quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Papo de intervalo

Emma saiu da sala do grêmio faltando quinze minutos para acabar o recreio. Ela sentou num canto afastado e abriu seu livro de química molecular. Pouco tempo depois, a menina sentiu uma figura parando na sua frente. Ela levantou o olhar e fitou a pessoa à sua frente, um pouco surpresa. 

"Eu tava te procurando." Jonathan falou para a menina e sentou do seu lado.

"É?" Emma fechou o livro, colocou do seu lado e voltou sua atenção para o inspetor.

"Eu não te vi no pátio e estranhei. Aí comecei a te procurar."

"​Eu tava numa reunião na sala do grêmio."

"Você é do grêmio? Que legal! A reunião era sobre o quê?"

"Basicamente sobre a peça do final do ano que o Ryan quer que seja perfeita."

"Você vai ter algum papel?"

"Não." Emma torceu o nariz.

Jonathan riu. "Eu queria que você fizesse."

"Por quê?"

"Porque aí você teria que se apresentar pra todo mundo e eu gosto de te ver."

"Gosta?" Emma perguntou surpresa.

"Claro! No intervalo de vocês eu sempre tento achar onde você tá pra poder te observar. Foi assim que notei sua ausência."

"Uau."

"Espero que você não ache isso ruim." Jonathan acrescentou.

"Não, não acho. Só tô um pouco surpresa. Outro dia você falou que nem reparava em mim. O que mudou de lá pra cá? Foi saber que eu sou filha da minha madrinha?"

"Isso realmente me intrigou."

"Então é isso?"

"Não. No começo sim. Agora eu realmente acho que você tem um desses rostos que faz a gente querer ficar olhando."

Emma apertou os olhos para fingir que estava analisando-o. "Você também tem um bom rosto."

Jonathan riu. "Obrigado."

"Posso fazer uma pergunta?" 

"Claro."

"Você ainda gosta da minha dinda?"

O inspetor respirou fundo. "Não, não gosto. Na verdade, acho que odeio a sua mãe."

"Odeia? Não acredito."

"É sério. Sua mãe é uma mulher muito difícil. Ela me magoou muito. Até hoje eu tenho traumas."

"Eu tenho ouvido muito isso ultimamente."

"Tenho certeza que com você é diferente. Ela parece a melhor mãe do mundo. Mas a minha experiência com ela... Eu nunca me senti tão insignificante em toda a minha vida. Nem a minha ex-mulher que me achava um completo fracassado, fez eu me sentir do jeito que a Jessica fez."

"Você chegou a se apaixonar por alguém depois da minha dinda?"

"Cheguei. Duas vezes."

"E o que aconteceu?"

"A primeira acabou não aguentando viver com um acoólatra e a outra eu perdi o interesse."

"E você pensa em se apaixonar de novo?"

"Eu gostaria. É como falam, o homem não nasceu pra ficar só. Mas primeiro eu tenho que focar em ficar sóbrio. Nenhuma mulher tem que ser obrigada a lidar com a minha bebedeira."

"Você tá sóbrio agora?"

"Eu tô sóbrio há 34 dias."

"Parabéns! Tá muito difícil?"

"Um pouco. Ser apenas um inspetor numa escola em que o marido e ex-marido da Jessica são grandes professores conceituados não ajuda muito. Faz eu voltar a ter aquele sentimento de fracasso e querer beber."

"Eu não te acho um fracasso. Pelo contrário. Você tá se saindo muito bem, considerando as circunstâncias."

"Obrigado. E você? Eu falei com a Jessica que não sabia que você era filha dela e ela acabou me contando como foi que aconteceu. Já se acostumou em ser filha da Jessica?"

Emma balançou a cabeça, em negativa. "Têm umas coisas que são difíceis de se acostumar. Ainda mais agora que eles são casados e têm outros filhos."

"Você sente que eles não te dão muita atenção?"

"Até dão, mas não como antes. Antigamente, quando eu passava o dia na casa da minha dinda, ela costumava me deitar no colo dela e ficava horas mexendo no meu cabelo. E sem cansar!"

"Ela parou de fazer isso?"

"Praticamente. Hoje em dia se ela fica dois minutos assim comigo é muito."

"Que pena. E seus outros pais? Pensa em voltar a morar com eles?'

"Se eles voltarem pro Brasil, com certeza! Mas não fazia sentido eu me mudar pro Canadá. Eu ia mudar minha vida inteira e eles nem iam dar atenção pra mim porque trabalham demais."

"Olha, se um dia você se sentir sozinha e sem ninguém pra falar ou te dar atenção, pode me procurar." Ele segurou sua mão.

"Obrigada." Emma olhou pra a mão do inspetor em cima da sua e voltou a fitá-lo. 

"Eu sou muito bom em ouvir as pessoas e gostaria de te ouvir mais." Jonathan recolheu as mãos.

"Eu soube que você também é amigo da Zendaya."

"Sim, ela é bem legal, mas acho que o pai dela não gostou da nossa amizade."

"Você suspeita o porquê?"

"Acho que é por causa da minha idade. Ele acha que uma pessoa da minha idade não pode ter amizade com uma pessoa da idade dela."

"Acho que é mais porque amizade entre homem e mulher corre o risco de evoluir e acabar virando um romance."

"Você acha que ele tá com medo de eu tentar alguma coisa com a Zendaya?"

"É possível que sim."

Jonathan ficou pensativo. "Ele não precisa se preocupar com isso."

"É?"

"Ela não faz meu tipo de mulher."

"Sério? Por quê?"

"Ela é, sem dúvidas, muito bonita. Mas eu não sou lá muito alto e ela é mais alta do que eu. Eu já tenho complexo de inferioridade, se eu sair com uma menina mais nova e mais alta, vou me sentir pior."

"Entendo. Acho que se o Andrew souber disso, ele vai parar de se preocupar com a amizade dos dois."

"Se ele falar alguma coisa comigo, eu digo que ele pode ficar tranquilo."

"Acho que ele não vai falar nada. Só se notasse alguma coisa estranha."

"Ele não vai notar nada estranho porque ela é só minha amiga. E o seu pai? Também tem essa preocupação?"

"Que preocupação?"

"De você saindo com um cara mais velho."

Emma arregalou os olhos, presumindo as intenções do inspetor. "Isso nunca aconteceu comigo, mas imagino que ele não iria gostar."

"Também acho que não. Nem sua mãe. Ela odiaria."

"Odiar é pouco."

"Dá pra ver que eles querem muito o seu bem. Eu sei que você deve sentir falta dos pais que te criaram, mas você tá em boas mãos com os que você tem aqui."

"Sim, eu sei."

"Bom falar com você, Emma. Gostei muito da nossa conversa." Jonathan se levantou. 

"Também."

O sinal do fim do intervalo tocou. 

"Boa aula." Jonathan falou para a menina. 

"Obrigada." Emma pegou o livro e foi para aula repassando toda a conversa na sua cabeça.