sábado, 26 de fevereiro de 2022

A mudança

Emma tinha acabado de discutir com seus pais e se trancado no quarto. Eles iriam se mudar para o Canadá por tempo indeterminado e abandoná-la de novo. Claramente seus pais não a amavam como ela os amava e isso partia o seu coração. Em um ato impulsivo, a menina disse que iria morar com Bradley e Jessica. Palavras que, quase instantaneamente, se arrependeu de ter dito, porém não iria voltar atrás.

A verdade era que por mais que amasse Bradley e Jessica, ela não gostava da vida que levavam. Era confusa, cheia de dramas e instabilidades. Além disso, Emma sentia que tinha perdido sua dinda para Mel, Theo, Levi e até Zendaya. Desde pequena, a ruiva morria de ciúmes da sua dinda com outras crianças, sempre assumindo uma posição possessiva e não deixando ninguém chegar perto. Agora parecia que a perdera para outras pessoas e a conexão que um dia tiveram, não existia mais. Por isso era mais fácil ficar com o Bradley. Apesar das suas inseguranças iniciais, o professor sempre se dividiu bem entre Brian e ela. A vida dele também era mais tranquila e com menos surpresas. Bem, antes da Elizabeth. A diretora do Cavalinho Feliz poderia vir a ser um problema. E alguma coisa a dizia que um dia ela trairia o dindo com James. 

O celular de Emma tocou e era Guilherme. 

"Oi."

"Oi. Fiquei sabendo o que aconteceu." Guilherme falou da outra linha.

"Já?" Emma perguntou surpresa.

"Seus pais falaram com os meus e acabei escutando." O menino explicou. 

"Ah."

"Como você tá?"

"Me perguntando o porquê de não ter nascido numa família normal."

"Imagino."

"Eu odeio meus pais. Eles me fazem passar por tanta coisa, ao invés de só cuidarem de mim. É óbvio que é porque eu sou adotada."

"Não é verdade. Seus pais te amam."

"Não, eles não me amam e eu nem ligo mais. Só tô p**a porque vou ter que ficar com a minha dinda."

"Então você não tá pensando em ir com eles."

"Que parte do eu odeio os meus pais você não ouviu? Quero que eles vão pra pqp e não voltem nunca mais."

"Eu tô indo pra aí." O menino informou.

"Não precisa. Você tá doente."

"Já tô melhor. E também não aguento mais ficar só em casa."

"Tá bom."

"Até daqui a pouco."

Guilherme desligou e se vestiu para ir para a casa da ruiva.

Quando chegou, o pai de Emma disse que a menina estava em seu quarto e autorizou que subisse.

Guilherme bateu na porta do quarto e esperou Emma abrir.

Os dois nem chegaram a se cumprimentar verbalmente. Emma logo colocou os braços em volta da nuca do garoto e o puxou para um abraço.

Guilherme envolveu a cintura da ex e fechou os olhos. Inevitavelmente, lembranças do tempo que estiveram juntos retomaram a mente do garoto. Era estranho que na época ele amava tanto a Emma que a ideia se um dia não tê-la era insuportável.

Depois de alguns segundos Emma se afastou para olhar o rosto de Guilherme.

"Desculpa não ter te visitado." Emma falou sem graça. 

"Não precisava. Ninguém faz visitas por labirintite."

"Mesmo assim... Você realmente tá se sentindo melhor?" Emma o fitou preocupada e passou o polegar pela sobrancelha grossa do menino. Hábito que havia criado na época do namoro e que se manifestou naquele instante como um reflexo. 

O coração de Guilherme bateu mais rápido com o gesto carinhoso da menina.

"Sim. E o foco aqui é você. Não tem como você convencer os seus pais a ficarem?" 

"Sei lá. Acho que não. E também nem quero."

"Então você vai morar com a tia Jessica?" 

"É ela ou meu dindo... Não quer me aceitar na sua casa não?" 

"Até que a gente tem um quarto vago..." Guilherme brincou e Emma deu uma gargalhada rouca. 

"Tenho certeza que seus pais iriam adorar a ideia."

"Não duvide. Eles te adoram."

"Eu também adoro eles."

"É verdade que você já vai pra casa da tia Jessica agora?" 

"É. Gui, eu tô muito magoada. Meus pais nem ligam mais em me perderem."

"Ligam sim."

"Não o suficiente."

"Vamos mudar de assunto. Você sabia que a Vânia..."

Guilherme e Emma passaram o resto da tarde conversando até os pais do menino ligarem e pedirem que voltasse para casa. Guilherme os obedeceu contra sua vontade. Emma estava tão vulnerável e tão serena que volta e meia se pegava admirando aqueles lindos olhos cor de oceano, seu sorriso fofo e as sardas que pipocavam seu rosto pálido. 

No dia seguinte, Emma apareceu com duas malas na porta da madrinha às 8h da manhã. 

Jessica olhou a menina confusa, sem saber se estava sonhando ou aquilo era real. 

"Meu amor, o que é isso?" Jessica puxou Emma para si antes de ouvir a resposta. 

"Meus pais vão se mudar." Emma respondeu ao abraço da dinda. 

"E você?" Jessica sentiu seu coração parar por um segundo, temendo a resposta da menina. 

"Eu não."

Uma onda de alívio tomou conta da advogada. 

"Vocês brigaram?" Jessica perguntou, juntando as peças do que tinha acontecido. 

Emma assentiu, em meio a lágrimas que deixavam seus olhos. "Posso morar com você?" 

"Claro que pode." Jessica segurou o rosto da menina com as duas mãos. "Como você me faz uma pergunta dessas? Essa casa é sua tanto quanto minha. Tudo o que é meu é seu." Ela secou algumas lágrimas da menina com o polegar e distribuiu beijos pelo seu rosto. "Você é mais que bem-vinda!" Depois de enchê-la de beijos, puxou a menina para outro abraço. "Eu te amo tanto, meu amor."

"Também." Emma respondeu sem graça. 

"Vou trazer suas malas pra dentro." Jessica pegou as malas da afilhada e deixou no quarto dela. Quando voltou para a sala, Emma estava sentada olhando para as mãos no colo. 

"Me conta como foi que aconteceu." Jessica pegou a mão da menina e fez ela levantar para sentar no seu colo. 

Era gritante a diferença de demonstração de afeto da mãe para a dinda. Mais uma confirmação de que sua mãe não a amava como filha legítima. Emma contou tudo o que havia acontecido nos mínimos detalhes. Jessica escutou tudo com muita atenção e acariciando sua mão o tempo todo. Era quase como os velhos tempos quando Jessica era só sua. Até Theo ou Levi começar a chorar. 

"Vou ver o que eles querem rapidinho e já volto." 

"Não. Não quero que você vá." Emma deitou a cabeça no ombro da dinda, marcando o território, assim como na infância. 

"A gente vai juntas." Emma fez que não com a cabeça. "Não? Tá bom. Vou pedir pra Vera." Jessica virou o rosto para não gritar no ouvido da filha. "VERA. VÊ PRA MIM OS BEBÊS." 

"TÔ INDO."

"TEM MAMADEIRA PRONTA NA GELADEIRA. SÓ AQUECER."

"TÁ BOM."

"Não quer ver seus irmãos?" Jessica voltou a sua atenção à afilhada. 

"Agora não."

"Tudo bem. Eu sei que vou soar egoísta, mas tô muito feliz de ter você comigo. Minha princesinha." Ela beijou sua cabeça. 

"Eu não entendo porque eles não me devolveram pra você e pro meu dindo já que não faziam questão de me terem."

"Eles não só faziam questão, como ainda fazem. Mas a ligação de pais biológicos é diferente. É muito mais profunda. Eu olho pra você e vejo uma parte minha. E quando a gente não tá juntas, eu não me sinto completa. Tem sempre uma parte minha faltando quando você não tá."

"E pais adotivos não conseguem amar assim?" 

"Não sei. Acho que conseguem amar bastante, mas não exatamente assim."

"E agora que você tem outros filhos?" 

"Nada mudou. Amor de mãe não se divide, se multiplica. Eu sei que é clichê, mas é a verdade. Cada um de vocês são uma parte de mim que não consigo viver sem."

"Entendi."

"Você dormiu essa noite? Tá parecendo cansada."

"Não muito." Emma admitiu.

"Então deita lá na minha cama um pouquinho pra descansar."

"Não quero."

"Vai lá. Eu vou fazer um cházinho pra você e já te acompanho."

"Tá bom." Emma levantou e foi para o quarto da dinda.