segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Put the fire down for the love of a daughter

“Ela ta grávida.”

“Provavelmente.”, respondeu Asa dando de ombros.

Crystall sentiu os olhos arderem. Mais uma criança. Mais um irmão. E de outro homem. Sua mãe era uma daquelas mulheres que tinha um filho de cada homem. Que decepção!

“Às vezes...”. Asa olhou para ela, o que a fez se deter. Os dois ficaram se olhando, mas quando Asa percebeu que Crystall não continuaria a frase, voltou a olhar para a mesa. 

A menina odiava a tranquilidade do irmão. Parecia que ele não se importava com nada que acontecia naquela família. Ele era tão apático. Ou talvez, ele já esperasse que algo assim acontecesse, por não esperar nada de sua mãe. 

“Às vezes gostaria que ela não fosse a minha mãe.” Crystall por fim falou.

Sem olhar para ela, Asa respondeu: “Se você não fosse filha dela, você não existiria.”

Não era essa a questão. Ele certamente havia entendido o que ela queria dizer, mas preferiu desconversar. 

“Talvez eu preferisse não existir.”

A frase não estava mais longe da verdade, mas Crystall estava se sentindo dramática e no drama vale tudo. 

Entretanto, seu interlocutor era o Asa, por isso não recebeu uma resposta. Parecia que ele nem havia escutado o que ela acabara de dizer. Será que ele tinha escutado o que ela disse?

“Talvez eu preferisse não existir.”

“Eu escutei da primeira vez.”

Maldito!

“E não vai dizer nada?”

“Nem você acredita nisso...”

Mas Crystall acreditava muito naquilo. Ela queria uma família de comercial de margarina, mas o comportamento da mãe era pecaminoso, sujo e isso a fazia se sentir muito mal.

“Talvez não, mas eu realmente queria que ela não fosse a minha mãe.”

“Só porque ela pode estar grávida?”

“Sim! E porque ela é uma estraga-família! Ela estragou a sua, Asa! Vê como o Andrew e a Jessica são felizes agora.”

“Estão felizes agora.”, Asa corrigiu.

Crystall percebeu a alfinetada ao casal, mas decidiu ignorar, porque o ponto não era aquele.

“O ponto não é esse. O ponto é que ela estragou a sua família. Você, seu pai e sua mãe.”

“Mas me deu as minhas irmãs.”

“Você poderia ter tido outras irmãs sem ela ter se divorciado do seu pai.”

“Mas aí nenhuma delas seria você.”

Touché. Crystall quis sorrir com o comentário. Ele tinha dito de propósito, certamente, até porque Asa não era dado a sentimentalidades. Mas ela gostou. Gostou, principalmente, pois Asa era o seu irmão favorito e ela não tinha a menor vergonha de achar isso.

“Olha... nossa mãe, apesar dos defeitos dela, é melhor que a maioria das mães. Ela daria a vida por cada um de nós. Mesmo que eu ache que ela já tem muitos filhos e deu mais uma bola fora, isso não apaga o fato de que nos momentos que eu mais precisei, ela esteve comigo. Ela é uma boa pessoa, só é...”

“Foguenta”, Crystall concluiu. 

“Eu ia dizer carente.”, Asa a corrigiu. “Mas, sabe, eu não acho que tem problema nenhum você se sentir dessa forma em relação à minha mãe. Você está dizendo isso porque está chateada e é seu direito.”

“Não sei como eu nasci tão moralista.”

“Nem eu! Ninguém aqui é moralista.”

O interfone tocou. Asa foi atender. Crystall ainda escutava a mãe vomitando no banheiro. Tinha dito que devia ter sido algo que ela comeu no Ano Novo. Provavelmente a torta vegana de Jessica, ela disse aos risos e vômitos. Essa passiva-agressividade com Jessica eta ridícula, até porque a ruiva era muito mais decente que a mãe. Nisso, Antonella perdia de lavada. 

Asa voltou segurando o saco com os remédios da farmácia que a mãe tinha pedido. Ele mostrou para Crystall o  teste de gravidez. Então, pelo o que parecia, sua mãe também desconfiava que poderia estar grávida. 

Ele guardou novamente o teste no saco e foi em direção ao banheiro falar com a mãe.

“Será que a mamãe vai ficar bem?”, perguntou Daisy, que tinha acabado de sair do quarto.

“Deve ficar.”, respondeu Crystall.

Daisy deitou no colo da irmã. Crystall gostava dela. A chata mesmo era a Joy.

Asa voltou para a sala e se sentou de volta no seu lugar. 

“Quantos testes?”, perguntou a garota sem fazer som.

Asa fez o número quatro com a mão.

Então o que restava era esperar e ver se a mãe daria a notícia para eles logo depois ou se ela ligaria para Calvin primeiro. Provavelmente, ele começaria a morar ali e Crystall nunca mais se sentiria em casa. Isso, claro, até Antonella trai-lo com outro homem e engravidar desse outro. Ela deveria ligar logo as trompas.

Passado uns 10 minutos, Antonella saiu do banheiro, com uma cara péssima. Sem cerimônia, ela falou:

“Boa notícia: não to grávida. Notícia ruim: estou com Covid. Liguem para os pais de vocês. Talvez, Asa, seja melhor você ficar com o John, porque a Jessica ta grávida e há uma chance de vocês terem pego também. Vão precisar fazer o teste. Façam o top que não tem margem de erro. Se der positivo, vocês ficam comigo. Se der negativo, com os pais de vocês. Eu vou me deitar um pouquinho. Não to me sentindo muito bem.”

Crystall ficou feliz e assustada ao mesmo tempo. Bem, melhor Covid do que gravidez, não? Covid não estava tão perigoso quanto antes. A mãe ficaria bem.

“Vou ligar para o meu pai.”, disse Crystall alegre. 

“Nunca vi alguém tão feliz pela outra estar com Covid”, observou Daisy, que trocou olhares suspeitos com Asa.

“Dos males o menor, maninha. Dos males o menor!”, falou ela saindo da sala. Daisy foi atrás da irmã. 

Asa, ao se ver sozinho, pegou o celular e foi até os seus contatos fazer uma ligação. O telefone começou a tocar. Pouco tempo depois veio a resposta:

“Alô?”

“Alô, Calvin? Aqui é o Asa, filho da Atonella...”