domingo, 30 de janeiro de 2022

O espelho

            Terminada a saga “Vamos nos divorciar!”, surgiu um menos, mas ainda assim desafiante, novo romance, intitulado “E agora? O desconforto pós-quase-divórcio”. Era assim que Andrew se sentia nessa nova fase de seu casamento. Por mais que ele tentasse, e Deus era testemunha de seus esforços, havia um desconforto que sempre o acompanhava, nutrido de um ressentimento da ousada decisão de sua mulher. “Eu quero o divórcio”. Desde que ela tinha dito tais palavras, o inglês não conseguia se ver livre delas, principalmente quando olhava para Jessica. Ele sabia que tinha que deixar isso para trás, e o professor acreditava piamente que era capaz disso. Naquele momento? Acho que não. Entretanto, ele fingia. E acreditava que dessa vez fingia bem, porque caso mostrasse o desconforto que estava carregando nas costas, tudo que havia lutado poderia ir por água abaixo.

Tudo isso somente para explicar o porquê de ele estar lendo um livro, deitado na cama, enquanto se preparava para dormir. Não é que isso fosse tão incomum assim. Mas se antes era apenas pelo puro prazer que a leitura o proporcionava, agora servia mais como um escudo para evitar interações com a mulher, principalmente antes de dormir que, segundo sua concepção, era ou deveria ser a hora mais íntima do casal.

Jessica depois do ocorrido era só amores com Andrew: mandava mensagens amorosas, estava extremamente carinhosa. O problema era que a cada “Eu te amo” no final de um recado, a mente do inglês dizia desdenhosamente “Mas não era ela que queria o divórcio?” Sem contar, que ele também sentia um desconforto da parte dela, quase como se ela não soubesse direito como agir com ele. Saber disso, confortava um pouco o coração do professor, por imaginar que não estava passando por aquilo sozinho. Pena que os dois não podiam ser confidentes um do outro e comentar suas experiências como amigos falando de terceiros.

– Ta lendo o quê? –, Jessica perguntou, se deitando ao lado dele.

Andrew escondeu uma careta, assim que leu o título: – Cartas de um diabo a seu aprendiz. – O que parece ter causado a mesma reação na mulher, que não fez nenhum comentário sobre o título. – Parece esquisito, mas, na verdade, é bem cristão o livro. Quem escreveu foi o mesmo autor das Crônicas de Nárnia. Aquele do leão, da feiticeira e do guarda-roupa. Eu juro! – Se apressou a dizer.

– Não precisa jurar, eu acredito em você. – Jessica abriu um sorriso.

Andrew tirou os óculos: – Eu vou guardar.

– Não precisa, pode ler.

– Eu cansei. Ta chato. E eu preciso dormir, porque os gêmeos vão me acordar de madrugada mesmo. Vou botar na sala pra você não precisar dormir com o di... com o título do livro.

– Andrew, é sério, não precisa fazer isso.

– Eu não ligo. Vou aproveitar e beber água também.

Se tinha uma coisa que o professor sabia, era que sendo cristão ou não cristão, Jessica não gostava desses títulos provocativos que falassem de demônios ou anjos do mal, afinal, era a mesma mulher que queria que ele se livrasse de livros como Drácula. Claro, antes o pós-quase-divórcio.

O inglês retornou ao quarto e voltou a se deitar na cama. Antes que o desconforto de ambos pudesse se instalar, Jessica falou do assunto mais neutro da casa, que mobilizava os dois e rendia diálogos mais leves.

– Desci hoje com as crianças pra elas pegarem um pouquinho de sol, mas a Melzinha depois ficou emburrada, acho que por causa do calor. Aí comprei um sorvete e dei um pouquinho pra ela e ela ficou satisfeita.

Só para deixar claro, o assunto era os filhos, e não só a Mel.

Andrew sorriu: – Daqui a pouco a gente vai virar reféns da Melzinha. Eu não consigo negar nada pra ela. Acho que ela vai ser muita mimada.

– Eu tento ser forte, mas não consigo resistir aqueles dois dentinhos isolados no meio de tanta gengiva.

A imagem fez Andrew se derreter por dentro: – Esses dentinhos vão ser a perdição de muita gente.

Jessica se aconchegou em Andrew, sorrindo, provavelmente, com a mesma imagem que o marido pensava. O professor não podia negar: ela tentava.

– Os gêmeos também tão ficando mais bonitos agora que tão maiores.

– Sim. Você tinha que ver hoje o Levi e o Théo abraçadinhos. Calma, eu tirei uma foto. Vou te mostrar. – Jessica se debruçou para pegar o celular: – Aqui.

Mais uma vez, Andrew sentiu seu coração derreter pelos filhos: – Nós dois fazemos bons bebês. – Instintivamente, ele fez um carinho no braço da ruiva.

– Fazemos sim. – Ela deu um selinho nos lábios do marido. – Eu te amo.

“Eu quero o divórcio”.

– Também te amo.

“Nem pensar!”

Ele então deu um beijo em Jessica. O menos estranho pós-quase-divórcio.

É, o tempo daria um jeito naquilo tudo. Já estava dando.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Discovery Home & Health

            Ryan estava absorto no celular, quando escutou bem perto da orelha dele:

            “O que ta te fazendo abrir esse sorrisinho aí, hein?”

            O gentlemen olhou para trás, tomado pelo susto, e viu Daniel rindo de sua reação.

            “Qual foi, cara!”

            “Calma, cara, sou só eu.”

            Ryan, então, resmungou alguma coisa que Daniel não conseguiu compreender.

            “Tava falando com quem?”

            “Ninguém.”

            “Cheryl?”

            “Cheryl ta namorando. Sério, não era nada demais.”

            “Seu sorrisinho parecia dizer o contrário. Era a Emma?”

            “Relaxa, Daniel. Não era nada demais, sério.”

            “Ok. Não quer falar, não quer falar. Mas eu não vim pra perguntar isso. Eu to aqui representando uma garota.”

            “Jennifer? Eu passo! Não quero que ela fique obcecada pelo meu pescoço.”

            “Quem você pensa que é pra ousar comparar o seu pescoço com o da Margot?”

            “Por que a piada de vocês só gira em torno desse pescoço?”

            “Foi você que começou!”, Daniel disse ofendido.

            “Porque é inevitável. Falar com você, em algum momento vai puxar o pescoço da Margot.”

            “Você sabia que a gente nunca mais falou desse pescoço?”, Ryan o olhou cético. “Não, cara, é mesmo!” O celular do loiro fez barulho, acendendo a tela, um monte de mensagens do whatsapp aparecendo. Daniel tentou ler alguma coisa. Ficou surpreso com o que achou que captou. “Cínthia” e “seu beijo”. Ryan desligou a tela rapidamente.

            “Mas fala, quem é a garota?”

            “Que garota?”

            “A garota que você ta representando.”

        “Aaah, sim, a garota.” Daniel não estava mentindo. Havia uma garota que ele estava representando e era a Miranda, que ele já sabia que Ryan não estaria interessado. Mas agora com a possível descoberta recente, aquilo definitivamente não fazia mais sentido. Felizmente, o sinal tocou. “Ah, depois eu te falo da garota. Nos vemos, cara.”

            “Ok!”

            Daniel saiu e ficou observando Ryan, que assim que se viu livre do garoto tosco, pegou o celular e abriu um sorriso de canto. Ele parecia estar contidamente muito feliz. Daniel também estava. Mas em lealdade ao amigo, decidiu guardar a descoberta para si.

Mais uma reunião

Alívio. A caminho da reunião dos Viciados Anônimos, o corpo todo de Jessica emanava alívio.  Não é que a ruiva não amasse seus filhos. Eles eram indiscutivelmente as coisas mais importantes de sua vida. Entretanto, a rotina que vinha tendo no último mês de trocas de fraldas, amamentação, fazer comida, limpar a casa, dar banho, mais trocas de fraldas e mais tudo de novo era extremamente desgastante. 

A advogada nunca imaginou um dia ficaria tão animada em ouvir estranhos contando sobre suas míseras vidas e beber café aguado em seguida. Ela tinha duas horas inteiras longe dos filhos e ela iria aproveitar ao máximo aqueles 120 minutos. A ruiva pegou o celular, cujo papel de parede era uma foto de Andrew sentado com a Mel e os gêmeos no colo (faltava a Emma ali, ela tentaria replicar a foto com a primogênita da próxima vez), e ligou no Spotify. 

"Eu sei em quem eu tenho crido

Eu sei em quem eu tenho crido

O que olho não viu, nem ouvido ouviu

É o que Deus tem preparado pra você

Que não chegou ao coração do homem

Segredos que não foram revelados

É o que Deus tem preparado pra você

O que Deus fez até aqui só nos resta agradecer

Mas a fé é a certeza do que não se pode ver

Não limite a sua fé, a fé nos leva a crer

Que coisas maiores virão, milagres acontecerão

Você não imagina o que Deus irá fazer

Que coisas maiores virão, milagres acontecerão

Você não imagina o que Deus irá fazer"

Jessica cantarolava a música, batucando os dedos no volante, enquanto trafegava até o local da reunião. Quando parou no primeiro sinal, observou seu reflexo pelo retrovisor. Seus olhos demonstravam exaustão física e mental, que nem mesmo seu batom vermelho obteve êxito em esconder.

A advogada estacionou o carro na esquina e foi andando até o local. Ao entrar, ouviu a voz de um homem maduro falando alguma coisa relacionada a culpa. Jessica se juntou à roda, tentando ao máximo, não atrair atenção para si. Jonathan acenou discretamente e ela devolveu o gesto. 

O rosto de Jonathan estava abatido. Ele tinha tido uma recaída forte na semana anterior, envolvendo até um delito por urinar na rua. Soube disso porque George ligou furioso questionando sua decisão em tê-lo contratado e exigindo sua demissão.

​Calma, George. Ele só precisa de alguns dias de folga.

É claro que ela sabia que Jonathan não precisava de só alguns dias de folga. Seu problema era muito mais fundo. Medidas superficiais não são eficazes quando tratamos de vícios. Jessica sabia muito bem disso e sentia suas feridas arderem por baixo da roupa, quando meditava sobre o próprio vício. De alguma forma, a ruiva se viu mais próxima do amigo quando tomou conhecimento de sua última luta. Ela ouvia as pessoas declararem orgulhosamente estarem  mais uma semana "limpos" e sabia que Jonathan e ela não poderiam dizer o mesmo e era muito reconfortante não estar sozinha no fundo do poço.

Jessica lembrou que havia esquecido de avisar Andrew que tinha chegado em segurança. Ela pegou o celular e começou a digitar uma mensagem para ele.

Cheguei na reunião. Já estou com saudades. Te amo.

A advogada estava tentando reavivar o romance de seu casamento desde a saga do quase divórcio. O tempo que ficou longe do marido a lembrou do quanto o amava e do quanto não queria perdê-lo. Sua postura teria que mudar para garantir que seu casamento fosse bem-sucedido. O que significava ser mais carinhosa, falar eu te amo mais vezes, mostrar que sente saudade na sua ausência e prazer na sua presença. Em troca, queria que o marido demonstrasse desejo por ela. Sim, uma vontade muito supérflua, mas desde a gravidez estava se sentindo asquerosa. Assisti-lo falhar na sua frente também não ajudou em nada. Aposto que isso nunca aconteceu com a Antonella, pairou na sua mente.

Jessica passou o olhar por Jonathan. A ruiva perdeu a conta de quantas vezes foi para cama com ele. Jonathan parecia não resistir sua sensualidade. Sim, ele a fazia se sentir sensual e cobiçada. Mesmo quando tentava dizer não, era facilmente dissuadido com um olhar, um toque ou um beijo da advogada. Será que um dia Andrew a desejaria assim?

"Obrigada a todos por virem. Não vão embora sem se servirem de um cafézinho."

Jonathan e Jessica se aproximaram para conversar do lado oposto de onde as pessoas se confraternizando em volta do café.

"Oi." Jonathan cumprimentou a ruiva.

"Oi. Tudo bem?"

"Sim. E você?" 

"Também." Jessica observou os olhos de Jonathan por trás do óculos. Eles estavam vermelhos e transtornados. A advogada quis abraçá-lo.

"Não precisa me olhar com essa cara de pena."

"O quê?" Jessica perguntou surpresa.

"Eu sei que você sabe que eu tive uma recaída. O George não ia perder a oportunidade de te contar isso."

"Bem, ele tem que me falar já que esse tipo de coisa afeta a empresa."

"Acho melhor você me demitir."

"Eu não vou te demitir."

"Deveria. O George deixou claro que por ele eu estaria na rua."

"Ele não entende. Eu sim. Jonathan, a gente tá passando pela mesma coisa. Estamos no mesmo barco. Somos iguais!" 

Jonathan olhou para a ruiva como se, de fato, ela fosse mais doida que ele. Jessica sorria ao atestar que os dois eram iguais. 

"O que aconteceu com você? Eu soube do quase divórcio. Deve ter sido difícil."

"Foi. Eu não posso me divorciar, sabe? A partir de agora, vou ser egoísta. F***a-se se eu faço o meu marido infeliz ou deixo ele maluco. Vou deixar ele preso a mim até o dia que... um de nós morrermos!"

"Muito amável da sua parte."

"Eu sei. Sou muito amável. É de minha natureza, não consigo evitar."

"Se me permite dizer uma coisa. Você tá linda. A maternidade te faz bem."

Jessica sentiu seu coração bater mais rápido. "Obrigada."

"Eu preciso ir. Tá tudo bem com as crianças, né?" 

"Tá, tá sim. É, Jonathan... Se te interessar ir pra uma clínica de reabilitação, eu posso cobrir com as despesas."

"Não precisa."

"Pensa nisso, tá?" 

"Tudo bem."

Jonathan acenou de leve e foi embora. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

My little friend

Jessica estava dando papinha com pedacinhos de carne para Mel com uma mão e embalando Levi com a outra. 

Mel, que geralmente era uma bebê emburrada, sorria e balbuciava alegremente ao mastigar a carne. 

"Nunca vi bebê gostar tanto de carne." Ela se virou para o filho nos braços. "Você não vai ficar igual a sua irmã não, né Levi?"

A campainha tocou. A ruiva usou o pano que estava pendurado no seu ombro para limpar a boca da filha e foi atender a porta. 

"Oi!" Jessica sorriu animada. "Falei que não era difícil achar aqui."

"Até que não foi. Desculpa ter te procurado. É que você é a adulta mais próxima que eu conheço." Lidiane falou sem graça.

"Eu fico feliz que você tenha me procurado. Pode entrar." 

Jessica abriu espaço e Lidiane passou. 

"Obrigada. Esse é quem? Levi ou Theo?" Lidiane chacoalhou a mãozinha do bebê. 

"Levi. O Theo tá dormindo lá no quarto."

"Oi, Levi. Eu sou a Lidiane." Lidiane falou fazendo a voz que as pessoas costumam usar quando falam com bebês. "Ele é lindo." 

"Obrigada. Ele tá quase dormindo. Passou a noite toda chorando e agora ficou cansado."

"Coitadinho."

"A noite aqui tá sendo o caos. Ninguém consegue mais dormir. Fico preocupada com a minha enteada que estuda."

Lidiane viu Mel sentada na cadeirinha.

"Que linda! Posso segurar?"

"Pode sim. Vou colocar o Levi no berço e já volto. Desde semana passada ele só dorme se tiver no colo, aí assim que ele fecha os olhinhos, eu já corro pra botar ele no berço."

"E essa aqui?" Lidiane colocou as mãos debaixo dos bracinhos da Mel, tirou ela da cadeirinha e a puxou para si.

"Essa dorme em qualquer lugar. Se esquecer ela no canto quando você voltar pra buscar, vai tá dormindo."

"Ela é muito bonita." Lidiane apertou de leve a bochecha da bebê e Mel reagiu olhando para a garota com o rosto apático.

"Já volto." Jessica saiu com Levi e voltou alguns minutos depois com a carteira na mão. "Quanto deu seu uber?" 

"43." Lidiane respondeu ainda com Mel no colo.

"Vou deixar 100 com você pra cobrir o da volta." Jessica tirou uma nota de cem da carteira e entrgou para a menina.

"Obrigada." Lidiane pegou o dinheiro e guardou no bolso da calça jeans.

"Quer alguma coisa pra beber? Água? Suco?" 

"Não, obrigada."

"Tem certeza?" Jessica franziu as sobrancelhas preocupada.

"Tenho. Não precisa se preocupar comigo. Já comi uma fruta de manhã."

"Eu faço um almoço bem levinho pra você. Posso?"

"Desculpa, Jessica, mas não."

"Tudo bem. Me conta, como tá o seu pai?"

"Péssimo. Começou a beber desde às 9 da manhã."

Jessica balançou a cabeça com a irresponsabilidade do pai da menina.

"E você?"

"Já tô acostumada."

"É uma péssima coisa pra se acostumar."

"Chega de falar de mim. Como você e o seu marido estão? Fizeram as pazes?"

"Fomos numa terapeuta de casal e nos resolvemos."

"Que bom! Você tava muito triste na última reunião."

"Tava. Eu tenho que conseguir me controlar mais. Não posso me dar ao luxo de surtar. Mas já marquei com meu psiquiatra e vai dar tudo certo."

"Também penso nisso. É muito difícil ter que lidar com gente como nós."

"Mas você vai se curar, eu tenho fé! Eu oro todo dia por você, sabia?"

"Obrigada. E pelo Jonathan você também ora?"

"Tenho orado por ele também. Por que a pergunta?" Jessica levantou as sobrancelhas intrigada.

"Ele tá caidinho por você."

"O quê?"

"Vai dizer que você não percebeu? Ele te devora com os olhos." Lidiane começou a balançar a perna, fazendo cavalinho com a Mel.

"Impressão sua."

"Não é e você sabe."

"Que seja."

"E você não sente falta?" Lidiane perguntou audaciosamente.

"De quê?" Jessica perguntou confusa.

"Sexo." Lidiane falou com naturalidade, fazendo a advogada arregalar os olhos.

"Lidiane!" Jessica repreendeu a menina.

"Ué, eu não perguntei nada demais. É que você tava grávida e imaginei que deve tá sentindo falta."

"Eu não vou discutir isso com uma criança. Principalmente na frente da Mel." Jessica tentou fechar o assunto, abrindo uma revista e folheando.

"Eu não sou criança! Crianças não transam..." Lidiane disse desafiadora.

Jessica arqueou uma sobrancelha pra menina.

"Eu sei que você é virgem. Na verdade, todo mundo sabe. Você gritou pra torcida do flamengo inteira."

"Tá bom! Mas eu acho que você podia falar dessas coisas comigo. Eu sou uma ótima conselheira."

Jessica ignorou a menina e continuou dando atenção a revista.

"E eu acho que deve ser difícil alguém da ativa ficar na seca. Tô errada?"

Jessica voltou a olhar para a menina.

"Pra mim não é difícil." Jessica tentou ser enfática para convencê-la.

"Mas você não sente falta?"

"Isso não é uma necessidade que eu tenho. Outras pessoas podem até ter dificuldade de viver sem isso, mas no meu caso, não me faz falta." Jessica disse tão convicta que quase convenceu Lidiane.

"Eu duvido." Lidiane riu e voltou a brincar com os bracinhos da bebê.

"Uma coisa que você vai aprender é que se-xo não é tudo isso que as pessoas falam. Então se eu fosse você eu manteria distância disso pelos próximos dez anos."

"Que os céus tenha piedade da minha alma e que eu consiga perder a virgindade antes dos vinte e dois." Lidiane disse dramaticamente e Jessica riu.

"Se é o que você quer... Depois não diga que eu não te avisei."

"É impossível que sexo seja tão ruim, se fosse assim, as pessoas não fariam!" 

"É realmente maravilhoso, se você for homem. A mulher que sofre tendo a vagina arregaçada enquanto eles só ficam com a parte fácil." 

Lidiane olhou horrorizada. 

"Você ta exagerando." 

Jessica riu. "Pior que não. Têm mulheres que nem conseguem andar direito no dia seguinte. Eu já escutei histórias horríveis dos mais variados tipos."

"Você só tá falando isso pra eu não fazer." 

"Na verdade, não. É claro que eu não quero que você faça, mas os fatos que eu te dei foram todos verídicos."

"Você é muito chata. Não saciou em nada a minha curiosidade." Lidiane reclamou.

"Como assim? Eu falei até demais. Sua curiosidade que é insaciável."

Lidiane deu de ombros.

"Queria um namorado."

"Homens são muito problemáticos." Jessica interviu. 

"Não te impediu de flertar com o Lúcio anos atrás."

"Eu não flertei com o Lúcio!" Jessica negou.

"Flertou sim, e ele nem era tão bonito. Fora que é viciado." 

"Primeiro, eu não flertei. Segundo, beleza não é tudo. Terceiro, quem sou eu pra chamar ele de viciado. De certa forma, não somos todos viciados?"

"Lúcio em cocaína, eu em não comer e você em se cortar. É, acho que você tá certa." Liliane concordou pensativa. "Mas você flertava sim."

"Naquela época eu só tinha olhos pra dois homens: Ben e Jerry." Jessica falou teatralmente. 

"Quem são eles?" Liliane perguntou confusa.

"Ah não!" Jessica fingiu ta assustada. 

"Ah não o quê? O que aconteceu? Quem são Ben e Jerry?"

"Como você não assistiu ao diário de Bridget Jones?" Jessica perguntou horrorizada. 

"Diário de quê?" Lidiane perguntou na sua ignorância jovial. 

"Hoje você vai ser introduzida ao melhor filme de todos os tempos." Jessica fechou a revista e olhou para a menina seriamente. 

"Tudo bem. Mas vamos ver quanto ao melhor filme de todos os tempos." Lidiane brincou.

"Ah, é sim." Jessica pegou o controle da tv para colocar o filme.