segunda-feira, 26 de abril de 2021

Chopada de três

Vincent, Tyler e Nico marcaram de encher a cara na noite de quarta-feira, ignorando o fato que no dia seguinte teriam que acordar cedo para aula. 

Obviamente, quando garotos se juntam para beber, além de futebol, o assunto sempre vira mulher. As notícias relacionadas a Lana estavam voltando a ter uma certa frequência no blog e os meninos queriam saber se Vincent sentia falta da menina. 

V: Ah maluco, sinto e não sinto. Eu sinto falta da Lana, mas me sinto livre dos dramas ao mesmo tempo. Não são bobeirinhas o que ela passa. São coisas bem sérias e intensas. Eu tinha medo dela surtar pra valer a qualquer momento. 

N: Também acho que não vale a pena pegar alguém bixado. 

V: Bixado é teu rabo, seu otário. 

N: Tu que falou que ela é cheia dos problemas. 

V: Enfim, eu queria a Lana de volta, mas prefiro ficar longe dos problemas. Acho que fiquei meio vagabundo. Agora só quero praia, sombra e água fresca.

T: Aí sim!

(Tyler virou o copo de chope.) 

N: A Lana é a maior gata. Tava pensando em chamar ela pra sair. Agora que eu sei que o Vicent não quer mais, o caminho tá livre... 

V: Nem pense nisso, seu m***a. 

T: Em defesa do Nico, acho mó sacanagem ficar segurando mulher que não vai mais pegar. Tem que saber soltar pro mundo.

N: Finalmente o Tyler falando uma p*** que preste! 

V: Ela pode pegar quem quiser, menos vocês otários.

N: Ele ainda tá a fim dela.

(Nico bateu no ombro de Tyler.)

T: Tô vendo. Por que você não fala com ela cara? Antes daquele tal de Lex chegar na frente."

V: Porque apesar de gostar dela, tem a Cheryl.

T: Cheryl tem namorando, cara.

V: E você acha que eu não sei? Só que ela vive me provocando. 

T: Como assim? Ela dá em cima de você? 

V: Ela fica me instigando. Naquele dia no uber, que a gente se espremeu pra caber todo mundo, cara, ela colocou a mão muito perto da minha pica. Fiquei como? Animadão. Segurei a mão dela pra colocar em cima de uma vez, e ela ficou toda ofendida. Mandei ela pra p*** que p****.

T: Como assim cara? 

V: Fiquei p***. Ela fez de propósito... comigo não. Se vai começar alguma coisa é melhor que termine. 

N: E não tem chance de ter sido um acidente?

V: Claro que não. Eu conheço a peça. Por que você acha que a Kimberley se apaixonou pela Cheryl? Porque ela provocava. Ela estimulava a Kimberley fingindo que não tava fazendo nada demais. 

T: Então você e a Cheryl tão brigados? 

V: Não. Sou um babaca. Sempre acabo me desculpando. 

N: Tu tá muito na dela. 

V: Pior coisa, viu. 

T: Acho melhor você desistir. Ela e o Tom parecem firmes e fortes. 

V: Eles não vão durar muito tempo.

T: Tão em crise? 

N: A piroca do professor é grande demais pro buraco pequeno da Cheryl. Concordo que isso é uma grande crise. Mas ela já aguentou por tanto tempo... 

V: Tenho certeza que o Tom já traiu a Cheryl. Não é do perfil dele ficar com a mesma mulher por muito tempo. E por mais que a Cheryl seja um baita de um mulherão, ele tá acostumado com mulheres maiores, mais desenvolvidas, mais turbo jato.

N: Aí tu tem um ponto. Também acho que ele trai a Cheryl.

T: Não acho que dá pra saber.

V: Pior que dá sim. Mas já segui o filho da p*** por dias e não consegui nada. Não acho que é uma parada que ele faça sempre, por isso que é difícil pegar ele no flagra.

T: Acho que você que quer que o professor de francês esteja traindo a Cheryl pra você finalmente tirar a sorte grande. 

V: Termina de virar essa cerveja e para de falar m***.

T: A Cheryl é linda e vocês são próximos. Não é nada demais você ter se apaixonado por ela. Me surpreenderia se não tivesse.

N: Eu sou apaixonado por ela.

V: Que bom Nico, mas eu não. A Cheryl pode até ser linda, mas também é chata, mimada e egocêntrica. Entre ela e a Lana, prefiro a Lana.

N: Então por que você disse que a Cheryl te atrapalha com a Lana? Você tá parecendo uma garota, cara. Não faz sentido nenhum.

V: Porque a Lana sente ciúmes da Cheryl. E eu e ela somos próximos, daria na mesma m***a que deu da outra vez. Agora chega de falar de mim. Quais mulheres tão na mira de vocês? 

N: Eu queria a Margot.

V: Por incrível que pareça, acho que ela não é difícil.

N: Eu sei, mas não queria pegar ela uma vez só. Queria ser o contato certo. Aí já acho mais difícil. Também quis muito a Megan depois da notícia da bolada na cara. Sabe também quem eu queria muito pegar pelo menos uma vez? A Antonella. Ela parece tão fértil... 

T: Porque você quer uma mulher fértil? Tá pensando em virar papai?

N: Claro que não, seu tapado. Mas tava lendo um comic que o gigante de lá ganhou a força dele se alimentando de leite materno. Eu queria beber o leite dela. 

T: O Nico só viaja cara.

V: Acho que a Antonella não deixaria você roubar o leite das crianças dela. 

N: Eu sei. Isso é mais uma fantasia interna. 

V: A Jessica também deve ter leite. 

T: Vincent ainda fica alimentando as bobagens do Nico.

N: Também aceitaria de bom grado. Mas o da Antonella parece ser mais forte.

V: Agora na moral aqui, acho a Antonella uma gata, o que estraga é que ela é mãe do Asa. 

T: E daí? 

V: Não gosto do moleque.

T: De graça? 

V: Nem tudo tem que ter um motivo. 

T: Se tu diz... 

N: É melhor a gente voltar a falar do coração partido do Tyler pela Shailene. 

T: Seus viados. 

Vincent e Nico riram. 

sábado, 24 de abril de 2021

Dilemas e visitas

Estava difícil achar um lugar para estacionar. Bradley teve que parar o carro a duas quadras de distância do hospital.

"Foi o melhor que deu." Bradley puxou o freio de mão e desligou o carro. "Você tá preparada?"

"Pra ver minha dinda finalmente acordada? Claro!"

"Certo. Só pra ter certeza. O médico disse que ela tá um pouco confusa, então não estranhe se ela fizer ou falar alguma coisa incomum."

"Não vou."

"Tudo bem. Vamos lá."

Os dois se identificaram na recepção e foram até o quarto onde a ruiva estava internada. 

"Você quer entrar primeiro e ter um momento a sós com ela?" Bradley perguntou em frente à porta. 

"Acho melhor entrar nós dois juntos."

"Tem certeza? Acho melhor eu ficar esperando do lado de fora."

"Você não quer ver a minha dinda?" Emma perguntou estranhando a hesitação do padrinho. 

"Claro que não... É que sua madrinha pediu pra seu avô te trazer, não eu. Nenhum momento ela mencionou meu nome."

"E você acha que ela não quer te ver?" 

"Eu acho que você deve entrar sozinha. Qualquer coisa eu entro depois." Bradley explicou. 

"Tem certeza?" Emma perguntou um pouco decepcionada. 

"Tenho. Vai lá." Ele beijou a cabeça da afilhada. "Se precisar de mim, vou tá aqui no corredor."

"Tá bom." Emma concordou, derrotada. 

A menina bateu na porta e abriu. Jessica estava com o rosto vermelho, como se tivesse chorado há poucos minutos atrás. 

"Em!"

"Dinda!" Emma foi como um foguete em direção à madrinha e foi recebida com um grande abraço. 

"Meu amor." Jessica deu vários beijos na cabeça da afilhada. "Que saudade!" 

"Também."

"Deixa eu te ver." Jessica segurou o rosto da afilhada e analisou atentamente. "Nossa, como você cresceu! Vocês adolescentes mudam a cada semana. Haja fermento!" 

"Eu tô a mesma coisa." Emma enxugou as lágrimas que queriam deixar seus olhos. 

"Tá nada." Jessica apertou o rosto da afilhada. "Minha lindinha." Ela deu um beijo em cada bochecha. 

"E você, como tá se sentindo?" 

"Bem. Nem parece que fiquei dois meses em coma. Só tô sentindo um pouco de dor onde eles fizeram o corte da cesária."

"Mas você tá tomando remédio pra parar a dor?" Emma perguntou preocupada. 

"Sim, meu amor. Tá ajudando bastante, só que às vezes eu ainda sinto." Jessica levou a mão da menina ao rosto e alisou sua pele na dela. 

"E você já conheceu a Mel?" 

"Conheci. O Andrew trouxe hoje cedo."

"E o que achou?" 

"Ela é bem bonita."

"É sim. Todo mundo fala. O Andrew tá bem babão."

"Percebi."

Emma estranhou as respostas frias da ruiva. Por que será que sua madrinha não parecia animada com a sua tão sonhada filha? 

"Por que você tava chorando?" 

"Porque eu fiquei emocionada em te ver. Tava com saudades!" Jessica beijou a mão da afilhada. "Muita!" 

"Não agora, antes. Quando eu cheguei deu pra perceber que você tava chorando."

"Não era nada. Só sua dinda sendo boba."

"Me fala." Emma fez uma carinha de confusa que apertou o coração da ruiva. 

"Nem eu sei direito. Eu só tô me sentindo meio estranha."

"Estranha como?" 

"Não sei explicar. É como se muitas coisas tivessem acontecido nesse tempo que eu fiquei desacordada e agora eu tenho que correr pra não ficar pra trás."

"Quase nada aconteceu. A maior mudança foi a Mel, mas você já sabia dela, então..."

"Verdade. Foi como eu disse, só tô sendo boba."

"Eu não te acho boba."

"Às vezes eu acabo sendo, como agora. Mas vamos mudar de assunto. Como você tá?" 

"Eu tô bem. Estudando bastante pra não repetir matemática de novo. Meu dindo tá me ajudando também. Ele tem sido minha salvação."

"E como ele tá?" 

"Ele tava muito preocupado com você. Mal comia ou dormia. Mas depois que a gente soube que você tava fora de perigo, ele melhorou muito. Virou outro homem."

"Imagino..." Jessica respondeu pensativa. "E ele não quis vir com você? Quem que te trouxe pra cá?" 

"Meu dindo! Ele tá no corredor." 

"E por que ele não entrou?" 

"Ele quis dar um tempo pra gente primeiro. Eu posso chamar ele agora se quiser." 

"Pode chamar" 

Emma levantou da cama que estava sentada e foi até o corredor chamar o padrinho. 

"Dindo, minha dinda já sabe que você tá aqui. Ela pediu pra você entrar."

"Sério?" 

"Óbvio." Emma segurou a mão do padrinho e o levou para dentro do quarto. 

"Oi, Jessica." Bradley falou sem jeito da porta. Ver a ex-mulher finalmente acordada o emocionava mais do que gostaria de admitir. 

"Oi, entranho. Você vai ficar aí na porta ou vai me dar um abraço?" 

O professor foi pego de surpreso pelas palavras da ruiva.

"Ah sim, claro." Bradley andou até Jessica e abaixou para abraçá-la. 

Ela não cheirava mais como ela, mas sua cabeça continuava se encaixando perfeitamente no vão do pescoço da advogada. 

"Eu tô feliz que você veio." Jessica falou em meio ao abraço. 

"E eu feliz em ter vindo."

Emma se sentou na ponta da cama e observou seus padrinhos juntos. Era como se finalmente o mundo estivesse em ordem. 

Bradley não percebeu, mas seus olhos estavam cheios de lágrimas. 

"Você tá chorando?" Jessica perguntou quando o abraço chegou ao fim. 

"Eu sou meio mole."

Jessica tocou o rosto do ex-marido e Bradley teve que se esforçar para não inclinar sua cabeça ao seu toque. 

"Discordo."

"É que é muito bom te ver acordada. Eu não sei o que eu faria se algo acontecesse com você." Bradley admitiu chorando ainda mais. 

"Você tem dois padrinhos muito dramáticos." Jessica disse olhando para Emma e depois voltou a olhar Bradley. "Já passou. Eu tô aqui. Deus me deu mais esse livramento." Ela abriu um sorriso terno. 

"Tem razão." Bradley secou as lágrimas. 

"Agora me contem as novidades!" 

Bradley e Emma tentaram contar tudo de importante que havia acontecido enquanto a ruiva estava em coma. 

Jessica perguntou sobre os desenhos na parede e o professor explicou que Brian passara a tarde inteira fazendo para seu aniversário. 

Emma acabou contando sobre o garoto da escola que ela ficou sem mal conhecer e ganhou vários sermões tanto do padrinho quanto da madrinha (mais de Bradley porque ele conhecia o garoto e achava sua aparência e personalidade pouco agradáveis para sua preciosa filha/afilhada). 

Nenhum dos dois mencionou o breve namoro de Asa e Emma.

Jessica, no final, acabou perguntando sobre a bebê e se ela era realmente sua. Os dois ficaram surpresos ao descobrir que a ruiva possuía dúvidas quanto à filiação de Mel e confirmaram que a recém-nascida era sim sua filha. 

O coração da ruiva pesou. Ela queria tanto ser mãe de novo e não conseguia entender o porquê de não conseguir se alegrar com a bebê que seu marido levara para visitá-la mais cedo. E se nunca viesse a amá-la? Andrew a perdoaria se não conseguisse amar a própria filha? Ela se perdoaria? 

Naquele dia, a única coisa que impediu de que se cortasse, foi a falta de um objeto cortante no hospital. 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Só isso? Só!

           “Brasileiras beijam melhor do que as inglesas”, Sebastian fez uma nota mental, enquanto beijava Bella, uma garota que estudava na mesma sala que ele. Bem, talvez ele estivesse exagerando, afinal de contas, essa era a primeira brasileira que ele beijava. Podia ser que fosse algo específico dessa. Mas a verdade é que tudo estava perfeito: o encaixe das bocas, a quantidade de língua, o movimento.

O sinal tocou. Bella encerrou o beijo e depois olhou para o inglês um pouco envergonhada. Não era a primeira vez que eles se beijavam, mas a situação era estranha. Eles nem se conheciam direito.

– Melhor irmos logo.

– Vocês não matam aula aqui não?

– Eu não mato.

– Por quê? – Ele segurou a mão de bela, impedindo-a de ir em frente.

– Porque – Ela riu dele a impedindo de sair – eu já to aqui. E meu amigo me viu.

– E daí?

– E daí que se a gente só chegasse na segunda aula, todo mundo iria saber que estávamos juntos.

– Isso é tão ruim assim? – Ele perguntou sinceramente.

– É. – Ela olhou para o chão, mordendo os lábios. Sebastian queria mordê-los também. – Isso te incomoda?

Na verdade, para Sebastian também era melhor que ninguém soubesse que eles estavam juntos (Não juntos, juntos, mas juntos. Você entendeu!). Ainda que a vez fosse do seu primo, uma hora chegaria a dele, e por mais que fosse tentador boicotar tudo, porque a última coisa que queria era casar com a Luciana, ele achou melhor manter aquelas ficadas em segredo.

– Não. Eu entendo. Eu só gosto de te beijar.

– Eu também. – Ela disse sem olhar para ele, com um sorriso bobo no rosto. Sebastian a achava adorável. – Mas agora a gente tem aula.

– Ok! Então só mais um beijo. – O inglês puxou Bella pela cintura e a beijou mais uma vez. Os dois, por algum motivo que o futuro marido de Luciana não conseguia entender, já pareciam namorados. Mais uma vez coube a morena encerrar o beijo, não porque quisesse, mas porque tinha realmente que ir.

– Chega! Eu te vejo na aula. – Ela deu um selinho nele e foi embora na frente.

Sebastian a observou indo embora até desaparecer de sua vista. Talvez não seria ruim namorar ela. Será?

Cheryl tem já 12 anos, mas os outros 10 (somente 10?) - Essa é a história dos dois amigos e Eric

Eric estava preocupado. Depois de sua primeira experiência sexual, achou que finalmente havia obtido a resposta que tanto esperava e, para a sua surpresa, era melhor do que imaginava: ele não era gay. Entretanto, com o passar do tempo ele foi perdendo as esperanças, especialmente depois dos últimos acontecidos.

– Asa! Asa, tenho que te contar uma coisa.

O filho de Andrew, que estava prestando atenção na aula, virou toda a sua atenção para o amigo e perguntou:

– O que houve?

– To achando que eu não sou hétero.

Asa sabia que Eric não era hétero, mas preferiu não falar nada antes, pois achava que era uma jornada que o amigo deveria descobrir sozinho.

– Por que você não acha mais isso?

– Então... O sexo com a Naya foi gostoso, sabe? Mas agora que eu não tenho mais ela nem nenhuma outra garota, eu acabei desanimando e... Bem... Eu tento assistir pornô hétero, mas não me anima. Só o gay.

Asa mordeu os lábios, tentando pensar em algo que fizesse o amigo se sentir melhor.

– Talvez você seja bi. – Finalmente disse.

– É, sei lá... Se eu fosse bi, também me animaria com pornô hétero.

– Já tentou ver entre lésbicas?

– Já. Achei horrível.

– Nadinha?

– Nada.

– Hmmmm... Então não sei. Acho que você só vai descobrir quando tiver a sua primeira experiência com um garoto.

– Não tem nenhum gay nessa escola, pelo menos, que eu saiba.

– Talvez não aqui, mas lá fora tem um monte.

– Mas o pior é que eu não conheço ninguém.

– Um dia você vai conhecer.

– Isso é horrível. Queria saber se eu sou ou se eu não sou logo.

– Olha... Se você não se excita com mulheres, é bem provável que...

– Eu sei. Mas é que eu gostei tanto da minha primeira vez com a Naya.

– Talvez tenha sido porque foi a primeira vez que você sentiu aquelas coisas.

– Queria tanto ser hétero, de verdade.

– Você não deveria se sentir assim. Você tem que se aceitar do jeito que é. Você é uma ótima pessoa, isso é o mais importante.

– É que eu não acho isso legal, sabe? Eu fico com medo de ir pro inferno. E sofrer também. Tem muito homofóbico no mundo.

– Essa coisa de inferno é muito relativa. Além do mais, eu não acredito que orientação sexual seja pecado.

– Mas ta na bíblia, cara.

– A bíblia ta desatualizada.

– Em algum lugar, tem uma Jessica chorando nesse momento. – Asa riu. – Você já visitou ela?

– Eu ia visitar, mas tive febre.

– Jura? E o que era?

– Sei lá. Foi meio que do nada.

– É o seu corpo que não quer ver ela.

– Acho que não. Na verdade, eu quero ver ela. Eu só tenho medo quando ela descobrir sobre a Emma, porque eu sei que ela vai.

– Mas o combinado não é ninguém falar nada?

– Mas sempre acabam descobrindo. Ainda mais que todo mundo sabe. Um bom segredo só fica bem guardado se tiver duas pessoas de confiança envolvidas.

– E o novo “amigo” da Emma? Ela levou ele pra lá de novo?

– Sei lá. Eu nunca mais fui pra lá.

– Podia perguntar pra Cassie.

– Eu não. Vou parecer ciumento.

– Mas você não ta com ciúmes?

– To tranquilo.

– Sei...

– Emma nunca mais.

– Porque ela não quer.

–  Sim, mas eu também não quero.

– É mesmo? – Eric perguntou cético.

– Não existe só ela de garota.

– Existe a Lana também.

– Para, cara!

– Ta gostando dela?

– To de boa. Não to gostando de ninguém, o que é ótimo pra mim, porque eu ainda não me sinto preparado pra nada, só pra passar vergonha.

– Fiquei com pena dela com o negócio do pai. Você leu?

– Li. Também fiquei preocupado.

– Eu não disse que fiquei preocupado, disse que fiquei com pena. Cara, tu ta gostando dela, admita.

– Juro que não to, de verdade. Só acho ela bacana.

– É só uma garota te tratar bem que você começa a gostar.

– Já disse que não gosto dela, cara. Eu... Bem, deixa pra lá.

– Eu queria estar passando pelos seus dilemas.

– Eu não tenho dilema nenhum no momento.

– Você vai ter quando a Jessica descobrir tudo sobre a Emma e você. – Asa sorriu com a frase do amigo.

– Não vou, porque eu vou aceitar se ela ficar com raiva. Vou ficar na minha até passar. A gente que é muito desesperado e acha que as coisas vão durar pra sempre. Digamos que ela pegue ranço de mim, o que eu acho que ela já teve algumas vezes, porque eu sou meio abusado... Bem, ela depois vai superar, porque o tempo vai passando e as coisas vão deixando de ter aquela proporção e virando insignificantes ou, pelo menos, com menos significado do que antes.

– Queria que você tivesse um conselho sábio desses pra mim.

– Bem, eu tenho: se você não morrer cedo, uma hora ou outra você vai saber o que é e esse tempo de espera é bem menor do que o tempo que você vai poder aproveitar a sua descoberta.

– Mas eu não quero ser gay.

– Vamos por parte, ok? Você ainda não tem 100% de certeza que é gay. Você precisa descobrir isso primeiro. Talvez você seja um bi que não gosta de pornô lésbico ou um bi que se interessa mais por homem do que por mulher, mas que também gosta de mulher.

– É, espero que sim.

– Se não for, aí a gente pensa depois num jeito de você se aceitar.

– Queria descobrir logo.

– Se eu pudesse, eu te ajudaria.

– Eu sei, eu sei. Valeu mesmo, amigo.

– Eu vou tentar buscar um bom pornô lésbico pra você também. O diferencial pra funcionar ta na história. Tem que ser bem feita.

– Só não quero atriz ruiva, por favor. – Asa ficou vermelho.

– Eu não faço mais isso.

– Nem japonesa.

– Chinesa. – Asa corrigiu.

– Tudo olho puxado.

– Tem hentai também.

– Eu deixei de ser virgem, Asa. Não se esqueça disso.

– Não parece... – Ele riu.

– Nem você! Parece um garoto tarado.

– Só eu?

– Só você. Não se esqueça que eu peguei a gostosa da Naya.

– E você não se esqueça que a Cheryl me pediu pra frequentar as festas que dão.

– Para de elogiar ela pra você ver. Vai te tratar igual uma criança retardada que inventa o plano mais idiota poss...

– Não me lembra disso, por favor. – Eric riu.

– Você tem muita titica na cabeça.

– Tudo tem o seu tempo. Tudo tem o seu tempo.

The play

Melissa estava um pouco perdida sem Ryan no ensaio da peça do colégio. Sem ele, as coisas ficavam mais sem graça também. Apesar de estar levando bem mais a sério a responsabilidade do que antes, ainda assim o gentleman tinha cada ideia que era impossível não rir. A parte do Jesse era tão tosca. Além disso, ele aceitava as ideias bobas de Melissa, mesmo que não fossem entrar no corte final. A garota teve a ideia de fazer Bento Santiago (Edward) pensar na Capitu (Cheryl) o traindo com Escobar (Sebastian), recriando a cena do giro de Romeu e a mãe. É claro que eles não iriam colocar isso na peça, afinal, muitos pais iriam sacar a referência incestuosa, mas era engraçado fingir a possibilidade mesmo assim. Melissa suspirou, pensando no quão chato o ensaio daquele dia seria. A maioria das pessoas levavam muito a sério o papel e não tinha Ryan para trazer a leveza. Se bem... Se bem que isso não a impedia de poder se divertir um pouco. A vida de Melissa era muito parada. Ela não tinha namorado, irmãos, doenças mentais, nunca se envolveu em polêmicas, não era popular, mas também não era excluída, seus pais se davam bem, assim como toda a sua família e ela era amada por todos os familiares. Por essa razão, a garota se entretinha pela vida dos outros. Leitora assídua do blog, observava tudo e a todos, se divertindo com as aventuras dos que se aventuravam, ficando angustiada com aqueles que sofriam, shippando os que se amavam ou casais bonitos.

E hoje era dia de shippar casais bonitos ou, pelo menos, composto por duas pessoas visualmente bonitas. Hoje era dia de treinar a cena de beijo, decidiu.

“Edward e Cheryl, cheguem aqui. Hoje, o Ry não pôde estar aqui, então eu serei a responsável por ensaiar com vocês. Acho que seria legal a gente ver como vai ser a cena de beijo, já que ela é importante para o andamento da história. É quando o Bentinho realmente se apaixona por Capitu. Tudo bem pra vocês?”

“Ok”, ambos concordaram.

“Um beijo entre ingleses. Legal!”, pensou Melissa. “Bem, galera... quem quiser, pode dar uma volta por uns minutos, porque eu vou ficar só com os dois no momento. Depois ensaiamos outra cena.”

“Vamos ensaiar hoje a minha maldição?”, perguntou Jesse.

“A gente já ensaiou isso, Jesse. Já dissemos até que você não precisa vir a todos os ensaios.”

“É que eu gosto de ver como ta ficando.”

“Sem problemas, Jesse. Pode vir. Só não vamos ensaiar a sua parte no momento.”

“Tudo bem, tudo bem. Posso ficar aqui pra ver o beijo?”

“Galera, acho melhor todo mundo dar uma volta e depois eu chamo todo mundo de volta pra vocês verem o resultado e dizerem o que acharam, pode ser?”

“Ok”, respondeu o pequeno coro de atores.

“Obrigada!”

Quando Melissa se virou para olhar Edward e Cheryl, viu que eles estavam cochichando. O que estariam falando? Ela queria ser uma mosquinha.

“Então, gente, eu to com algumas dúvidas em relação ao beijo, até porque eu não sei como vocês tem que ficar posicionados. A princípio, me parece que é um beijo a la Peter Parker e Mary Jane, com as cabeças viradas de lados opostos, mas acho que talvez não seja bem assim. Acho que a gente pode tentar dessa maneira e se ficar esquisito, podemos fazer de outras. Vamos testando.”

Edward e Cheryl se entreolharam com certo tipo de humor no olhar. “Eles sabem que eu to de zoeira!”, pensou Melissa, querendo rir, mas permanecendo séria.

“Acho que o beijo é desse jeito mesmo que você falou. A Capitu sentada na cadeira, ela levanta a cabeça, e o Bentinho que está em pé, beija ela.”, falou Edward.

“É. Acho que sim. Mas talvez um beijo assim fique feio. Vamos ver.", falou a menina resoluta. "A gente começa, então, da parte do Bentinho fitando os olhos da Capitu para ver se ela tem olhos de oblíqua dissimulada. Dá a sua fala, Edward.”

Os dois atores se posicionaram e começaram a ensaiar:

“Juro! Deixe ver os olhos, Capitu.”

“Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário. A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. Ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com as mãos, e disse-lhe – para dizer alguma cousa – que era capaz de os pentear, se quisesse.”, leu Melissa a parte do narrador Dom Casmurro, enquanto Cheryl e Edward atuavam conforme a longa narração. Em alguns momentos, a menina se deteve nos dois "atores" que, às vezes, pareciam estar rindo baixinho. Provavelmente, era algum exagero na atuação que acabava soando engraçado.

“Você?”, continuou Cheryl como Capitu.

“Eu mesmo.”

“Nossa”, pensou Melissa, “essa Capitu ta tão Cheryl. Faltou a arqueada da sobrancelha.”

“Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.”

“Se embaraçar, você desembaraça depois.”

“Vamos ver.”

Cheryl se sentou e Edward começou a tocar no cabelo de Cheryl. Melissa olhava vidrada a cena, se imaginando no lugar da garota, só que o Bentinho era outro. O inglês começou a pentear o belíssimo cabelo da georgie. Talvez a cena fosse longa demais, mas Melissa realmente gostava de ver aquilo. A verdade é que a Cheryl era tão bonita que ficava bonito ver ela contracenar com qualquer menino: Sebastian, Edward, quem fosse. E ela era uma Capitu perfeita. Toda a áurea da Capitu estava nela. Talvez os olhos não fossem de oblíqua e dissimulada, mas certamente a aparente doçura (e, às vezes, malícia) escondia certa dissimulação. Outra coisa que não se encaixava era o sotaque. Ambas personagens eram brasileiras, porém eram interpretadas por dois estrangeiros, coincidentemente, ingleses. O sotaque de Edward era quase imperceptível. O de Cheryl era forte. Entretanto, a coisa estava tão perfeita, que o filho deles, Ezequiel, era interpretado por Asa, também inglês. Claro, tinha a versão menor feita pelo Brian, mas ele quase não tinha fala, então... Ryan e ela fizeram um trabalho excelente!

“Pronto!”

“Estará bom?”

“Veja no espelho.”

“Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de um na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.”, leu Melissa. Essa parte não seria narrada, apenas atuada, mas ela leu para que eles fizessem exatamente o que estava escrito.

“Levanta, Capitu!”

“Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...”, falou Melissa de cor, enquanto olhava atentamente para os dois se aproximando para o beijo.

Nossa, que beijo lindo. A cena toda era lindíssima, na verdade. Melissa trocou de posição, pois do ângulo em que estava, via mais a cabeça de Edward do que os lábios se tocando. No canto, ela conseguia ver melhor. Não havia nada de escandaloso no beijo. Na verdade, era bem comedido. Ainda assim, o modo como os dois se moviam era visualmente agradável, bonito. A posição do beijo também era bonita. Dava quase vontade de beijar os dois. A verdade é que Melissa queria um beijo daquele jeito. Ela sentiu algo gostoso dentro dela, uma espécie de frio na barriga, ou seriam borboletas no estômago? Era o mesmo sentimento de quando você vê alguém que gosta inesperadamente. Por que ela sentia isso? Nem ela mesma sabe. Ela só sabia que queria algo assim.

Para não dizer que foi perfeito, Melissa sentiu a falta das línguas. Tudo que ela via era lábios macios se movendo. Edward e Cheryl pararam de se beijar antes que ela desse alguma direção para que parassem. Será que eles estavam desnorteados com o beijo? Será que aqueles poucos segundos em que abriram os olhos e viram um ao outro fez o coração deles bater rápido ou a pupila dilatar? Ela não soube, porque tudo o que eles fizeram foi olhar para ela esperando alguma resposta.

“Ficou legal. Bem legal!”, disse, finalmente, Melissa. “Só não sei se funciona para o telespectador. Quando eu tava vendo de frente, eu via mais a cabeça do Edward do que qualquer outra coisa.”

“Acho que pros pais fica melhor, não?”, argumentou Edward.

“Não tem só o Bradley e a Jessica de pais no Cavalinho Feliz. Meus pais, por exemplo, nem ligam. Nós somos jovens e jovens se beijam.”

Edward segurava a cadeira em que Cheryl estava sentada, enquanto permanecia inclinado. Os dois, naquela exata posição, dariam uma foto bonita. Por que no Cavalinho Feliz eles não tinha anuário e um aluno responsável por tirar foto dos alunos em diversos momentos, inclusive nos ensaios das peças? Melissa anotou mentalmente a ideia para a próxima reunião do grêmio.

“Acho que seria legal a gente testar outra posição, até porque não fica muito claro no romance se o beijo é desse jeito mesmo.”

Acontece que Machado não havia deixado dúvidas. O beijo era de ponta cabeça, mas ela queria testar outros jeitos, porque, ainda que não fosse ela e, no fundo, soubesse que nem história daria, como infelizmente não deu no caso de Sebastian e Cheryl, observar aquilo causava sensações boas nela. Ainda bem que Ryan não estava ali. Não que ela fosse fazer algo. Ela nunca fazia algo em relação a nada. Ainda assim...

“E aí? Vamos de novo?”