segunda-feira, 31 de maio de 2021

Tangerina

Antonella estava posicionando, com a ajuda de Calvin, os quadros de sua mais nova exposição pela galeria. Era a última que faria durante muito tempo, afinal sua Daisy estava para nascer em meados de julho, se tudo desse certo. A ideia era oferecer ao visitante uma experiência sinestésica que envolvesse os quatro sentidos. Isso a fez gastar muito dinheiro, indo muito além do que tinha, mas a galeria TINHA que ser um bom investimento e, por isso, ela tinha que arriscar tudo no lançamento.

– Acho que esse foi o último. – Falou Calvin, após posicionar o último quadro que estava no caminhão.

– Acho que sim. – Respondeu Antonella analisando o todo.

Calvin parou ao lado dela para também analisar:

– O que achou?

– Não sei... – Respondeu a italiana, franzindo a testa pensativa – O que você achou? Como você ta se sentindo vendo os quadros?

– Bem.

A resposta não agradou Antonella.

– Te traz alguma recordação ou algo assim? Faz com que você sinta alguma emoção?

– Faz sim.

A ex-professora do Cavalinho Feliz ficou esperando um complemento que não veio. Calvin não era o melhor sócio que poderia ter. Ele nem entendia direito de Pintura, mas estava disposto a investir, que era o que ela precisava na época.

– Pra mim, os quadros tão lindos e vai ficar ainda mais legal quando der pra sentir o cheiro de bolinho de chuva e tiver leite pra beber.

– Você como brasileiro consegue se identificar com essa infância representada?

– Consigo.

– Que bom! ...É que eu sei que minhas duas filhas são brasileiras, mas nunca se sabe, né? Como o pai dela e eu não somos daqui, a gente nunca tem certeza se a experiência está sendo brasileira.

– Bolinho de chuva é do Brasil... Eu acho.

– Mas eu só coloquei, porque você falou. Eu ia colocar biscoito.

– Ah é! Mas é que aqui a gente não tem muito isso de fazer biscoito não. É mais bolo de fubá com erva-doce, bolo de laranja.

– Sim, sim.

– Eu vou trazer os meus filhos aqui amanhã e ver o que eles acham, se eles se identificam com os detalhes da infância que você trouxe. Isso se der, né? Nem o Jamie nem a Jane são lá muito caseiros. Vai ver já têm compromisso.

– Ah, seria bom. Veja sim, por favor. Se não der amanhã, pode ser outro dia.

– Ok, eu te aviso.

Antonella continuou analisando os quadros e a galeria como um todo. Já Calvin foi ver algumas questões burocráticas, mas, pouco tempo depois, teve que ir para o trabalho.

Durante um tempo a italiana ficou incomodada com alguma coisa que ela não conseguia identificar exatamente o que era. Seus pensamentos foram interrompidos com Asa dizendo:

– Ficou bem legal, mãe.

– Você acha? – Ao terminar de perguntar, ela se virou sorrindo para Asa e percebeu a presença de uma segunda pessoa naquele lugar olhando ao redor: Andrew. – Como foi a consulta? – Perguntou, só olhando para o filho.

– The same. – Ele deu de ombros, olhando a galeria.

– Oi. – Disse Andrew.

– Oi. – Respondeu Antonella sem olhá-lo.

Percebendo que não passariam disso, Andrew se aproximou do filho, dando um beijo no rosto dele e dizendo:

– Eu já vou. Tchau, filho!

– Tchau, pai.

– Tchau.

– Tchau.

Ele se virou pra ir embora, mas antes de ir, gritou:

– Essa pintura de tangerina ta meio pornográfica no meio dessas coisas que lembram a infância, não?

– Como? – Antonela perguntou ofendidíssima. – Da onde você tirou que tangerina é algo pornográfico? O cheiro da tangerina lembra a infância de muita gente!

– Minha sina / Gana suicida / Morte divina / Doce tangerina / Em câmera lenta / Acompanho o teu suor / De encontro ao meu / A gota da seiva do céu / Ninguém faz melhor / Que você e eu / Me agarro na tua nuca / Daqui não largo nunca mais.

– E o que significa isso?

Andrew se vira para ela, faz um v com os dedos e coloca a língua no meio, a fim de que Asa não visse. Antonella fica chocada com o gesto obsceno.

– Mas assim, Ferreira Goulart tem um poema chamado “O cheiro da tangerina”. Manuel de Barros também escreveu algo do tipo, se não me engano. Eu só não colocaria uma tangerina realista assim sem contextualização. Nunca se sabe... – Ele disse de costas, saindo da galeria.

A italiana observa com raiva Andrew saindo da galeria.

– Agora vê, que crítica mais idiota e sem sentido. Nunca ouvi falar de uma coisa dessas. Tangerina é algo pornográfico? Só se for na cabeça desse... desse...

– Libertino.

– Isso, Asa. Libertino! Banana até vai, agora tangerina? E tem mais: a pornografia ta nos olhos de quem vê. Se uma banana estivesse numa exposição chamada “Detalhes da infância”, ninguém iria dizer que é pornográfico, só o seu pai.

– É verdade.

Antonella ficou mais um tempo analisando a pintura junto com os outros quadros.

– Melhor tirar? – Perguntou derrotada.

– Melhor tirar. – Concordou Asa.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Pedido informal

Miranda estava chegando em casa exausta do trabalho. Sua jornada de trabalho estava beirando a insana. Quinn estava dando várias reuniões para seus investidores e todas em formas de festa. É claro que conseguia se distrair um pouco e até beber um ou dois drinques, mas no final do dia, estava ali para trabalhar e convecer os convidados, entre um aperitivo e outro, que estavam investindo no lugar certo, nos bolsos de Quinn. 

Miranda foi pega de surpresa quando, numa festa, uma Quinn muito bêbada colocou o braço em volta da sua cintura e revelou a um pequeno grupo que ela era sua namorada e deu um selinho nos seus lábios. 

Nenhuma das duas havia rotulado ainda o que eram. Miranda tinha medo de rótulos. 

De repente ela se viu tendo que levar Quinn para casa e apresentá-la a Lana. Nossa, como Lana odiaria aquilo. Sentiria ainda mais vergonha em tê-la como mãe. Ao mesmo passo, que achou muito fofo o gesto da sua, até então, amante. Era como se Quinn tivesse orgulho e fizesse questão de que fosse sua namorada. Miranda sentiu seu lábios se curvando para formar um sorriso. Ela inclinou o rosto e aproximou a boca do ouvido da outra mulher. 

"Namorada, é?" 

"Já estava na hora, não?" 

"E como você pensa em oficializar?" 

Quinn deu um olhar para Miranda para confirmar se a outra mulher estava falando sério e depois virou para seus convidados, se dando por vencida. 

"Ei, todo mundo, olhem para mim!" Todos os convidados voltaram sua atenção à dona da festa. 

"Eu quero propor um brinde a minha namorada que acabou de descobrir que... bem, é minha namorada" 

Todos riram, inclusive Miranda. 

"Satisfeita?" Quinn perguntou para Miranda. 

"Não era bem o que eu tinha em mente, mas sim, estou muito satisfeita." Miranda respondeu de volta e deu um beijo de verdade na sua namorada.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Lying is the most fun a girl can have

Para esta notícia não revelarem os nomes. Usaremos os seguintes termos: Silver and Grey. 

Grey estava tendo dificuldades para dormir. Seus pensamentos viajavam o mundo todo, mas sempre aterrizavam em Silver. Por quê? Grey não queria pensar em Silver. Grey queria fingir que não havia nenhuma atração por Silver. Não, aquilo não podia ser real.

Em quem Silver pensava quando estava na cama? Em meio à penumbra com as mãos trêmulas ao tirar o vestido? 

Grey gostaria que Silver tivesse consciência do que fizera. Esperava que ele tivesse valido a pena. Quando as luzes estavam fracas e o coração de Silver acelerava, quando seus dedos tocavam sua pele. 

Grey sabia que era melhor. Tinha um melhor beijo, toque e f**a. 

Imaginem dois corações jovens batendo cada vez mais rápido. 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

I Write Sins Not Tragedies

Quando ele se deu conta, sua boca já estava devorando a dela. Aquilo era muito errado, mas também era o que tornava a sensação ainda melhor.

Aquele beijo tinha gosto de morango. E de pecado.
A roupa dos dois estava meio tirada, o suficiente para que as partes mais deliciosas estivessem descobertas. 

Depois de rapidamente provar de tudo o que tinha direito, era hora da ação. Ele a ergueu do chão com facilidade; ela de costas para a parede, ele a imprensando.
Que prazer! Que pecado!

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Dentro do carroo, hoje vai ter ousadia - Satisfações

Há quem diga que não se deve confiar num rostinho bonito. A ironia da frase é que ele mesmo é considerado um rosto bonito, ainda que sem a confiança de um. Não o entendam mal, ele não se acha feio, pelo contrário, sabe que é atraente e tem total ciência do seu apelo às mulheres, mas isso não faz com que tenha uma confiança inabalável e que não tenha ciúmes de sua namorada com outros homens.

Cheryl é uma garota astuta que ama seduzir e provocar. Tom sabia muito bem disso, já que ele mesmo foi seduzido e provocado pela menina. Entretanto, incomodava o professor, que sua namorada continuava a praticar seu esporte favorito, dentro de um relacionamento com ele.

Tom quando leu a notícia do Vincent contando o evento que ele e Cheryl compartilharam dentro do carro, a princípio não deu muita importância. Era Cheryl sendo Cheryl, não valia a pena esquentar a cabeça com aquilo. Porém, o incomodou, todos acharem que ele tinha que demonstrar algum tipo de irritabilidade. Será que estava sendo condescendente demais com a inglesa pelo simples fato dela ser dona do rosto que mais adorava e venerava?

O professor de francês convidou a modelo para um jantar. Ele precisava conversar sobre algumas coisas e, principalmente, abordar o incidente do carro com Vincent.

Cheryl apareceu impecável como sempre. Ela tinha que ser sempre tão bonita e sensual. Não tinha nada em seu rosto que o desagradasse, pelo contrário, Cheryl era a materialização de todos os desejos de um homem. Seu sorriso conseguia iluminar um continente inteiro, caso sofresse de um apagão. Era um efeito automático, sempre que a menina sorria ele sorria de volta. Cheryl beijou seus lábios e o cumprimentou. 

Os dois seguiram até a mesa e Tom observou a morena olhar atentamente o cardápio, decidindo o que escolheria para jantar. Uma coisa que fascinava o professor era o apreço que todos tinham pelas covinhas que ornamentavam as bochechas da modelo, quando esta sorria.Tom achava ainda mais bonito quando elas faziam sua aparição sem ela sorrir, como naquele exato momento. 

"Cheryl, precisamos conversar." Tom usou sua voz séria, a mesma que usava quando dava aula. 

"Shoot babe. O que foi?" Cheryl perguntou se servindo de mais batata-frita. 

"Como você classifica a sua amizade com o Vincent?" 

"Super secreta." Cheryl brincou. 

"Tô falando sério."

"Eu não entendi o que você quis dizer, babe. Como assim classifi-car?" 

"O que eu tô querendo dizer é que tá me parecendo que sua amizade com o Vincent não é só amizade."

"Você diz isso pela notícia? Eu prometo que não foi de propósito. O carro tava cheio, tava todo mundo em cima do outro. Eu só notei que podia ter feito alguma coisa quando ele falou. Eu juro." A expressão da menina mudou de descontraída para séria assim que ele tocou no assunto. 

"Eu não sei…"

"Foi o que aconteceu. Me desculpa, mas não foi de propósito. Eu nunca faria uma coisa dessas intencional. Nunca." 

"O Vincent tá doido pra você dar pra ele."

"E daí? Se a gente ficar p**o com todas as pessoas que querem levar a gente pra cama, não vai sobrar pessoa pra gente não tá p**o."

"Ainda assim, eu não gosto dos dois juntos."

"O que você quer que eu faça? Termine nossa amizade? É um pouco harsh, não acha? Eu já ouvi milhares de coisas sobre você e a Letícia, antes dela tá namorando e eu nunca pedi pra vocês pararem de sair."

"Você nunca viu a Letícia com a mão no meu pau."

"Nem você." Cheryl rebateu brava. 

"Mas o Vincent disse…"

"F***-se o que o Vincent disse. Eu não toquei em nada. Agora, ou você confia em mim ou não confia."

"É que eu sei que você gosta de brincar com as reações das pessoas."

"Gosto?" Cheryl levantou as sobrancelhas, incrédula. 

"Você gosta de testar seu poder sobre elas."

"Se você tá dizendo então deve ser verdade." A menina respondeu debochada. 

"É normal. Você é excepcionalmente bonita. Deve ficar curiosa até onde as pessoas vão por você ou conseguem resistir a você. Eu entendo."

"Você fala como se estivesse abaixo de mim."

"Eu me sinto abaixo de você."

Cheryl bufou. 

"É sério." Tom reiterou. 

"É impossível você achar isso. Todos vivem falando que você é muita coisa pra mim. Geez, eu nem consigo ganhar da Katie ou da Margot ou da Megan."

"Nenhuma delas se compara a você, aliás, nenhuma do mundo."

"Você também consegue ficar bem bonitinho quando se arruma e toma banho." 

"Tá dizendo que eu não tomo banho?" 

"Eu não disse nada, você que tá dizendo." Cheryl abriu um sorriso travesso. 

"Agora vê, a gente mora alguns anos na França e já é acusado de não tomar banho." Ele brincou e Cheryl deu uma risadinha. 

Quando o ar cômico acabou, a inglesa voltou a falar, dessa vez séria:

"Eu te amo. Eu não faria nada pra te machucar. Não de propósito." A menina o olhou de forma terna. 

"Eu sei. Eu também te amo." 

domingo, 16 de maio de 2021

Seis meses depois do sim

Onde estava com a cabeça quando concordou que sua afilhada pintasse a parede de preto? Toda vez era isso. A primeira coisa que fazia ao entrar no quarto da adolescente era olhar furiosamente para a parede pintada de preto. Será que tinha como consertar? Colocar fotos por toda a parede? Pintar de branco e que se f***? Ela precisava de ideias para tornar aquela parede menos agressiva. 

Jessica digitou: parede preta quarto no google e viu várias fotos de quartos bonitos e modernos com uma parede preta. Então era isso. Só teria que ligar para Tâmara e pedir para ela fazer alguma magia no quarto da afilhada. 

"Pode deixar comigo, Jessie. Você vai adorar o que eu vou fazer no quarto da Emminha." Tâmara garantiu do outro lado da linha. 

"Você vai tá me livrando de uma bela enxaqueca." Jessica respondeu, revirando as coisas da afilhada em cima da escrivaninha. 

"Sempre dramática." Tâmara riu. 

"Nem vou responder a isso. Manda um beijo pro Lucas."

"Pode deixar. Manda um pro seu marido também e um abraço gostoso na Melzinha. Aliás aquela foto que você postou no grupo foi uma fofura!"

"Né? Já perdi a conta de quantas fotos da Mel eu tenho no meu telefone."

"E é daí pra pior."

"Verdade."

"Mais tarde eu te mando o 3D do projeto."

"Tá bom."

"Tchauzinho."

"Tchau."

Jessica desligou o celular e observou o quarto da afilhada. Ela não via a hora da menina voltar a morar consigo. A única coisa negativa seria tirá-la do Bradley que parecia precisar da afilhada tanto quanto ela.

Entretanto, ter suas duas meninas por perto ajudaria a desviar sua atenção de seu casamento caindo aos pedaços. Cada vez mais o divórcio virava mais uma realidade do que uma possibilidade. A advogada odiava a ideia de um segundo divórcio, mas pelo menos sendo no início, evitava grandes complicações judiciais. A divisão de bens seria simples, cada um ficaria com o seu próprio patrimônio, pois não adquiriram nada após o casamento, a não ser a casa, que honestamente, não podia ligar menos. Que ficasse com o Andrew ou doassem para os pobres, tanto fazia. Outro inconveniente seria voltar com o nome de solteira, mas também, não seria nenhum bicho de sete cabeças. O verdadeiro problema seria a Mel. Ela já tinha conversado antes que partilharia a guarda da filha. Só que a bebê tinha apenas poucos meses de vida, e bem, não tinha como dividir a guarda em seu primeiro ano. Andrew teria que esperar Mel fazer pelo menos dois para começarem a compartilhar a custódia. Ele não gostaria muito disso, mas não tinha muito a ser feito. Bebês precisam da mãe. 

Jessica acabou derrubando a agenda da afilhada sem querer, quando se abaixou para pegar, viu uma foto dela com os pais e o Bryce saindo de dentro. A ruiva encarou a foto se sentindo, de repente, furiosa. Se não fosse o rostinho lindo da Emma, ela teria rasgado a foto e jogado fora. No entanto, pegou-a para si e colocou a agenda no lugar. Quando estava indo em direção ao seu quarto, ouviu Mel chorar. Ela dobrou a foto, colocou no sutiã e foi ver o que sua bebê queria. 

Era fome. Finalmente, Jessica estava aprendendo a identificar os choros da filha. 

"Tem um gosto diferente né? Mas logo logo você se acostuma. Mamãe também está perto de produzir então você vai parar de depender do leite de outras mulheres e vai ter o da sua mãe, feito especialmente pra você."

Pouco tempo depois de mamar, Mel Benjamin voltou a chorar. 

"O que aconteceu pra você tá manhosa assim?" Jessica alisou a cabecinha da bebê. "Quer que eu cante uma música? Sim? Então tá. Só não julga a mamãe porque ela tá um pouco enferrujada." Jessica mudou a bebê de braço e começou a cantar:

Não tenha medo, pare de chorar

Me dê a mão, venha cá (Ela pegou a mãozinha da bebê.)

Vou proteger-te de todo mal

Não há razão pra chorar

No seu olhar eu posso ver

A força pra lutar e pra vencer

O amor nos une para sempre

Não há razão pra chorar

Pois no meu coração

Você vai sempre estar

O meu amor contigo vai seguir

No meu coração, aonde quer que eu vá

Você vai sempre estar aqui. Aqui. 

"Gostou, neném?" Jessica sorriu para a bebê que olhava atentamente para ela. "Sua irmã também amava essa música. Acho que vocês vão ter muitas coisas em comum. Só espero que ela não te ensine a gostar de paredes pretas porque já basta uma. Ai, mas como você é linda!" A ruiva beijou sua filhinha e depois foi para a sala com ela. 

Andrew estava sentado no sofá lendo um livro. 

"Seu pai lendo como sempre. Sabia que ele vai ganhar um jabuti esse ano? E não, não é aquele animal que parece uma tartaruga."

Jessica brincou enquanto sentou com Mel no outro sofá. 

"Eu não disse que ia ganhar." Andrew rebateu. 

"Se não ficar acima do sexto, nem fala comigo." Jessica chacoalhou os bracinhos da bebê. 

"Não finge que você não ficaria feliz com isso."

"Na verdade não. Acho bom outras pessoas experimentarem um pouco do sucesso." Ela disse convencida. 

"Sair numa revista que ninguém lê, dificilmente é visto como sucesso."

"Viu como seu pai é invejoso?" Jessica falou no ouvido de Mel como se estivesse contando um segredo. 

Era estranho como ela e seu marido aparentemente estavam se dando bem, mas por dentro desmoronavam. Seu novo psicólogo havia dito que os dois não se amavam, Jessica não sabia dizer quanto ao Andrew, mas ela sentia que o amava. Porém, ficava triste por achar que o inglês não sentia o mesmo, ou ainda pior, que a odiava. Não era tão difícil ser odiada. Sua vida inteira foi odiada pela mãe, e bem, até que deu para sobreviver. Ser odiada pelo marido não era a pior coisa do mundo. Ela já estava acostumada ao sentimento. O problema é que isso estava custando seu casamento. Se mudasse de estratégia, talvez conseguisse salvá-lo. A advogada teria que fazer com que ele se apaixonasse. Mas como se ele já conhecia seus defeitos? Ela teria que mudar. Ser mais agradável, menos depressiva e quem sabe mais sexy? O sexy teria que ficar para depois, pois estava se sentindo tudo menos sexy no momento. 

Salvar seu casamento... 

"Amor, vai querer o que pro jantar?" 

sábado, 1 de maio de 2021

Don't let me get me

So doctor, doctor won't you please prescribe me somethin'? 
A day in the life of someone else
Cause I'm a hazard to myself
Don't let me get me
I'm my own worst enemy
Its bad when you annoy yourself
So irritating
Don't wanna be my friend no more
I wanna be somebody else

                                                                    - Pink 

Mais um dia chegou ao fim. Não estava sendo fácil a readaptação à sua vida antiga. Jessica não sabia explicar, mas era como se houvesse alguma coisa muito errada com a sua vida. A bebê, que dormia tranquilamente no quarto ao lado, não parecia sua, todos diziam ser, então provavelmente era.

A advogada passara o dia inteiro tentando, ao máximo, ser uma boa esposa e uma boa mãe. Suas tentativas pareciam falhas, pois ninguém parecia acreditar, de fato, que estava sendo uma boa mãe ou esposa. 

A parte mais difícil do dia era dar mamadeira à bebê. Aquele leite, que alimentava e sustentava sua filha, era da ex-mulher de seu marido, a pessoa pela qual, morria de inveja. Mesmo que conseguisse produzir leite e amamentar Mel, nunca seria como foi amamentar Emma, por exemplo. O vínculo que era para ser estritamente de uma mãe com seu filho, já tinha sido quebrado, o que diminuía a vontade, de ela mesma, amamentar a filha. 

Jessica se sentia péssima por não conseguir se aproximar da própria filha. Quando olhava para a Mel, não conseguia ver a si mesma. Via Andrew, June, Efrayn, Asa, os quatro irmãos que nunca decoraria os nomes e, para sua grande infelicidade, Antonella. Talvez se sua própria família tivesse marcado território na bebê, a advogada a sentiria sendo mais sua. 

Ao contrário de si mesma, Andrew estava sendo um excelente pai. A ruiva sempre soube que o inglês era ótimo com crianças, mas saber e vivenciar são coisas totalmente diferentes. Era fofo ver como ele já estava extremamente apegado a Mel e ela apegada a ele. 

Parte sua temia que um dia Andrew se desse conta de que é uma mãe muito pior que Antonella fora com Asa em meio a sua depressão pós-parto e a despreze. 

Por vezes, lembrava quando Emminha era apenas um bebê e se encaixava perfeitamente em seus braços. Era muito difícil ser mãe de primeira viagem, principalmente sendo tão jovem e com seu namorado ausente na maior parte do dia, mas de alguma forma, tudo era bem menos complicado e simples. 

Ninguém parecia conseguir entender o que se passava dentro de si. Era uma sensação sufocante de que alguma coisa estava errada e fora do lugar. Ela andava pela casa e aquele não parecia ser seu lar. Jessica se sentia uma impostora que havia invadido a vida daquele homem e da sua filha. Ainda por cima, ela nem conhecia Andrew tão bem. Uma verdade que doía tanto ouvir quanto aceitar, entretanto não havia como questionar. 

Para completar, se antes já se considerava uma péssima mãe, depois da visita das crianças, se sentiu ainda pior. Além de não saber impor limites, não conseguiu lidar com uma menininha de um ano e pouco, precisando o irmão dela intervir e chamar pela mãe. A humilhação estava lá, apesar de ter tentado esconder com um sorriso no rosto. Talvez tenha sido por isso que Deus havia lhe negado um filho por tantos anos. Porque sabia que seria uma péssima mãe. Se pudesse voltar o tempo teria usado o bendito preservativo e não teria engravidado.

Jessica virou o corpo para o outro lado e deu de cara com as costas do marido. 

Ele merecia mais. Muito mais. Andrew podia ter a mulher que quisesse e terminou preso com ela. Seus olhos encheram de lágrimas. Teria sido melhor se tivesse morrido na sala do parto. Não. Sua família deixou muito claro que aquilo não era verdade, então, nada de pensar em morte. Eventualmente, a ruiva acabou dormindo. 

- Choro de bebê - 

A sensação que teve foi que assim que fechou os olhos, a bebê chorou, apesar de não ter sido verdade. 

Andrew ameaçou levantar, mas Jessica tocou seu ombro. 

"Eu vou. Pode voltar a dormir."

Ele balbuciou algo que a ruiva não conseguiu entender e ela foi até o quarto da bebê. 

Jessica acendeu a luz do quarto, se aproximou do berço e pegou a bebê no colo. 

"Vamos ver se você se sujou?" Jessica levou a bebê até o trocador e verificou sua fralda. "Ok, vamos te trocar e você já vai se sentir melhor."

Jessica lavou a bebê e trocou sua fralda, porém o choro não cessou. "Você também tá com fome? Peraí, que já vou esquentar sua mamadeira. Eu não tenho leite ainda então você vai ter que aguardar um pouquinho, prometo que não muito." A ruiva devolveu a bebê ao berço, tirou o leite do freezer, esquentou em banho-maria e voltou para o quarto. Mel parecia estar chorando mais do que antes. 

Jessica sentou com a bebê na poltrona e tentou lhe dar a mamadeira, porém Mel não aceitou de jeito nenhum. "Não tá com fome? Então o que é? Febre?" A ruiva tocou o rostinho da bebê e não parecia estar quente. "O que você tem? Tá com alguma dor? Cólica?" A ruiva massageou a barriguinha da bebê e nada dela parar se chorar. Jessica estava entrando em pânico. O que será que havia de errado com a bebê? Era estranho como sempre soube o que fazer com a Emma, mas com aquela bebê não fazia a menor ideia. O choro incessante de Mel tava dando taquicardia na ruiva e ela começou a suar frio. 

"Toma." Se sentindo derrotada, a advogada entregou a bebê para o marido, que obviamente, não tinha voltado a dormir, e virou de costa para eles. Pouquíssimo tempo depois de Mel ir para os braços de Andrew, ela parou de chorar.

Jessica quis gritar de frustração, no entanto, se conteve em fechar a mão com força até suas unhas marcarem a palma da mão com sangue pisado.

No dia seguinte, Jessica mal conseguiu olhar para a cara do marido e da bebê. Ela se esgueirou pelos cantos para poder ficar sozinha.

No banho, ficou um tempão encarando a cicatriz da barriga enquanto a água corria do chuveiro e de seus olhos. 

Jessica saiu do banho, foi até a bancada do banheiro e puxou o canivete que tinha escondido, dias atrás. 

Sem pensar duas vezes, começou a fazer cortes aleatórios na barriga, descarregando toda a sua frustração naquela tarefa. A dor de seus cortes começaram a camuflar a dor de seu coração e um sentimento de satisfação inundou o interior da ruiva. 

Querendo e precisando de mais, passou o canivete perpendicularmente pela costura da cesárea, que ainda não havia terminado de cicatrizar. Mais sangue escorreu pela sua barriga. Jessica observou, em êxtase, todo aquele sangue empoçando na barriga. Depois fechou os olhos, ofegante, e abriu um sorriso. Quando voltou a abri-los, se deparou com muito sangue à sua volta e se assustou com a bagunça que fez. Era preciso estancá-lo. Jessica levantou a procura de gaze e esparadrapo tentando estancar o sangue com a mão, fazendo a maior lambança. 

Ela deu várias voltas com a gaze pela barriga e depois pegou a própria toalha de banho para limpar o chão, descartando-a, em seguida. Quando olhou para ver como estava seu curativo, viu que estava encharcado.

"M***a!" A ruiva xingou e pegou mais gaze. Jessica precisava ir para o pronto-socorro e estava ciente disso. Infelizmente, tinha ido longe demais e o sangramento não ia parar sozinho, sendo necessário, alguns pontos. A advogada terminou de se vestir e foi depressa até o quarto para colocar um casaco escuro por cima da roupa, que já estava manchada de sangue.

Jessica cruzou a sala, gritando rapidamente.

"Vou comprar leite de soja!"

"Ei, pera aí!" Andrew apareceu com a bebê no colo.

"A loja é aqui do lado. Vai ser rápido." Jessica ficava mais nervosa a cada segundo, igual quando mentia para a mãe.

"Deixa que eu vou pra você."

"Não precisa, você tá com a Mel e..." Jessica acompanhou o olhar do marido e viu sangue no chão. Seu sangue. "Eu me machuquei na quina do mármore do banheiro." Ela logo explicou. 

Os olhos de Andrew se encheram de lágrimas. 

Jessica queria se enterrar de tanta vergonha e humilhação. "É melhor eu ir." Ela se virou e começou a andar em direção à porta. 

"Não vá!" Andrew gritou. "Por favor..."

Jessica parou aonde estava e começou a chorar incontrolavelmente, de costas para seu esposo.

Andrew se aproximou e envolveu a ruiva num abraço com seu braço livre. 

"Eu me odeio!" Jessica falou entre soluços. 

"Que pena, mas eu te amo." Ele beijou sua cabeça. "Vai ficar tudo bem. Eu prometo." Jessica assentiu, se sentindo fraca e derrotada. 

Andrew pegou a bolsa da Mel rapidamente sem tirar os olhos da ruiva e depois a levou até o pronto-socorro. 

Quando chegaram no hospital, a ruiva já tinha perdido muito sangue e estava semiconsciente. Dr. Fernandes chamou a atenção para a gravidade do que fizera, pois há poucos meses atrás, tinha perdido muito sangue no parto, precisando até de transfusão. 

Em particular com o Andrew, disse para ele não se intimidar em interná-la numa reabilitação, caso fizesse isso de novo de forma tão destrutiva, pois aquele quadro caracterizava que a ruiva era um perigo a si mesma.