa e preferiu não continuar o assunto na sua frente. "Depois nos falamos então." A Geordie disse quieta para Nicola, depois abaixou a cabeça e saiu.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Boys talk

 

Andrew estava conversando no whatsapp com seus velhos amigos de Ensino Médio, Adam e Howie. A conversa foi traduzida para o português.

Howie:

Andrew: Sua família é realmente muito bonita, Howie.

Adam: Quem diria que um dos maiores pegadores da escola seria um viado com uma família tão adorável?

Andrew: Rsrsrs.

Howie: Vcs não imaginam quantos caras eu peguei naquela época e td escondido.

Adam: Tinha mt gay na nossa escola. Eu to surpreso que o Andrew não se revelou um.

Andrew: Vai se f***r!

Howie: Eu nunca esperei isso do Andrew. Ele tinha um gosto péssimo pra garotas. Nós gays somos exigentes com os rostos. 

Adam: Só caminhão hahahahaha.

Andrew: Eu sei que eu tinha mau gosto, podem zoar. Mas deixa eu falar: a minha mulher de agora é muito, mas muito linda. Foi a mulher mais linda que eu já tive na minha vida.

Howie: Só trabalho com fotos.

Andrew:

Adam: Ah, duvido que essa seja a sua mulher.

Andrew: Não sei os outros, mas mesmo sem conhecer a mulher deles, duvido que seja mais bonita que a minha.

Howie: Ela é alta?

Andrew: Não, só parece, mas ainda assim poderia ser uma modelo (as pernas dela são maravilhosas e deliciosas tbm 😈). Ela já foi até capa de revista. É uma advogada muito prestigiada no Brasil.

Adam: Queria mais fotos da perna.

Howie: Aí tu furou a camisinha pra engravidar a mulher e obrigar a casar com você, foi isso.

Andrew: Podem acreditar, aqui no Brasil eu me dei muito bem. Eu tive uma ex muito linda também. Vcs ficariam pasmos se vissem a foto dela, mas não deu certo. Ela era muito nova e eu muito velho. 

Howie: Envelheceu e quis as novinhas?

Adam: Antes gostava das mais velhas... O tempo muda tudo. PS: Ainda quero as fotos das pernas.

Andrew: Vai ficar querendo.

Adam: Pra q faz propaganda então?

Andrew: Rsrsrsrs.

Howie: E a filha? Cadê a foto dela?

Andrew: Minha Melzinha. 

Howie: Que linda! Puxou a mãe.

Adam: Essa podia ser modelo também. 

Andrew: Eu to muito feliz, to com uma família muito bonita, literalmente. 

Adam: Da última vez que nos vimos, vc tava bem mal, cara.

Andrew: Naquela época eu tava deprimido. No Brasil me senti ainda mais solitário. A Jessica me salvou, me deu uma filha, agora vai me dar mais dois, me devolveu uma família. Também me deu a minha enteada que é incrível. E eu já tinha o meu Asa, que era a única coisa que me fazia feliz, e agora tbm tenho uma filha que eu descobri faz pouco tempo, Zendaya.

Howie: Oi? Como assim?

Adam: Ah, ta de brincadeira?!

Howie: E diziam que isso aconteceria comigo!

Andrew: Pois é, dá pra acreditar? A mãe da menina era a minha noiva, mas a gente terminou. Isso foi antes de eu me casar pela primeira vez. Acontece que ela tava grávida e eu só descobri agora pouco. A mãe faleceu e agora ela veio me procurar. Mais uma menina.

Howie: E sua mulher aceitou isso numa boa?

Andrew: Vcs têm que conhecer a Jessica. Ela tem muita personalidade, sabe? Mas ela tbm é muito sensível. Ela faz coisas que outras nunca fariam. Ela aceitou mt bem a Zendaya.

Adam: E qual é o defeito dela? Pq não tem como ser tão perfeita assim.

Andrew: É muito desejada.

Howie: Isso dá pra entender. Até eu fiquei de olho, confesso, e eu sou gay.

Andrew: Ela tbm tem uma personalidade forte, então juntando com a minha, temos embates épicos às vezes, mas no geral, é uma mulher pra vida inteira. É o tipo de esposa que se morrer, vc vai logo depois de tristeza.

Adam: Uau, Andrew, parabéns. Outro com uma família muito bonita.

Andrew: Obrigado. Mas e você, Adam, como anda o casamento?

...

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Scenes from um reencontro

Seus olhos pareciam estar pregando uma pegadinha. Jonathan ajeitou os óculos e voltou a encarar a moça grávida de cabelos alaranjados, do outro lado da rua.

Ela estava segurando uma bebê no colo, evidenciando, finalmente ter conseguido realizar o seu grande sonho de ser mãe.

Seu relacionamento com a advogada foi tão turbulento, quanto andar numa montanha-russa de olhos vendados, onde não dava para saber o momento que viriam as subidas e as descidas, fazendo que fosse de forma súbita, intensa e destrutiva.

Momentos de paixão, entrega, fúria e tristeza, revisitaram a cabeça do psicólogo, tudo de uma só vez. Tudo nos dois era muito intenso, os choros, as risadas, o beijo, o sexo, as brigas... Eram duas pessoas quebradas tentando encontrar no outro a peça que faltava em si. Jessica, de muitas formas, foi sua redenção e sua sina. O tempo que passaram juntos, apesar de breve, ficou gravado em sua memória, trazendo consigo, um sabor agridoce.

O fim foi arrastado e doloroso. A intenção era ofender, ferir, humilhar... Causar lesões tão profundas que, mesmo que se cicatrizassem, deixariam marcas permanentes um no outro.

A ambiguidade da ruiva e de seus sentimentos era transmitida por palavras, ditas e não ditas, fazendo com que se sentisse o homem mais sortudo e miserável de todos. 

Ao observá-la com uma filha no colo e um filho no ventre, chegou a conclusão de que ou a advogada tinha reatado com seu ex-marido, ou outro homem se mostrou apto para a posição que lhe foi negada anos atrás.

Jessica virou o rosto e agora o olhava como se tivesse visto uma assombração.

Jonathan abaixou a cabeça e começou a andar na direção oposta. Poucos minutos recordando o passado foi o suficiente para voltar ao estado de insignificância que sentiu na época que estava com ela. Ao andar dando passos largos, tentando fugir daquela situação, escutou a advogada gritando seu nome. Aquela voz que já tinha sido veículo de palavras tão doces, e também, tão desprezíveis. Seu coração disparou. Ele virou.

Jonathan observou Jessica se aproximar um pouco ofegante com a bebê no colo.

"Tá fugindo de mim?" A ruiva deu um sorriso sarcástico, aquele que Jonathan conhecia muito bem.

"Você me pegou." Jonathan respondeu sem graça, colocando as mãos no bolso.

"Eu vi você olhando."

Jessica soou doce, diferente da primeira e da última vez em que a viu.

"Desculpa. Sua filha?" Jonathan apontou com a cabeça.

"É." Jessica ajeitou o peso da bebê no colo.

"Parabéns. Você conseguiu tudo o que queria." Jonathan falou com um quê de ironia.

"E você? Vai bem?" Jessica ignorou a atitude provocativa de Jonathan. 

"Sim."

"Tá casado?"

"Não, ainda divorciado." Jonathan riu sem humor.

"A gente podia ir pra algum lugar... conversar um pouco."

"Não."

"Jonathan..."

Quando Jessica o chamou assim, foi como se o tempo não tivesse passado.

"Você não vai querer um alcoólatra perto de você e da sua filha."

Jonathan estava muito diferente desde a última vez em que o viu. Estava mais magro, mais cabisbaixo, mais triste... muito diferente do cara confiante que liderava as reuniões dos Viciados Anônimos.

"Você sabe que isso não é verdade. Nós dois estamos no mesmo barco. Não sou melhor que você em nada."

"Não tente se equiparar a mim."

"Você mais do que ninguém sabe que as aparências enganam. Não tô tão bem quanto pareço estar."

"Você parece ótima."

"Não estou."

"Tudo bem. Podemos conversar." Jonathan cedeu.

"A gente pode tomar um café, o que acha?"

"Vamos lá."

Os dois caminharam em silêncio para a cafeteria, parecendo um pouco com a primeira vez que saíram juntos.

"É do Bradley?" Jonathan perguntou quando terminaram de fazer seus pedidos.

"Não. É do melhor amigo dele."

"Imagino que não sejam mais tão amigos assim." Ele riu debochado.

"Não, não são mais."

"E esse que tá pra chegar também é do melhor amigo do seu ex?"

"Esses. São dois. E são dele também. Nós nos casamos no final do ano passado."

"Parabéns."

"Obrigada. E como vai a loja?"

"Faliu com a pandemia."

Jessica enrugou a testa com a resposta. "Sinto muito."

"Sente?"

"O que você quer dizer com isso? É claro que eu sinto. Você acha o quê? Que eu ficaria feliz em ouvir isso?"

"Feliz não. Apática."

"Não, eu não fiquei apática. " Jessica falou irritadiça.

"Tudo bem, não precisa ficar irritada."

"Eu não tô irritada."

"Tem razão, má leitura minha." Jonathan achou melhor dar um passo para trás para não deixar o clima pesado. 

"E você tá fazendo o que agora sem a loja?"

"Pedindo esmola."

"É sério?"

​"Não né."

"P***, Jonathan! Piada de péssimo gosto."

"Desculpa. Não cheguei nesse nível ainda, mas tô quase lá." 

"Você tá trabalhando?"

"Arrumei um serviço de segurança."

"E tá morando naquele apartamento ainda?"

"Não. Ficou muito caro pra eu pagar o aluguel e as contas. Acabei indo morar com os meus pais."

O olhar da advogada caiu. Ela não sabia o que dizer. Ver Jonathan passando dificuldade apertou seu coração. 

"Você voltou a beber?"

"Quando minha loja faliu? Sim. Muito."

"E agora?"

"De vez em quando. Tem dias e dias. Eu tô bem pior desde a última vez que você me viu."

Jessica colocou a mão em cima da dele, porém Jonathan a recolheu rapidamente, envergonhado com as sujeiras da sua mão.

"Jonathan..."

Jonathan começou a chorar contra a sua vontade. 

Jessica levou sua cadeira pra perto dele e colocou o braço que não estava segurando a Mel, em volta dos seus ombros e fez carinho de leve. Ela ficou escutando o choro do amigo, em silêncio, até ele se recuperar.

"Me desculpa." Ele tirou o óculos para enxugar as lágrimas.

"Me dá aqui." Jessica pegou os óculos da mão dele e começou a limpar com um lenço de papel.

Aquele movimento lembrou muito ao passado. Jonathan observou a ruiva passando o lenço com perfeccionismo e cuidado, enquanto Mel tentava pegar no óculos com sua mãozinha.

"Vê se tá bom." Jessica passou o óculos para ele. 

"Tá ótimo. Obrigado." Jonathan colocou o óculos novamente. "Sua filha é muito linda. Deve ser a bebê mais bonita que eu já vi."

"Obrigada." Jessica agradeceu, gentilmente. 

"Ela lembra muito você." Jonathan completou. 

"Sério? Todo mundo diz que ela lembra mais meu marido."

"Bem, eu não conheço seu marido. Mas que ela lembra muito a você, ela lembra."

"Quer segurar ela um pouquinho?" 

"Tem certeza? Eu tô meio suado. Vim pra cá de metrô e tava bem cheio."

"Ela aguenta." Jessica riu. 

"Tudo bem."

Jessica entregou sua bebê para Jonathan. Ele começou a falar com Mel fazendo caretas e uma voz engraçada. 

"Ela gostou de você. Você não tem ideia do quanto é difícil fazer a Mel rir."

"Mel é um nome muito bonito." Jonathan constatou. 

"Obrigada. Mas não combina muito com ela não. Ela é mais azedinha. Principalmente de manhã."

"Então ela puxou a mãe."

"ESSA é uma coisa que eu sempre escuto." Jessica riu. 

"Fico feliz por você. Eu sei o quanto você queria ter um filho. Fico realmente muito muito feliz."

Jonathan lembrou da vez que Jessica pirou quando achou que podia estar grávida dele. Ela agiu como se fosse a pior coisa do mundo engravidar de alguém como ele e fez questão de demonstrar a todo o momento o quanto ela detestaria a ideia de ter um filho seu. Ele ficou tão magoado que jurou nunca mais tê-la de novo, porém, quando esta descobriu que era alarme falso, usou de seu charme para seduzi-lo de volta à sua cama. 

Muitas vezes Jonathan se sentiu manipulado pela ruiva, enquanto seus sentimentos por ela eram fortes e reais, a advogada parecia apreciá-lo apenas de quando em quando. 

"Eu sinto que joguei muito das minhas frustrações em você. Não foi muito justo. Desculpa." A ruiva revelou. 

"Não! Fico feliz que tenha jogado. Foi melhor do que quando você era fechada, e fingia que tava tudo bem, quando seus olhos diziam justamente o contrário." Jonathan falou ainda brincando com Melzinha. 

"Você apareceu na minha vida numa das minhas piores épocas." Jessica revelou pensativa. 

"E você apareceu na minha numa das minhas melhores."

"Você era tão perfeito que me dava raiva."

"Minha vida sempre foi longe de ser perfeita."

"É que você controlava muito bem as suas emoções. Você sempre teve um ótimo controle emocional." 

"Meus pais diriam o contrário. Minha ex-mulher, nem se fala."

"Eu tinha inveja de você."

"E agora você tem pena. Olha como o mundo dá voltas." Jonathan falou irônico. 

"Eu não tenho pena."

"Fala sério, Jessica. Você me olha como as pessoas olham um cachorro de rua com fome."

"Eu me importo com você. É óbvio que não gostei de saber que sua loja faliu e que você tá trabalhando de segurança num... Aonde?"

"Numa boate."

"Numa boate."

"Poderia ser pior."

"​Eu sei. Pelo menos você tem uma casa, mesmo que seja a dos seus pais, um trabalho, tá com saúde... Tem muita gente em situações bem mais adversas."

"Verdade, não posso reclamar. E como você tá? Desde a última vez que eu te vi, você parece outra pessoa."

"Eu não era eu mesma naquele dia. Foi como se um espírito ruim tivesse se apossado de mim e dito todas aquelas coisas horríveis pra você. Eu vi o que minhas palavras estavam fazendo e eu me senti péssima, mas não consegui parar. Depois daquela noite eu fui pra casa e me senti tão desprezível. E o pior é que você foi embora achando que eu não sentia nada por você, o que estava longe de ser verdade."

"Não adianta ficar remoendo o passado."

"Eu só queria me desculpar por como eu te tratei. Não pode ser coincidência a gente se reencontrar depois de todos esses anos. Deve ter sido pra eu poder me retratar, não é?" Jessica deu um riso nervoso.

"Não precisa se desculpar, sério. Eu também errei muito, por mais que eu tenha me feito de superior na época."

"Eu fiquei com a impressão que você achou que eu queria só..."

"Sexo?"

"Isso." Jessica riu e Jonathan riu junto. 

"Pode passar uma eternidade, mas você sempre vai ter dificuldade de falar sexo."

"Patético, né?"

"Eu acho bonitinho."

"Aham."

"E como você tá?"

"Comparado a última vez que você me viu, bem melhor. Mas eu tenho me sentido uma força negativa."

"Como assim?"

"Eu acho que eu deixo as pessoas à minha volta tristes ou estressadas. Tipo, tá todo mundo bem, rindo e brincando, e aí eu chego e deixo todo mundo infeliz, que nem uma fruta estragada que acaba contaminando as outras. Aí eu fico triste, com raiva, mais triste e começo a pensar num monte de besteira."

"E você ainda tem feito aquilo?"

"Desde que eu descobri que tava grávida dos gêmeos, não. Da última vez eu acabei perdendo o controle e a coisa ficou muito séria. Foi ótimo, mas péssimo ao mesmo tempo. Eu tenho muito medo de algo acontecer com os bebês por minha causa."

"E o que você tá fazendo pra controlar a vontade?"

"Minha regra é não usar objetos cortantes durante a gravidez."

"Seu marido sabe?"

"Ele sabe que acontece, mas não tem noção da frequência e nem como eu faço. Eu não quero que ele se preocupe."

"E você conversa sobre isso com alguém?"

"Não."

"Você deveria ter alguém pra conversar sobre isso."

"Às vezes eu falo com o meu psicólogo, mas não é um assunto que me sinto confortável em falar. Eu sou muito quebrada, Jonathan. Nenhum tratamento no mundo vai mudar isso."

"As melhores flores vêm em vasos quebrados."

"Tenho quase certeza que o ditado não é esse."

"É o que eu acredito."

"Eu quero te fazer uma proposta."

"Qual?"

"Eu quero que você trabalhe comigo, na minha empresa. Você pode ficar na área de recursos humanos.  O salário não é ótimo, mas também não é ruim. Você vai poder sair da casa dos seus pais, se for do seu interesse, é claro, e também é mais seguro do que trabalhar como segurança de uma boate. O que acha?"

"Obrigado pela oferta, mas não."

"Por que não? Não seja orgulhoso."

"Não é orgulho."

"Então é o quê?"

"Você nem me entrevistou, nem viu meu currículo, aposto que têm várias pessoas mais aptas pro cargo do que eu."

"Só que eu sou a chefe e eu quero você."

Jonathan arregalou os olhos.

"Pro cargo." Jessica completou.

"Não tenho interesse num cargo que só consegui porque comi a chefe."

"Wow." Jessica exclamou, surpresa.

"Desculpa."

"Tudo bem. Você quem sabe." Jessica tomou um gole do seu latte.

"Não, me desculpa. Fui muito infeliz no que eu disse."

"Foi."

"É que eu não quero me sentir como se eu não merecesse tá ali e ver meus colegas de trabalho me olhando da mesma forma."

"Claro que você merece. Você é uma das pessoas mais esforçadas que eu conheço, e acima de tudo, é uma pessoa que eu confio. Se você quiser, você pode conhecer a empresa primeiro, ver como é o departamento pessoal e depois você me dá a resposta."

"Tudo bem." Jonathan disse e a ruiva sorriu. "Aceito conhecer a empresa." Ele completou e voltou a brincar com a Mel. 

"Justo. Você vai pra onde depois daqui? Quer uma carona?"

"Não, obrigado. Quero seu número de telefone, se você não se importar." 

Os dois trocaram os telefones, se despediram, e depois cada um foi para o seu canto.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Infantilidades e Banco Imobiliário

O jantar de aniversário de Andrew chegara ao fim e Nicola deixou o local se sentindo envergonhada e humilhada. Seu namorado além de ter se recusado a fazer uma simples coisa de casal, que era provar a sua comida, agiu como uma criança perseguindo Emma por todo o restaurante. 

Nicola pegou o celular e selecionou o contato da única pessoa que faria com que se sentisse melhor.

Tá acordada? -Nicola enviou.

Adivinha -Cheryl respondeu com seu bom humor de sempre.

A ruiva sorriu. A Geordie sempre conseguia animar seu espírito. Ela conseguia imaginar o sorriso brincalhão no rosto da inglesa e suas convinhas.

Queria poder te ver... -Nicola digitou no impulso.

E o que tá te impedindo de vir me ver? 

A mensagem apareceu na tela do celular da ruiva e seu rosto iluminou.

Estou indo pra aí -Nicola respondeu e pediu um uber para casa da Cheryl.

Já estava tarde, Nicola começou a repensar sua impulsividade, mas já estava no meio do caminho e seguiu destino.

Quando chegou na casa da Geordie, a ruiva tocou a campainha e foi recebida pelo padrasto da menina.

"Oi, Nicola, tudo bem? A Cheryl tá no quarto dela." Jean cumprimentou.

"Tá bom, eu vou pra lá então." 

Jean assentiu e Nicola seguiu para o quarto da inglesa.

Quando a ruiva abriu a porta viu Cheryl e Vincent sentados no chão com o tabuleiro de banco imobiliário entre os dois.

"Nickyy!" Cheryl gritou sorridente.

"Falaê." Vincent olhou rapidamente a Nicola e voltou a comprar mais casas.

"Vincent, não sabia que você tava aqui." Nicola se sentou na cama.

"Vim ganhar dessa burra e meter o pé." Vincent respondeu como quem não queria nada.

"Watch it!" Cheryl virou para Nicola e apoiou os braços nas suas pernas e encostou o queixo. "Você vai dormir aqui, né?"

"Nem cheguei a pensar nisso." Nicola respondeu honestamente e passou os dedos pelos fios sedosos da menina.

"Já tá tarde. Amanhã você pode ir pra casa depois da escola. Minha mãe liga pra sua?"

"Tá bom." Nicola sorriu e contornou os traços do rosto da menina com o dedo. 

"Sua vez." Vincent chutou a Geordie de leve.

Cheryl sorriu grande para Nicola e saiu de cima da amiga para jogar os dados.

"F**k!" A Geordie resmungou ao cair numa rede de hotéis de Vincent.

"Isso! 1600!" Vincent falou animado.

"Nem sei se tenho isso." Cheryl começou a juntar seu dinheiro e suas posses. "E como foi o jantar de aniversário do Andrew?" A inglesa perguntou enquanto fazia as contas.

"Em termos de comida foi ótimo, mas o Asa.... eu não sei... ele é muito crianção."

"É? O que ele fez?" Cheryl perguntou atenta ao que estava fazendo.

"Abriu a boca. Esse garoto é um bebêzão." Vincent falou.

"Não é não. Não escuta o Vincent, ele só tá sendo um idiota como sempre." Cheryl defendeu o menino.

"Pior que eu concordo com o Vincent. Ele não é um homem e tá longe de ser. Muitas vezes ele parece mais uma criança mimada."

"Mas o que ele fez?" A Geordie tornou a perguntar.

"Primeiro eu pedi uma massa que tava muito saborosa, queria que o Asa experimentasse também, mas ele se recusou até o fim. Depois ele sugeriu que dividíssemos um milkshake, eu aceitei, só que a Emma tirou foto da gente bebendo junto e ele quis que ela deletase, só que ela não quis deletar. Aí foi uma brigalhada que todo mundo da mesa ficou olhando, eles saíram correndo pelo restaurante e depois a Emma começou a gritar. Foi um mico total. Odiei."

"Pelo menos a Emma tava junto." Vincent falou.

"É, mas ela se safa dos comentários negativos, ele não." Nicola argumentou.

"Eu concordo com o Vincet. Só da Emma tá junto, ameniza muito a situação. E sobre ele não querer provar da sua comida, eu não ligaria pra isso. Não quis, perdeu, e vida que segue. São coisas muito pequenas pra ficar dando relevância. Você vai ver que num relacionamento a gente tem que escolher nossas guerras, senão vai acabar brigando por tudo."

"Já eu achei sacanagem ele não comer do seu pratinho." Vincent brincou.

"Não, a Cheryl tem razão. Não vou fazer tempestade num como d'água." Nicola concordou com a amiga.

"Sim! E ele quis te recompensar com o milkshake, eu achei bom." Cheryl terminou de contar seu montante. "Droga, não tenho!"

"Ganhei! Uhuuul! Fiquei podre de rico!" Vincent comemorou.

"Odeio perder nesse jogo." Cheryl resmungou.

"Tudo bem. Você é rica na vida real." Nicola tentou consolar a Geordie e se abaixou para abraçá-la.

"E pobre no jogo." Vincent completou. "Bem, tô indo. Os perdedores guardam tudo." O menino se levantou. "Até amanhã. meninas."

"Tchau." Nicola respondeu.

"Até amanhã." Cheryl respondeu colocando as peças na caixa.