sábado, 27 de fevereiro de 2021

Prazer, seu padrinho.

Na última visita de Bradley para a bebê Mel, o professor falou algumas palavras para a nova afilhada. 

Bradley pegou a bebê no colo e entrou num estado reflexivo por um período. Mel ainda não se assemelhava a ninguém. Porém, a consciência de que aquele pedacinho de gente, era a herança de Jessica para o mundo, o deixou extremamente emotivo. 

"Oi, bebê!

Aqui é o dindo Bradley.

Sou amigo da sua mãe de muito tempo atrás. Conheço ela desde bem novinha. Não tanto quanto você, porque você é muito pequenininha, mas já dá pra ter uma ideia. 

Ela foi uma pessoa muito importante pra mim. Foi com quem descobri o que era amor, na sua forma mais plena. 

Sua mãe era uma figura, com certeza. Mimada que doía! Do tipo que me deixava louco tentando fazer suas vontades. Mas também de um coração gigantesco. Todo mundo que chegava perto conseguia sentir os respingos de calor que emanavam dela.

Sabia que você é a concretização do maior sonho dela?

Eu nunca vi alguém querer tanto uma coisa quanto ela te quis. 

Ela te quis tanto que não sossegou até conseguir.

Já falei que ela também era teimosa?" -Ele riu, sem humor. 

"Era mais fácil ceder do que tentar fazer com que mudasse de ideia. 

Eu sei que se ela te visse, ficaria apaixonada. Quando sua irmã nasceu, sua mãe chorava mais do que a bebê, na hora de deixar ela no quarto. 

Tenho certeza que ela agiria da mesma forma ou seria ainda mais radical com você. 

Bom, é isso. Prazer, bebê. Espero que você goste de me ter como padrinho.

Vou te devolver agora pro berço."

Bradley colocou a bebê no lugar e deixou o quarto. 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Proposal

Não havia frase que definisse melhor aquela situação do que "Essa festa virou um enterro". Antonella olhava fixamente para Paulo segurando a netinha nos braços. Os olhos do velho homem diziam tanta coisa, carregavam tanta tristeza, tanta dor que nem o melhor dos pintores conseguiria dar conta de representar tal cena. A verdade era que todo mundo parecia que estava tentando segurar o choro. A chegada de Mel na casa trazia um significado maior do que a alegria de um recém-nascido. Carregava também o significado de falta, pois Jessica não estava lá. E ninguém sabia quando ela iria voltar. E se ela iria voltar. A espera era cruel. Era cruel, porque poderia significar tanto vida quanto morte. Jessica poderia ficar naquele hospital cerca de 5, 6 anos para depois partir. Antonella estremeceu. Paulo olhou para ela. Ela desviou o olhar.

Antonella viu Asa com a cara toda vermelha de quem estava dando o seu melhor para não chorar, "brincando" com Crystall que estava igualmente vermelha. Aquilo era demais. Ela precisava sair de lá pelos seus filhos. Andrew e o restante que a desculpasse. A italiana foi até o quarto de Asa, deu dois toques na porta e entrou:

- Andy, eu já vou.

- Já vai também? - Ele perguntou, terminando de alcançar algo de cima do armário. Ao ver que não era o que ele queria, jogou para o alto e ajeitou a blusa.

- Sim, senão vai ficar tarde.

- Tudo bem. - Disse, limpando as mãos nas calças - Gostou da sua afilhada?

- Siiiim, ela é linda. Ela é pequena, mas parece muito saudável.

- Sim, sim. 

Antonella olhou ao redor do quarto e percebeu que várias coisas de Andrew estavam lá.

- Ué, você tá dormindo aqui?

- Sim, sim. Eu deixei o quarto pros meus pais. A cama de lá é mais confortável.

- Ah, sim. Fez bem, fez bem.

- ...

- Mas olha, eu to muito feliz por você. Agora que você tá com uma bebê em casa, não vai mais dormir. 


- É verdade, é verdade, mas já to preparado.

- Que bom! E olha, pode contar comigo pro que precisar. 

- Obrigado. E obrigado por ter vindo.

- Que nada! Eu tinha que conhecer a minha afilhadinha linda. Ela é linda demais. 

- Obrigado.

Antonella deu um rápido abraço em Andrew e se virou para sair do cômodo, mas parou assim que ouviu a voz do ex-marido chamando o seu nome. Ela se virou para ele e viu o inglês parecendo estar sofrendo de uma grande dor.

- Antonella... Desculpa te pedir isso. É que eu não tenho mais pra quem pedir e... Bem... É que seria bom pra Mel... Já que ela é prematura, como você sabe... Que ela recebesse o leite... Antonella, será que você poderia amamentar a Mel pra mim?

A última frase foi demais para Andrew. Ele tentou se segurar o dia inteiro. Era para ser um dia feliz e parte dele estava em êxtase por finalmente poder levar a sua filhinha para casa, mas outra parte estava destruída. Mesmo assim, tentou ser forte e segurar o choro. Ele tinha que ser forte por Asa, Emma, Paulo e Bradley. Tinha que ser forte também pelo seu pai, que parecia estar sofrendo e até mesmo por Crystall, que havia perdido toda a sua vitalidade naquele dia. Mas tinha que ser forte, principalmente, por Mel e Jessica (e Asa de novo nessa lista), que contavam com ele. Quem o ajudava nessa tarefa e estava sendo primordial era sua mãe. Se ele estava tendo que ser forte por toda aquela gente, June estava sendo forte por ele. Só a maturidade o fez entender o amor incondicional que sua mãe sente por ele e pelos filhos. Se ela critica as noras, é por amor, por achar que os filhos merecem o melhor (ainda que Pam e Gugu sejam ótimas). Se ela enche o saco, é por amor, porque mostra que ela liga. Pena que ele só havia entendido isso agora que ela estava doente e ele morando longe. Mas isso é outro sofrimento. June segurou todas as pontas junto com ele. Matt também ajudou bastante, principalmente com as crianças e Emma. Se Andrew esmorecia, June estava lá para falar alguma bobagem, fazer alguma pergunta, seja lá o que fosse. Isso fez com que Andrew conseguisse aguentar tudo sem derramar uma lágrima. Ele queria muito chorar pela chegada da filha e pela mulher, mas aquilo poderia desencadear um choro em série, então ele se segurou. Só que naquele momento, vendo Antonella na sua frente, perguntando se ela poderia fazer o papel que só caberia a Jessica... Aquilo foi demais. Andrew finalmente explodiu.
Antonella o abraçou fortemente, segurando as lágrimas:

- Claro! Sempre!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Inseguranças

 Era dia 05 de fevereiro, a véspera da data marcada para o parto. Andrew observava a esposa dormir até ela acordar. 

"Dormiu bem?"

Jessica acenou ainda sonolenta.

"Como você tá se sentindo?"

"Cansada."

"E os enjoos?"

"A mesma coisa. Eles falaram que não podiam me dar remédio pra enjoo porque abaixa a pressão."

"Já já passa." Andrew tocou na cabeça da ruiva e fez carinho.

"E como você tá?"

"Eu? Bem." Andrew mentiu.

"Tá pronto pra ser papai de novo?" Jessica abriu um sorriso fraco. 

"Mais que pronto. Eu não vejo a hora de nós dois segurarmos nossa Mel no colo."

"Sabe o que o dr. Fernandes me disse?"

"O quê?"

"Ele me garantiu que nossa filha vai nascer e vai ficar bem."

"Amém!"

Jessica se alegrou ao testemunhar a religiosidade do marido.

"Amém." Jessica segurou a mão de Andrew e levou aos seus lábios, dando-lhe um beijo. 

"Quer água?"

"Um pouquinho."

Andrew colocou a água num copo e deu aos poucos para Jessica.

"Sabe que eu ainda consigo beber água sozinha." A advogada brincou.

"Eu gosto de cuidar de você."

"E eu de você."

"Eu sei disso. Você gosta de cuidar de todo mundo."

"Não de todo mundo, só da minha família."

Jessica fechou os olhos abruptamente com a súbita pontada na barriga.

"Você tá bem?"

"Tô. Já passou."

"Quer que eu chame a enfermeira?"

"Não. A dor é rápida. Já foi."

"Tá bom."

"Eu sei que falei e insisti pra que não comprássemos nada pra Mel, mas eu fiz umas coisinhas pra ela. Tá numa caixa marrom em cima do armário. Tem uma roupinha que eu fiz pra ela usar no dia da alta do hospital. Eu acho que vai ficar bem bonitinha nela."

"Aposto que vai ficar linda. E se não ficar boa, ela não vai nem se lembrar depois."

"Ha-ha."

Andrew se inclinou e deu um selinho na sua esposa. 

"Acho que não é contra-indicado você me beijar direito."

"Realmente, não é."

Andrew começou a beijar cada canto de seu rosto de forma terna e lenta, até chegar na covinha do queixo e depois na boca. 

A delonga do professor para beijá-la efetivamente aumentou o desejo de Jessica que, mesmo em seu estado frágil, retribuiu o beijo com intensidade. Seu coração acelerou de tal forma que a máquina começou a apitar com o aumento de seus batimentos. 

Andrew se afastou. 

"Deixa tocar." Jessica se aproximou novamente. 

"É melhor não forçarmos a barra." Andrew segurou os ombros da ruiva e alisou seu braço carinhosamente. 

Ele observou o monitor com o número 178 na tela. 

"Seus batimentos subiram muito."

"Não é nada demais. Meu coração sempre fica acelerado quando você me beija. Só que geralmente não tem uma máquina chata delatando isso."

"Que fofa." Andrew deu mais um selinho na mulher. 

"Você que é." Jessica encostou as costas no travesseiro. 

"Já tá diminuindo de novo." Andrew observou quando o alarme sonoro parou. 

Andrew pegou a mão da sua mulher e acariciou com o polegar. 

Jessica fitou as mãos deles juntas e a aliança no dedo anelar do marido. Ela estava receosa de que seu marido tivesse deixado de ser um divorciado para se tornar uma coisa ainda pior, um viúvo. O coração da ruiva apertou e lágrimas escaparam de seus olhos. 

"Você tá bem? Aconteceu alguma coisa?" Andrew perguntou preocupado. 

Jessica não entendia. Ela estava em paz com qualquer coisa que pudesse acontecer consigo, desde que sua filha, Mel, estivesse sã e salva. Porém nos últimos dias, seu coração estava cada vez mais ansioso com o seu destino. O que ela já estava conformada e em paz, agora assombrava seus pensamentos. Ela nunca fora uma amante da vida para se importar tanto com a morte. Talvez fosse o medo do desconhecido. A vida era como uma velha companheira, por vezes, desagradável, mas também, acolhedora e cômoda. A morte era sombria e dúbia. Sabe lá o que esperava por ela do outro lado. 

"Eu to com medo." A advogada admitiu. 

"Não precisa ficar com medo. Vai dar tudo certo. Você está nas mãos de ótimos médicos, que sabem o que fazer. E você é muito forte, já passou por isso várias vezes e sempre venceu, dessa vez não vai ser diferente. Deus também está na frente de tudo e ele vai estar cuidando de vocês e guiando as mãos dos médicos. Vai ficar tudo bem, eu tenho certeza disso."

A ruiva viu o desespero e a angústia estampado nos olhos do marido, por mais que tentasse soar calmo e apaziguador. Ela queria ser forte por ele e por suas meninas, mas, uma vez que colocou suas consternações para fora, não tinha mais como devolver tudo para dentro, pelo contrário, tudo que estava tão bem escondido e enterrado foi expelido de dentro de si como um vulcão em erupção. Agora ela não conseguia segurar mais as lágrimas, que deixavam seus olhos, em volumes cada vez maiores. 

"To... com.. me-do... de nã-o.. resis-tir." Jessica falou entre soluços. 

"Se você tá se sentindo assim, vamos orar pra Deus tirar esse medo do seu coração."

Jessica acenou, sem fôlego para falar. 

Andrew segurou suas duas mãos e orou ao Senhor. 

"Amém." Jessica repetiu e abriu seus olhos aflitos e cheios de lágrimas. 

"Ei, ainda tem muita coisa pra gente viver juntos." Ele segurou o rosto da esposa com uma mão, secando suas lágrimas com a outra. "A gente precisa tomar muitos banhos juntos, eu ainda vou te fazer ficar muito vermelha, você vai conhecer o meu lado libertino e você vai acompanhar o resto da história do Ivan. Tem ainda muita mistura sem noção de suco pra você testar e muitos lados seus pra eu descobrir. Você também vai precisar saber o que eu acho das coisas e eu vou precisar te acompanhar nos eventos de advocacia, porque eu me casei com a melhor advogada do Brasil. Tem ainda a nossa vinícola que vamos na velhice. Você vai me chamar de Benjamin e eu vou te chamar de Annie. A Mel vai ter vergonha da gente, porque eu serei esquisito e você será muito coruja. Tem um futuro lindo a nossa frente e eu consigo visualizar ele muito bem e eu sei que você vai estar nele. Confia em mim quando eu te disser isso. Essa segurança não vem de mim, eu somente sei. Eu te amo, Jessica, e eu preciso que você acredite no que eu to te falando, porque eu sei. Vai ficar tudo bem. Você está me devendo uma pasta Calvin Klein e você vai ter que me dar, ouviu?" Ele beijou cada olho de Jessica. 

A ruiva riu entre lágrimas da fofura do marido. 

"Só você pra me fazer rir agora. Obrigada. Eu te amo."

Naquele momento o amor que Jessica sentia por seu marido se multiplicou por um milhão.