sábado, 1 de maio de 2021

Don't let me get me

So doctor, doctor won't you please prescribe me somethin'? 
A day in the life of someone else
Cause I'm a hazard to myself
Don't let me get me
I'm my own worst enemy
Its bad when you annoy yourself
So irritating
Don't wanna be my friend no more
I wanna be somebody else

                                                                    - Pink 

Mais um dia chegou ao fim. Não estava sendo fácil a readaptação à sua vida antiga. Jessica não sabia explicar, mas era como se houvesse alguma coisa muito errada com a sua vida. A bebê, que dormia tranquilamente no quarto ao lado, não parecia sua, todos diziam ser, então provavelmente era.

A advogada passara o dia inteiro tentando, ao máximo, ser uma boa esposa e uma boa mãe. Suas tentativas pareciam falhas, pois ninguém parecia acreditar, de fato, que estava sendo uma boa mãe ou esposa. 

A parte mais difícil do dia era dar mamadeira à bebê. Aquele leite, que alimentava e sustentava sua filha, era da ex-mulher de seu marido, a pessoa pela qual, morria de inveja. Mesmo que conseguisse produzir leite e amamentar Mel, nunca seria como foi amamentar Emma, por exemplo. O vínculo que era para ser estritamente de uma mãe com seu filho, já tinha sido quebrado, o que diminuía a vontade, de ela mesma, amamentar a filha. 

Jessica se sentia péssima por não conseguir se aproximar da própria filha. Quando olhava para a Mel, não conseguia ver a si mesma. Via Andrew, June, Efrayn, Asa, os quatro irmãos que nunca decoraria os nomes e, para sua grande infelicidade, Antonella. Talvez se sua própria família tivesse marcado território na bebê, a advogada a sentiria sendo mais sua. 

Ao contrário de si mesma, Andrew estava sendo um excelente pai. A ruiva sempre soube que o inglês era ótimo com crianças, mas saber e vivenciar são coisas totalmente diferentes. Era fofo ver como ele já estava extremamente apegado a Mel e ela apegada a ele. 

Parte sua temia que um dia Andrew se desse conta de que é uma mãe muito pior que Antonella fora com Asa em meio a sua depressão pós-parto e a despreze. 

Por vezes, lembrava quando Emminha era apenas um bebê e se encaixava perfeitamente em seus braços. Era muito difícil ser mãe de primeira viagem, principalmente sendo tão jovem e com seu namorado ausente na maior parte do dia, mas de alguma forma, tudo era bem menos complicado e simples. 

Ninguém parecia conseguir entender o que se passava dentro de si. Era uma sensação sufocante de que alguma coisa estava errada e fora do lugar. Ela andava pela casa e aquele não parecia ser seu lar. Jessica se sentia uma impostora que havia invadido a vida daquele homem e da sua filha. Ainda por cima, ela nem conhecia Andrew tão bem. Uma verdade que doía tanto ouvir quanto aceitar, entretanto não havia como questionar. 

Para completar, se antes já se considerava uma péssima mãe, depois da visita das crianças, se sentiu ainda pior. Além de não saber impor limites, não conseguiu lidar com uma menininha de um ano e pouco, precisando o irmão dela intervir e chamar pela mãe. A humilhação estava lá, apesar de ter tentado esconder com um sorriso no rosto. Talvez tenha sido por isso que Deus havia lhe negado um filho por tantos anos. Porque sabia que seria uma péssima mãe. Se pudesse voltar o tempo teria usado o bendito preservativo e não teria engravidado.

Jessica virou o corpo para o outro lado e deu de cara com as costas do marido. 

Ele merecia mais. Muito mais. Andrew podia ter a mulher que quisesse e terminou preso com ela. Seus olhos encheram de lágrimas. Teria sido melhor se tivesse morrido na sala do parto. Não. Sua família deixou muito claro que aquilo não era verdade, então, nada de pensar em morte. Eventualmente, a ruiva acabou dormindo. 

- Choro de bebê - 

A sensação que teve foi que assim que fechou os olhos, a bebê chorou, apesar de não ter sido verdade. 

Andrew ameaçou levantar, mas Jessica tocou seu ombro. 

"Eu vou. Pode voltar a dormir."

Ele balbuciou algo que a ruiva não conseguiu entender e ela foi até o quarto da bebê. 

Jessica acendeu a luz do quarto, se aproximou do berço e pegou a bebê no colo. 

"Vamos ver se você se sujou?" Jessica levou a bebê até o trocador e verificou sua fralda. "Ok, vamos te trocar e você já vai se sentir melhor."

Jessica lavou a bebê e trocou sua fralda, porém o choro não cessou. "Você também tá com fome? Peraí, que já vou esquentar sua mamadeira. Eu não tenho leite ainda então você vai ter que aguardar um pouquinho, prometo que não muito." A ruiva devolveu a bebê ao berço, tirou o leite do freezer, esquentou em banho-maria e voltou para o quarto. Mel parecia estar chorando mais do que antes. 

Jessica sentou com a bebê na poltrona e tentou lhe dar a mamadeira, porém Mel não aceitou de jeito nenhum. "Não tá com fome? Então o que é? Febre?" A ruiva tocou o rostinho da bebê e não parecia estar quente. "O que você tem? Tá com alguma dor? Cólica?" A ruiva massageou a barriguinha da bebê e nada dela parar se chorar. Jessica estava entrando em pânico. O que será que havia de errado com a bebê? Era estranho como sempre soube o que fazer com a Emma, mas com aquela bebê não fazia a menor ideia. O choro incessante de Mel tava dando taquicardia na ruiva e ela começou a suar frio. 

"Toma." Se sentindo derrotada, a advogada entregou a bebê para o marido, que obviamente, não tinha voltado a dormir, e virou de costa para eles. Pouquíssimo tempo depois de Mel ir para os braços de Andrew, ela parou de chorar.

Jessica quis gritar de frustração, no entanto, se conteve em fechar a mão com força até suas unhas marcarem a palma da mão com sangue pisado.

No dia seguinte, Jessica mal conseguiu olhar para a cara do marido e da bebê. Ela se esgueirou pelos cantos para poder ficar sozinha.

No banho, ficou um tempão encarando a cicatriz da barriga enquanto a água corria do chuveiro e de seus olhos. 

Jessica saiu do banho, foi até a bancada do banheiro e puxou o canivete que tinha escondido, dias atrás. 

Sem pensar duas vezes, começou a fazer cortes aleatórios na barriga, descarregando toda a sua frustração naquela tarefa. A dor de seus cortes começaram a camuflar a dor de seu coração e um sentimento de satisfação inundou o interior da ruiva. 

Querendo e precisando de mais, passou o canivete perpendicularmente pela costura da cesárea, que ainda não havia terminado de cicatrizar. Mais sangue escorreu pela sua barriga. Jessica observou, em êxtase, todo aquele sangue empoçando na barriga. Depois fechou os olhos, ofegante, e abriu um sorriso. Quando voltou a abri-los, se deparou com muito sangue à sua volta e se assustou com a bagunça que fez. Era preciso estancá-lo. Jessica levantou a procura de gaze e esparadrapo tentando estancar o sangue com a mão, fazendo a maior lambança. 

Ela deu várias voltas com a gaze pela barriga e depois pegou a própria toalha de banho para limpar o chão, descartando-a, em seguida. Quando olhou para ver como estava seu curativo, viu que estava encharcado.

"M***a!" A ruiva xingou e pegou mais gaze. Jessica precisava ir para o pronto-socorro e estava ciente disso. Infelizmente, tinha ido longe demais e o sangramento não ia parar sozinho, sendo necessário, alguns pontos. A advogada terminou de se vestir e foi depressa até o quarto para colocar um casaco escuro por cima da roupa, que já estava manchada de sangue.

Jessica cruzou a sala, gritando rapidamente.

"Vou comprar leite de soja!"

"Ei, pera aí!" Andrew apareceu com a bebê no colo.

"A loja é aqui do lado. Vai ser rápido." Jessica ficava mais nervosa a cada segundo, igual quando mentia para a mãe.

"Deixa que eu vou pra você."

"Não precisa, você tá com a Mel e..." Jessica acompanhou o olhar do marido e viu sangue no chão. Seu sangue. "Eu me machuquei na quina do mármore do banheiro." Ela logo explicou. 

Os olhos de Andrew se encheram de lágrimas. 

Jessica queria se enterrar de tanta vergonha e humilhação. "É melhor eu ir." Ela se virou e começou a andar em direção à porta. 

"Não vá!" Andrew gritou. "Por favor..."

Jessica parou aonde estava e começou a chorar incontrolavelmente, de costas para seu esposo.

Andrew se aproximou e envolveu a ruiva num abraço com seu braço livre. 

"Eu me odeio!" Jessica falou entre soluços. 

"Que pena, mas eu te amo." Ele beijou sua cabeça. "Vai ficar tudo bem. Eu prometo." Jessica assentiu, se sentindo fraca e derrotada. 

Andrew pegou a bolsa da Mel rapidamente sem tirar os olhos da ruiva e depois a levou até o pronto-socorro. 

Quando chegaram no hospital, a ruiva já tinha perdido muito sangue e estava semiconsciente. Dr. Fernandes chamou a atenção para a gravidade do que fizera, pois há poucos meses atrás, tinha perdido muito sangue no parto, precisando até de transfusão. 

Em particular com o Andrew, disse para ele não se intimidar em interná-la numa reabilitação, caso fizesse isso de novo de forma tão destrutiva, pois aquele quadro caracterizava que a ruiva era um perigo a si mesma. 

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