quarta-feira, 20 de novembro de 2019

And breathe me

Era o aniversário de 15 anos de casados do casal Mark e Ceelia. Para comemorar o marco, os aniversariantes receberam os amigos num salão de um hotel cinco estrelas na Lagoa. Tudo estava perfeitamente organizado e impecável, com os mais lindos ornamentos no tom marsala.

Bradley estava vestindo um terno valentino na cor cinza escuro. Ele estava extremamente elegante, e um verdadeiro colírio para os olhos das solteiras e divorciadas do local. O professor distribuía seu charme para todos que chegavam nele para bater um papo. Ele estava gostando de toda aquela atenção e era bom saber que mesmo depois de de anos ele não perdera seu encanto.

Do outro lado do salão se encontrava Jessica. Ela havia ponderado bastante se iria ou não para aquela festa, pois sabia que seria perguntada sobre o casamento, e esse era o assunto do qual ela mais queria distância.

Ela não estava em seus melhores dias, o quase casamento, destruído pela traição de Júlio, detonou com toda a sua autoestima e esperança de um final feliz.

Na festa, as perguntas sobre o casamento foram quase inevitáveis, e suas respostas foram as mais simples possíveis, omitindo com veemência a traição do ex.

De longe, ela conseguia ver Bradley, ele estava de tirar o fôlego. Sempre que se dava conta, ela estava fitando-o de novo.

Ela via como as mulheres se atiravam para ele, e uma onda de ciúmes e possessividade tomava conta da advogada.

Em um determinado momento da festa, Bradley foi para a sacada, levando consigo, uma taça de espumante.

Aquela era a primeira vez que Bradley se encontrava sozinho a festa toda, e uma necessidade de ir até ele tomou conta da ruiva.

Ela pediu licença aos colegas e andou em direção à sacada. Bradley estava com os braços sobre o parapeito da sacada, observando a paisagem de modo pensativo. Jessica tirou alguns minutos para admirar a vista, mais especificamente, admirar Bradley. Era difícil de acreditar que ele já tinha sido seu, principalmente agora que ele estava mais distante do que nunca.

Um garçom ao passar por ela, esbarrou a bandeja nela, sem querer. O barulho da bandeja e do pedido de desculpas do garçom, fez o professor olhar para trás.

"Jessica, oi!" Ele abriu um sorriso genuíno ao vê-la.

"Oi." A ruiva disse timidamente da entrada.

"Eu nem vi você chegando."

"Eu cheguei faz algum tempo. Eu ia falar com você, mas você parecia muito ocupado com todas aquelas pessoas." Ela saiu da entrada. "Como você tá?" A ruiva perguntou cordialmente.

"Bem. Cheio de trabalho ultimamente, mas nada que eu possa reclamar. E você?"

"Bem também, e feliz pelo Mark e a Ceelia." Jessica deu seu melhor sorriso para reforçar a ideia de que estava feliz.

"Eu também. Em meio de tantos divórcios, é bom ver um casal que realmente deu certo."

"É sim." A ruiva concordou.

"Parece que eu não te vejo há séculos!" Bradley olhou a ex-mulher, como se para notar se havia alguma mudança física nela.

"É que você sumiu. Ta bem difícil falar com você ultimamente." O tom de Jessica não era acusador, mas mostrava um pouco de decepção.

"É como eu disse, eu to meio atolado com trabalho." O professor explicou. Ele colocou a taça de lado e se aproximou da ruiva. "Eu não te cumprimentei ainda." Ele, então, a abraçou.

Assim que os corpos se encontraram as narinas de Jessica foram inundadas pelo cheiro de Bradley. Ele não usava mais o mesmo perfume de quando eles eram casados, mas mesmo com a troca de colônia, a sua essência continuava intacta. Ela estava tão absorta nas sensações de estar novamente nos braços de Bradley que nem percebeu quando o professor os recolheu, ela então, se afastou meio sem graça.

"Você tem planos pro final de ano?" Bradley tentou criar conversa.

"Honestamente, eu não tenho nem planos pra amanhã. Eu to tentando viver um dia de cada vez."
Agora que Bradley reparou que a ex parecia exausta, como se não dormisse há dias.

"Eu te entendo. O que você passou não foi fácil." Bradley envolveu a mão dela nas suas, tentando mostrar empatia. Teve um momento que ele não conseguia ter esse tipo de contato com ela, mas a ausência da aliança do Júlio, tornava tudo mais lícito.
Jessica removeu sua mão rapidamente do aperto do professor.

"A vista daqui é linda." Ela mudou de assunto, e foi até o parapeito da sacada para contemplar mais de perto a paisagem.

"É realmente linda." Bradley chegou por detrás dela, dividindo a mesma visão com a ex-mulher.

"Eu ficaria o dia inteiro aqui olhando pra essa vista. A praia desse ângulo é algo surreal. Parece até que a gente tá mais perto de Deus." Jessica disse maravilhada.

"Lembrando que aqueles que moram na favela também estão perto de Deus, mesmo que a vista seja um pouco mais feia." Bradley brincou.

"Não começa." A ruiva revirou os olhos e riu.

"Não fui eu quem excluiu mais da metade da população brasileira do calor de Deus." Bradley olhou para ela de lado, e ela bateu nele com o cotovelo de brincadeira.

"Eu senti sua falta." Jessica revelou.

"Eu nem sumi por tanto tempo."

"Você tem razão. Eu é que to meio carente."

Bradley notou tristeza na voz da ruiva. Ele ponderou se havia sido insensível na sua resposta, afinal, ela havia admitido sentir sua falta e ele meio que banalizou.

"Eu tenho sentido sua falta por tanto tempo que eu acho que acabei me acostumando." Ele admitiu. "Mas eu também sinto a sua." Bradley virou o rosto para olhar para a ruiva.

Jessica, num movimento súbito e impensado, se aproximou para beijá-lo, porém o professor se afastou.


"Desculpa, eu não devia... desculpa." Jessica não sabia o que falar, apenas que estava morrendo de vergonha e que queria sair daquela festa o mais rápido possível.

"Jess, não foi nada! É que eu esqueci de mencionar que eu to saindo com alguém." Bradley confessou sem jeito, pegando a ruiva de surpresa.

"Ah, sério? Parabéns." Ela tentou dar o seu melhor sorriso falso.

"Não é nada sério ainda, mas eu não acho legal ficar com outras mulheres enquanto a gente ta saindo." O professor explicou, tentando contornar a situação.

"Claro, eu entendo perfeitamente." Aquela situação toda, fazia a simples tarefa de olhar pra Bradley, algo quase impossível. "Eu acho melhor eu voltar lá pra dentro. Boa noite."

Quando ela virou para sair de lá, Bradley a puxou de volta pelo braço.

"Ta tudo bem entre a gente?" Ele segurou sua mão e fechou seus dedos na sua, seus olhos indicando súplica.

"Sim, por que não estaria?" A advogada tentou fazer com que a pergunta dele fosse boba.

Ela tentou puxar a mão, porém o professor segurou-a com mais firmeza.

"Eu realmente tenho que ir." Ela tentou mais uma vez.

"Você se machucou?" Bradley olhou para o braço da ruiva que estava com algumas cicatrizes já bem claras na parte interna.

"Foi." Ela puxou novamente o braço, dessa vez com mais força, conseguindo desvencilhar-se do aperto do ex.

"Eu não acredito em você." Bradley falou sério.

"Que pena, porque é a verdade." Jessica retrucou friamente.

"Você e eu sabemos que não é. Eu não quero mais você morando sozinha." Bradley falou autoritário.

"E eu vou morar aonde? Eu não tenho ninguém! Além do mais, você não manda em mim." Ela falou com raiva.

"Você tem a mim!" Bradley quase gritou essa parte.

"Você? Eu mal te vejo ultimamente." Ela deu uma risada sarcástica.

"Vem morar comigo." Seu pedido saiu numa voz bastante grave.

As feições do rosto de Jessica suavizaram e sua guarda abaixou.

"Obrigada pela preocupação, mas eu to bem, de verdade! Isso foi só um momento estúpido onde eu não tava me sentindo muito bem. Agora eu to bem melhor, eu juro." Dessa vez foi a vez dela de segurar a mão dele, de forma a reforçar que estava dizendo a verdade.

"Melhor até quando? Jessica, eu não posso viver assim."

"Eu sei. Desculpa." A ruiva olhou para baixo se sentindo culpada e envergonhada.

"Ei, a gente vai resolver isso... juntos." Ele levantou o rosto dela com o dedo, balançando o queixo de forma carinhosa.

Ela assentiu.

Ele depois a envolveu num abraço demorado e beijou o topo da sua cabeça.

Até o fim da festa Bradley não saiu mais do lado da ex-mulher, ganhando muitos olhares desconfiados dos convidados. Jessica, por sua vez, estava se sentindo um fardo (Hello, Andrew 👋), porém aceitou a companhia do professor, pois sentiu que não estava em posição para contestar.

sábado, 9 de novembro de 2019

Happy Red-day!

E lá estava ela, sentada num banco de uma praça, não tão longe de casa, observando os pombos se movimentando e incomodando alguns pedestres. Se sentindo cansada e esgotada de tantas lágrimas que derramara naquela manhã.

A manhã de seu aniversário trazia consigo lágrimas e um vazio ainda maior que o normal. Seus pais fizeram uma ligação via skype a milhares de quilômetros de distância para lhe desejar parabéns.

De que valiam aquelas felicitações à distância, se ela não podia sentir o carinho e o calor das pessoas que ela mais amava no mundo?

Fora patético, mas ver os dois dentro de uma tela não grande o suficiente para poder se enxergar os detalhes de seus rostos, fez a menina começar a chorar. Lágrimas de extrema saudade que sentia de seus pais.

"Por que vocês tão demorando tanto pra voltar? Não me interessa comemorar nada sem vocês!" Emma disse num tom acusador que encheu o coração de seus pais de culpa e também um certo tipo de orgulho.

"Calma minha filha, a gente vai voltar pra casa o mais rápido possível. Só precisamos resolver uns assuntos finais. Agora, fecha os olhos e respira." Comandou seu pai, preocupado que sua filha fosse engasgar com as próprias lágrimas.

Emma obedeceu e logo abriu os olhos e tornou a fitá-los.

"Não deixe que a nossa ausência estrague seu dia, está bem, minha aurora?" Seu pai a chamava assim como referência aos seus cabelos naturalmente loiros que lembravam o reluzir do sol e a semelhança física que ela tinha com a princesa da Disney.

"Como se isso fosse fácil." Emma pensou de volta a realidade.



Voltando do mercado, Ed confiria se havia comprado tudo que estava na lista de compras. "Ovos - check, farinha - check, óleo - check, açúcar mascavo - check."

Ao atravessar a rua que dava em frente a pracinha ele avistou Emma, sentada no banco sozinha com um caderno na mão rabiscando alguma coisa concentrada. Ele não tinha intimidade nenhuma com ela, mas tinha recebido uma notificação do xiglute sobre seu aniversário, e indagou o que estaria ela, fazendo naquela praça sozinha. De alguma forma, ele achou sensato ir até ela e desejar feliz aniversário. Não custava nada e ela poderia apreciar o gesto.
O ruivo se aproximou um pouco sem jeito e acanhado.

"Oi, Emma."

Emma levantou seu olhar do caderno para o garoto sardento à sua frente. (Não que ela fosse menos diferente).

"Oi." Ela respondeu com a voz mais rouca que o normal, resultado da intensa crise de choro que tivera naquela manhã.

"É seu aniversário hoje, não é? Parabéns." Ed abriu os braços e ficou esperando ela se aproximar. Emma, finalmente entendeu a dica e colocou o caderno do lado e se levantou para receber seu abraço de aniversário. Ed cheirava a pantene, não era um cheiro ruim, só achava engraçado um homem que tinha esse cheiro.

O término do abraço foi tão awkward quanto o início do mesmo.

"E o que você ta fazendo sozinha?" Ed perguntou curioso, depositando as mãos no bolso da calça.

"Eu resolvi sair pra pegar um ar. Respirar um pouco, você sabe como o meu dindo é, ele pode ser um pouco sufocante." Emma se explicou, colocando as mãos sobre a testa para proteger os olhos da claridade do sol que vinha por trás de Ed.

"Eu imagino já a cena." Ele imaginou o tratamento de Bradley com a menina no aniversário e riu.

"É por aí mesmo que você deve ter imaginado." Emma também riu, porque apesar de sufocante, o gesto era fofo e realmente engraçado.

"E o que você tava desenhando? O lago?" Ele sabia que não era da sua conta, mas small talks não era seu forte.

Emma o olhou confusa, então Ed apontou para o lápis e o caderno que ainda estavam no banco. Ela olhou pra trás seguindo a direção de seu dedo, e entendeu ao que ele estava se referindo.

"Ah. Eu não estava desenhando. Quer dizer, mais ou menos. Eu tava traçando a estrutura química da Cobalamina."

Ed a olhou como se ela tivesse falado mandarim.



"Vitamina B12." Emma explicou.

"E por que você tava desenhando a fórmula da Cola..."

"Cobalamina" Emma o corrigiu, achando um pouco de graça.

"Isso."

"Porque é uma das minhas estruturas preferidas, eu amo as ligações triplas do carbono com o sulfato de nitrogênio e as pontes de oxigênio que ela tem na ramificação final. É a estrutura preferida do meu pai também."  Emma disse a última parte com certo pesar.

"Está tudo bem?" Ed perguntou sentindo que havia algo de errado com a menina.

"Sim, só com um pouco de saudade." Emma coçou levemente o nariz com as costas do dedo.

"Seus pais não estão aqui." Ed disse como finalmente tivesse se dando conta daquilo.

"Hun, hun." Emma balançou a cabeça. "Eles disseram que vão voltar em janeiro, então, nada deles no meu aniversário ou no natal." Emma falou sarcasticamente.

"Mas pelo menos você tem seus padrinhos." Ed tentou contornar a situação.

"É o que todo mundo diz. Eu amo eles, mas não são meus pais. De qualquer forma, eu não sei porque eu ainda coloco tanta expectativa neles, eu claramente não sou tão importante." Emma desabafou, a vida inteira, ela havia trocado pouquíssimas palavras com Ed, mas naquele momento, o ruivo parecia ser a pessoa perfeita para depositar suas frustrações.

"Impossível." Ed negou abrindo um sorriso amigável.

"Como?"

"Emma, você é a pessoa mais amada que eu conheço. É impossível que alguém não te ame, principalmente os seus pais." Ed explicou.



Emma o observou, instigada.

"O que foi?" Ed perguntou confuso e meio intimidado com o olhar da outra ruiva.

"Nada. O que é isso?" Emma perguntou se referindo ao saco de compras que ele estava segurando.

"Ah, isso? São umas coisas que minha mãe mandou comprar. Acontece que hoje não é só o seu aniversário, mas também o da minha tia, e minha mãe vai fazer cupcake de amêndoas com cobertura de butter cream pra festa." Ed explicou.

"Humm parece delicioso... Eu devo ta te atrasando, é melhor você voltar logo com as compras."

Ed olhou para o relógio e confirmou o que Emma falara.

"É, é melhor eu ir mesmo." O ruivo concordou.

"Deseja parabéns à sua tia por mim, quer dizer, é melhor não, ela nem sabe quem eu sou." Emma se corrigiu.

"Eu vou mandar o seu parabéns, e vou dizer que uma amiga desejou." Ed disse sensatamente.

"Ok." Emma concordou.

"É melhor você ir pra casa também. Não vai querer perder horas preciosas do seu aniversário nessa praça."

"Tem razão." Emma pegou o caderno e o lápis do banco e colocou dentro da sua bolsa. "Meu dindo vai me matar quando eu voltar, eu não avisei que ia sair."

"Você quer que eu te acompanhe e diga que foi minha culpa?" Ed não sabe poque ofereceu aquilo, quando ele percebeu já tinha saído da boca dele.

"Não precisa, eu me entendo com ele depois. E você também tem que ir pra casa, pra sua mãe poder começar a fazer os cupcakes."

"Verdade. Então, até segunda." Ed deu outro abraço na aniversariante.

"Até." Ela respondeu ao desvencilhar-se do ruivo.



Segunda-feira, na escola, Ed levou um cupcake que sua mãe tinha feito para Emma.