Terminada a saga “Vamos nos
divorciar!”, surgiu um menos, mas ainda assim desafiante, novo romance,
intitulado “E agora? O desconforto pós-quase-divórcio”. Era assim que Andrew se
sentia nessa nova fase de seu casamento. Por mais que ele tentasse, e Deus era
testemunha de seus esforços, havia um desconforto que sempre o acompanhava, nutrido
de um ressentimento da ousada decisão de sua mulher. “Eu quero o divórcio”. Desde
que ela tinha dito tais palavras, o inglês não conseguia se ver livre delas,
principalmente quando olhava para Jessica. Ele sabia que tinha que deixar isso
para trás, e o professor acreditava piamente que era capaz disso. Naquele momento?
Acho que não. Entretanto, ele fingia. E acreditava que dessa vez fingia bem,
porque caso mostrasse o desconforto que estava carregando nas costas, tudo que havia
lutado poderia ir por água abaixo.
Tudo
isso somente para explicar o porquê de ele estar lendo um livro, deitado na
cama, enquanto se preparava para dormir. Não é que isso fosse tão incomum
assim. Mas se antes era apenas pelo puro prazer que a leitura o proporcionava,
agora servia mais como um escudo para evitar interações com a mulher, principalmente
antes de dormir que, segundo sua concepção, era ou deveria ser a hora mais
íntima do casal.
Jessica
depois do ocorrido era só amores com Andrew: mandava mensagens amorosas, estava
extremamente carinhosa. O problema era que a cada “Eu te amo” no final de um
recado, a mente do inglês dizia desdenhosamente “Mas não era ela que queria o divórcio?”
Sem contar, que ele também sentia um desconforto da parte dela, quase como se
ela não soubesse direito como agir com ele. Saber disso, confortava um pouco o
coração do professor, por imaginar que não estava passando por aquilo sozinho. Pena
que os dois não podiam ser confidentes um do outro e comentar suas experiências
como amigos falando de terceiros.
–
Ta lendo o quê? –, Jessica perguntou, se deitando ao lado dele.
Andrew
escondeu uma careta, assim que leu o título: – Cartas de um diabo a seu
aprendiz. – O que parece ter causado a mesma reação na mulher, que não fez
nenhum comentário sobre o título. – Parece esquisito, mas, na verdade, é bem
cristão o livro. Quem escreveu foi o mesmo autor das Crônicas de Nárnia. Aquele
do leão, da feiticeira e do guarda-roupa. Eu juro! – Se apressou a dizer.
–
Não precisa jurar, eu acredito em você. – Jessica abriu um sorriso.
Andrew
tirou os óculos: – Eu vou guardar.
–
Não precisa, pode ler.
–
Eu cansei. Ta chato. E eu preciso dormir, porque os gêmeos vão me acordar de
madrugada mesmo. Vou botar na sala pra você não precisar dormir com o di... com
o título do livro.
–
Andrew, é sério, não precisa fazer isso.
–
Eu não ligo. Vou aproveitar e beber água também.
Se
tinha uma coisa que o professor sabia, era que sendo cristão ou não cristão,
Jessica não gostava desses títulos provocativos que falassem de demônios ou
anjos do mal, afinal, era a mesma mulher que queria que ele se livrasse de
livros como Drácula. Claro, antes o pós-quase-divórcio.
O
inglês retornou ao quarto e voltou a se deitar na cama. Antes que o desconforto
de ambos pudesse se instalar, Jessica falou do assunto mais neutro da casa, que
mobilizava os dois e rendia diálogos mais leves.
–
Desci hoje com as crianças pra elas pegarem um pouquinho de sol, mas a Melzinha
depois ficou emburrada, acho que por causa do calor. Aí comprei um sorvete e
dei um pouquinho pra ela e ela ficou satisfeita.
Só
para deixar claro, o assunto era os filhos, e não só a Mel.
Andrew
sorriu: – Daqui a pouco a gente vai virar reféns da Melzinha. Eu não consigo
negar nada pra ela. Acho que ela vai ser muita mimada.
–
Eu tento ser forte, mas não consigo resistir aqueles dois dentinhos isolados no
meio de tanta gengiva.
A
imagem fez Andrew se derreter por dentro: – Esses dentinhos vão ser a perdição
de muita gente.
Jessica
se aconchegou em Andrew, sorrindo, provavelmente, com a mesma imagem que o
marido pensava. O professor não podia negar: ela tentava.
–
Os gêmeos também tão ficando mais bonitos agora que tão maiores.
–
Sim. Você tinha que ver hoje o Levi e o Théo abraçadinhos. Calma, eu tirei uma
foto. Vou te mostrar. – Jessica se debruçou para pegar o celular: – Aqui.
Mais
uma vez, Andrew sentiu seu coração derreter pelos filhos: – Nós dois fazemos
bons bebês. – Instintivamente, ele fez um carinho no braço da ruiva.
–
Fazemos sim. – Ela deu um selinho nos lábios do marido. – Eu te amo.
“Eu
quero o divórcio”.
–
Também te amo.
“Nem
pensar!”
Ele
então deu um beijo em Jessica. O menos estranho pós-quase-divórcio.
É,
o tempo daria um jeito naquilo tudo. Já estava dando.