domingo, 15 de novembro de 2020

Bonding

 Jessica havia ligado dizendo que queria se encontrar. Emma estava com medo de encontrá-la face a face e acabar revelando seu grande dilema, apesar de que teria que contar, eventualmente. Não é como se ela pudesse embarcar num avião até o Canadá e esperar que sua madrinha não desse sua falta. Mas ainda assim, ela teria que contar do jeito certo, na hora certa.

Jessica buscou a menina de uber na casa de seus pais e as duas seguiram destino até ao antigo apartamento da advogada, sob o pretexto de que precisava buscar um documento importante para enviar para o seu escritório.

Uma vez na casa, dentro do quarto, Jessica revirava o armário às avessas em busca do tal documento.

"Eu jurava que tava aqui!" Jessica exclamou frustrada, colocando caixas e mais caixas em cima da cama.

"E deve tá. O que tem nessas caixas?" Emma estava sentada na cama, observando a bagunça que sua dinda estava fazendo e pensando que provavelmente sobraria para ela organizar tudo de volta.

"De tudo um pouco. Tem coisas que a gente vai acumulando e depois quando se dá conta já perdeu o controle."

Emma abriu uma das caixas e realmente tinha de tudo um pouco. Artigos de bazar, canetas, cartões de aniversário e por aí vai.

"Eu achava que você fosse mais organizada do que isso."

"Ei, se tá dentro de uma caixa, não é bagunça." Jessica se defendeu.

"Que bom que você acredita nisso." Emma falou debochada. 

"Fielmente."

Jessica continuou revirando o armário e Emma olhando os conteúdos das caixas.

"Que lindo!"

Jessica se virou para ver o que era e viu que se tratava de um terço de ouro. 

"Você gostou?" Jessica se aproximou da menina.

"Muito! Por que você deixa ele guardado?" Emma examinou o delicado item na mão. "Tem algo gravado nele. Emily. Era da sua irmã?"

"Sim." A advogada respondeu hesitante.

Emma percebeu o desconforto da madrinha ao mencionar o nome da irmã e achou melhor não permanecer falando de algo que pertencera a ela. "Eu vou guardar."

"Não! Eu quero que você fique."

"Eu achei ele bonito, mas não quero pra mim."

"Não?"

Sua dinda pareceu evidentemente chateada.

"Não. Não não de eu não quero, mas não de não precisa. É sua lembrança da sua irmã, você que deveria ter." Emma se explicou.

"Eu já tenho várias lembranças da minha irmã. Eu quero que essa fique com você." Jessica enunciou. "Me faria feliz." Ela acrescentou. 

"Tudo bem." Emma não entendeu o porquê de sua dinda fazer tanta questão que ela tivesse um pertence de sua falecida irmã, mas se fazia-a feliz, ela aceitaria de bom grado e até usaria para rezar, às vezes.

"Ótimo." Jessica sorriu satisfeita e se virou para continuar a busca pelo documento perdido. 

"Dinda, acho melhor você dar uma pausa. Não acho que você deva ficar tanto tempo em pé." Emma disse preocupada.

"Eu tô bem."

"Cinco minutos, pelo menos. Depois você volta." Emma insistiu.

"Tá bom."

Jessica afastou algumas caixas e se espremeu do lado da afilhada na cama.

"Você tem se sentido bem?"

Emma não conseguia evitar, mas enquanto durasse a gestação, ela ficaria neurótica com o bem-estar da madrinha e sua saúde.

"Sim, Emma!"

A menina achava graça quando sua madrinha respondia com o tom que os filhos usam para responderem os pais.

"Sem enjoos, pressão baixa ou febre?"

"Não, sem nenhuma dessas coisas. Cruzes, você consegue ser pior que eu!"

"Eu não quero que nada de ruim aconteça com você."

"E não vai." Jessica alisou o rosto da menina e plantou um beijo.

"Eu te amo, dinda."

Emma se sentia emotiva, provavelmente pela possível separação das duas. A menina entrelaçou os dedos das duas e apoiou a cabeça no seu ombro.

"Eu também te amo, mais que tudo." Jessica tinha o hábito de enfatizar o tamanho de seu amor pela menina, para que a mesma nunca tivesse dúvida dele. A advogada beijou o topo da cabeça da afilhada e aproveitou o conforto que a sua proximidade trazia. 

Em algum instante, no meio do momento terno das duas, a bebê se mexeu. 

"Você sentiu, Em?" Jessica abaixou a cabeça para olhar sua afilhada. 

"Senti." Ela sorriu. "E eu nem precisei fazer o ritual todo do Channing." Emma virou o corpo se apoiando pelo cotovelo para ter uma visão melhor da sua madrinha. 

"Nem me fale dele. Alguém tem que fazer esse garoto parar de malhar, urgentemente."

Emma riu. 

"Eu gosto."

"Eu sei que você gosta." Jessica apertou o nariz da garota. 

"Você também gostou."

"Eu?" Jessica arqueou as sobrancelhas. 

"Nem adianta negar."

"Claro que eu vou negar! Aquilo é um exagero!"

Jessica e Emma ficaram discutindo sobre a advogada gostar ou não dos músculos de Channing e depois sobre outras coisas. O momento fora muito agradável e de certa forma, perfeito, o que tornava a decisão da menina ainda mais difícil. 

I'm moving to Engl.. Canada

Era tarde da noite e a ruiva escutou três batidas na sua porta e depois o barulho da porta abrindo.

"Emma, você tá acordada?" Jeff perguntou da porta.

"O que foi?" Emma perguntou confusa.

"Eu e a sua mãe queremos conversar com você."

"Eu tô acordada." Emma não sabia o motivo da conversa, mas provavelmente não seria algo bom.

"Ótimo. Vou chamar sua mãe."

Depois de poucos minutos Jeff voltou para o quarto da filha com Krista logo atrás. Eles acenderam as luzes e se sentaram na cama da ruiva.

Emma olhou para eles ansiosa.

"Filha, como você sabe, seu pai e eu vamos para o Canadá no final do mês."

"Sim."

"A gente não mencionou o tempo que ficaremos lá." Krista segurou a mão da filha.

"Até a vacina ficar pronta." Emma respondeu.

"A gente vai ficar 2021 todo lá." Jeff falou logo, tirando o band-aid de uma vez só.

"O ano todo? Mas por quê?" Emma falou confusa.

"Porque fomos convidados a compor uma nova equipe." Krista respondeu.

"E vocês aceitaram?" As lágrimas de Emma já estavam caindo.

"Filha, vai ser bom pra nossa carreira." Krista acariciou a mão da menina.

"E eu?" Emma se sentia estúpida fazendo aquela pergunta.

"É isso que a gente veio falar com você. A gente quer que você vá com a gente. Vai ser tão bom! Vamos ficar juntos de novo, como nos velhos tempos." Krista falou animada.

"E o Bryce?"

"Já falamos com o Bryce. Ele vai com a gente." Jeff respondeu.

"Só falta você." Krista olhou-a carinhosamente.

"Vocês querem que eu largue tudo e vá morar com vocês no Canadá no final do mês?" Emma ainda tentava processar a informação.

"Eu sei que parece muita coisa, mas você vai se adaptar bem lá. E o mais importante, a nossa família vai tá reunida de novo. Você não quer isso?" Jeff argumentou.

"É óbvio. Mas vocês podiam ficar aqui. Fazer o trabalho de vocês aqui. A gente nem precisaria ter se separado em momento nenhum se vocês não tivessem colocado na cabeça saírem daqui."

"Esse é o nosso trabalho, Emma. Você acima de todas as pessoas deveria entender isso. Que espécie de cientista você quer ser se não consegue nem entender os sacrifícios da nossa profissão?" Jeff retrucou.

"Quer saber? Não, eu não entendo."

"Você tá assim porque você não quer deixar aqueles seus padrinhos perdidos." Krista disse com amargor.

"Krista, vamos deixar ela pensar na proposta." Jeff apoiou a mão no ombro da mulher.

"Tudo bem." Krista concordou.

"Vamos deixar você amadurecer a ideia." Jeff informou e Emma concordou.

Na escola, Emma agiu naturalmente durante toda a manhã, como se nada tivesse atordoando sua cabeça.

À tarde, a ruiva estava na sala do Grêmio, montando no Excel uma planilha de previsão de gastos para a próxima peça. Ryan estava na outra mesa trabalhando na adaptação de Frozen. O ambiente estava terrivelmente silencioso e Emma parecia estranha, talvez retraída demais. Ryan a observou por alguns segundos antes de fazer a coisa no qual estava tentando tomar coragem. 

"Qual foi o primeiro single do Deep Purple?"

"Hã?" Emma levantou a cabeça perdida.

"Deep Purple. Primeiro single. Qual foi?"

"Não sei. Hush?"

"Pode ser. Vou ter que procurar."

Emma assentiu e voltou a olhar para a tela do computador. Ryan não se dando por vencido arrastou a cadeira para o seu lado.

"O que você tá fazendo?" Ryan olhou a planilha tentando fazer senso das informações.

"Uma previsão de gastos. Acho que a gente gastou muito na primeira peça. Quero ver se a gente gasta menos nessa." Emma explicou.

"Entendi. Tá tudo bem com você? Eu tô te achando meio caída." Ryan falou enquanto rodava um lápis nos dedos.

"Eu to bem." Emma mentiu.

"Ok."

Emma continuou trabalhando na planilha e Ryan permaneceu quieto ao seu lado, até decidir falar de novo.

"Eu te comprei algo."

"O quê? Por quê?" Emma virou a cabeça para olhá-lo.

"Porque foi o seu aniversário. Eu queria ter te dado antes, mas eu comprei na internet e só chegou ontem." Ryan explicou timidamente.

"Você não precisava me comprar nada."

"Não é nada demais. É mais uma lembrancinha de recordação." Ryan titubeou nervoso.

"Tudo bem" 

Emma observou Ryan tirar uma pequena caixa com um laço do bolso.

"Feliz aniversário." Ryan entregou o pacote para a menina.

"Obrigada."

Emma abriu a pequena caixa e viu um par de brincos, todo coloridinho e em formato de floco de neve.

"É um presente pelo seu aniversário e por ter conseguido o papel principal na peça. Você vai ser uma bela Elsa." Ryan explicou.

"É lindo." Emma analisou o par de brincos por um momento e considerou o gesto do amigo adorável. 

"Eu imaginei que você podia usar os brincos no dia da apresentação da peça." Ryan expôs seu desejo. "Se você quiser, é claro." Ele acrescentou. 

"Eu não acho que vá fazer a peça." Emma contou despretensiosamente. 

"Como assim? Por causa das músicas? A gente treina! Vai ficar lindo let it go numa voz rouca. Revolucionário até." Ryan tentou dissuadí-la. 

"Não é isso." Emma respirou fundo e guardou os brincos de volta na caixa. "Meus pais vão se mudar pro Canadá no ano que vem e querem que eu vá junto. Eles não chegaram me obrigar a ir, mas me deram a opção e eles são os meus pais e eu não sei se consigo ficar mais um ano sem eles."

"Ah." Ryan não sabia o que dizer. Pedir pra ela ficar pareceria egoísmo, mas não dizer nada e deixá-la simplesmente ir, também não soava a coisa certa a fazer. "Por quanto tempo?" Ryan falou, por fim. 

"Eles falaram que até o final do ano que vem, mas honestamente, eu não sei. A princípio eles iam ficar pouco tempo fora na última viagem e já faz quase dois anos."

"Mas você ainda não decidiu?" 

"Não completamente."

"E quando você iria?" 

"No final desse mês."

"Que m***a!" Ryan resmungou, frustrado. 

"Eu sei." Emma viu a cara de desapontado do Ryan e se sentiu mal por ter mencionado seu dilema a ele. "Não temos que pensar nisso agora. Eu ainda tenho alguns dias antes de decidir alguma coisa."

"O Canadá é frio, você odiaria lá."

"Acho que o frio não seria bem um problema pra mim."

"E tem crise de personalidade linguística. Por que não decidem se falam inglês ou francês? Por que confundir a cabeça das pessoas com dois idiomas?" 

"Isso realmente é muito problemático." Emma tentou conter o sorriso que estava se formando nos lábios. 

"E qual é daquela folha no meio da bandeira deles?" 

"É folha de bordo. É de uma árvore muito comum no Canadá."

"Achei de mau gosto."

"Entendo."

"Vai ser uma grande m***a se você for embora." Ryan admitiu. 

"Talvez eu nem vá."

"Mas você quer ir."

"Na verdade não."

"Eu queria poder fazer alguma coisa pra você ficar."

"Você já tá fazendo."

"E tá funcionando?" 

Emma fez que sim com a cabeça, mordendo de leve o lábio inferior daquele modo que a ruiva costumava fazer de forma inconsciente. Isso trouxe a atenção de Ryan para seus lábios. Ele observou-a hipnotizado, se perguntando o que deveria fazer em seguida. Emma,  então, decidiu falar, quebrando seus devaneios. 

"Eu vou pra casa." Emma se levantou e começou a arrumar suas coisas. 

"Certo. Te vejo amanhã?" 

"Claro." Emma segurou seus livros no braço e caminhou até a porta. 

"Então até amanhã." Ryan falou, de seu lugar. 

"Até amanhã, Ryan."

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Vows

Os recém-casados estão mostrando que chegaram para ficar. Na última sexta-feira, nossa advogada ruiva preferida, surpreendeu o marido antes de dormir com novos votos de casamento. Jessica estava na maior sessão de makeout com o esposo quando de repente revelou ter escrito algo pra ele. O professor de inglês ficou surpreso e Jessica tirou uma folha de papel de dentro da gaveta da cabeceira, sem sair de cima dele. Conseguimos na íntegra o texto de Jessica para seu marido. Leia abaixo:

Ao meu marido Andrew Benjamin Chastain (ela abriu um sorriso enorme ao mencionar o novo sobrenome compartilhado pelos dois) Butterfield.

Gostaria de dizer que me sinto muito feliz de ter me casado com você e ser sua esposa. 

Eu sei que parece que tudo aconteceu muito rápido e que tomamos essa decisão baseado num momento de impulsividade, mas só quem viveu sabe que não foi, no caso, a gente mesmo. 

Quando eu te conheci, eu era uma pessoa totalmente diferente. Não exatamente cem por cento diferente, mas eu definitivamente era uma pessoa bem mais amarga. Eu achava que estava destinada a ficar sozinha pelo resto da vida e por mais que já tivesse em termos com isso, ainda assim, ficava triste.

Quando fomos designados a ser padrinhos do Brian, éramos completos estranhos tentado chegar num meio-termo em como iríamos educá-lo para o mundo cristão. Tudo parecia muito insano e bem provável de dar errado. Para minha surpresa, já na primeira vez que conversamos, eu me vi muito em você. Não querendo dizer que você era triste e amargo como eu, mas eu vi no seu olhar dois velhos conhecidos meus: A desesperança e o conformismo. 

Inevitavelmente, a gente ficou bem próximo super rápido. A lista de coisas em comum que a gente tinha foi crescendo e a nossa amizade se materializando e solidificando. Mesmo nos conhecendo por pouco tempo era extremamente fácil e muito gostoso passar o tempo juntos. 

Acho que eu me senti atraída por você desde o primeiro dia, apesar de que se me perguntassem na época, eu iria negar até a morte.

Eu lembro de precisar contar pra você todos os acontecimentos grandes da minha vida. Eu valorizava muito a sua opinião e queria saber se você continuaria gostando de mim, caso eu não fosse tão certinha como me descreviam. 

Em pouco tempo evoluímos de completos estranhos, para bons amigos, companheiros, confidentes, namorados, pais, noivos e, por fim, casados.

Me sinto privilegiada de ser sua mulher e de poder estar com você na alegria e na tristeza.

Eu prometo cuidar de você, te apoiar, ser sua rocha, te encorajar quando você se sentir temeroso, te honrar e lembrá-lo todos os dias do meu amor e do meu afeto. 

Eu não sei do futuro, mas desde que eu comece e termine todos os dias ao seu lado, caminhando junto a você e compartilhando os momentos únicos e singulares que eu sei que Deus reservou pra gente, eu vou me sentir a mulher mais feliz e completa do mundo. 

Espero que um dia sejamos como aqueles casais de velhinhos fofos que ainda se olham com respeito, admiração, paixão e que ainda se beijam na boca. 

Eu te amo muito, cada parte sua, cada dia mais. Até o libertino do Andrew e o cansado do Ben.  

Nossa filha também quis participar dos votos e disse que está muito feliz que os pais dela estão casados, que te ama muito e que adora as minhas piadas. 

A propósito, gostamos do nome Mel, que exprime toda a doçura que ela é na nossa vida, só falta o papai concordar! 

Da sua, Jessica. 

Ah, o amor!