domingo, 16 de maio de 2021

Seis meses depois do sim

Onde estava com a cabeça quando concordou que sua afilhada pintasse a parede de preto? Toda vez era isso. A primeira coisa que fazia ao entrar no quarto da adolescente era olhar furiosamente para a parede pintada de preto. Será que tinha como consertar? Colocar fotos por toda a parede? Pintar de branco e que se f***? Ela precisava de ideias para tornar aquela parede menos agressiva. 

Jessica digitou: parede preta quarto no google e viu várias fotos de quartos bonitos e modernos com uma parede preta. Então era isso. Só teria que ligar para Tâmara e pedir para ela fazer alguma magia no quarto da afilhada. 

"Pode deixar comigo, Jessie. Você vai adorar o que eu vou fazer no quarto da Emminha." Tâmara garantiu do outro lado da linha. 

"Você vai tá me livrando de uma bela enxaqueca." Jessica respondeu, revirando as coisas da afilhada em cima da escrivaninha. 

"Sempre dramática." Tâmara riu. 

"Nem vou responder a isso. Manda um beijo pro Lucas."

"Pode deixar. Manda um pro seu marido também e um abraço gostoso na Melzinha. Aliás aquela foto que você postou no grupo foi uma fofura!"

"Né? Já perdi a conta de quantas fotos da Mel eu tenho no meu telefone."

"E é daí pra pior."

"Verdade."

"Mais tarde eu te mando o 3D do projeto."

"Tá bom."

"Tchauzinho."

"Tchau."

Jessica desligou o celular e observou o quarto da afilhada. Ela não via a hora da menina voltar a morar consigo. A única coisa negativa seria tirá-la do Bradley que parecia precisar da afilhada tanto quanto ela.

Entretanto, ter suas duas meninas por perto ajudaria a desviar sua atenção de seu casamento caindo aos pedaços. Cada vez mais o divórcio virava mais uma realidade do que uma possibilidade. A advogada odiava a ideia de um segundo divórcio, mas pelo menos sendo no início, evitava grandes complicações judiciais. A divisão de bens seria simples, cada um ficaria com o seu próprio patrimônio, pois não adquiriram nada após o casamento, a não ser a casa, que honestamente, não podia ligar menos. Que ficasse com o Andrew ou doassem para os pobres, tanto fazia. Outro inconveniente seria voltar com o nome de solteira, mas também, não seria nenhum bicho de sete cabeças. O verdadeiro problema seria a Mel. Ela já tinha conversado antes que partilharia a guarda da filha. Só que a bebê tinha apenas poucos meses de vida, e bem, não tinha como dividir a guarda em seu primeiro ano. Andrew teria que esperar Mel fazer pelo menos dois para começarem a compartilhar a custódia. Ele não gostaria muito disso, mas não tinha muito a ser feito. Bebês precisam da mãe. 

Jessica acabou derrubando a agenda da afilhada sem querer, quando se abaixou para pegar, viu uma foto dela com os pais e o Bryce saindo de dentro. A ruiva encarou a foto se sentindo, de repente, furiosa. Se não fosse o rostinho lindo da Emma, ela teria rasgado a foto e jogado fora. No entanto, pegou-a para si e colocou a agenda no lugar. Quando estava indo em direção ao seu quarto, ouviu Mel chorar. Ela dobrou a foto, colocou no sutiã e foi ver o que sua bebê queria. 

Era fome. Finalmente, Jessica estava aprendendo a identificar os choros da filha. 

"Tem um gosto diferente né? Mas logo logo você se acostuma. Mamãe também está perto de produzir então você vai parar de depender do leite de outras mulheres e vai ter o da sua mãe, feito especialmente pra você."

Pouco tempo depois de mamar, Mel Benjamin voltou a chorar. 

"O que aconteceu pra você tá manhosa assim?" Jessica alisou a cabecinha da bebê. "Quer que eu cante uma música? Sim? Então tá. Só não julga a mamãe porque ela tá um pouco enferrujada." Jessica mudou a bebê de braço e começou a cantar:

Não tenha medo, pare de chorar

Me dê a mão, venha cá (Ela pegou a mãozinha da bebê.)

Vou proteger-te de todo mal

Não há razão pra chorar

No seu olhar eu posso ver

A força pra lutar e pra vencer

O amor nos une para sempre

Não há razão pra chorar

Pois no meu coração

Você vai sempre estar

O meu amor contigo vai seguir

No meu coração, aonde quer que eu vá

Você vai sempre estar aqui. Aqui. 

"Gostou, neném?" Jessica sorriu para a bebê que olhava atentamente para ela. "Sua irmã também amava essa música. Acho que vocês vão ter muitas coisas em comum. Só espero que ela não te ensine a gostar de paredes pretas porque já basta uma. Ai, mas como você é linda!" A ruiva beijou sua filhinha e depois foi para a sala com ela. 

Andrew estava sentado no sofá lendo um livro. 

"Seu pai lendo como sempre. Sabia que ele vai ganhar um jabuti esse ano? E não, não é aquele animal que parece uma tartaruga."

Jessica brincou enquanto sentou com Mel no outro sofá. 

"Eu não disse que ia ganhar." Andrew rebateu. 

"Se não ficar acima do sexto, nem fala comigo." Jessica chacoalhou os bracinhos da bebê. 

"Não finge que você não ficaria feliz com isso."

"Na verdade não. Acho bom outras pessoas experimentarem um pouco do sucesso." Ela disse convencida. 

"Sair numa revista que ninguém lê, dificilmente é visto como sucesso."

"Viu como seu pai é invejoso?" Jessica falou no ouvido de Mel como se estivesse contando um segredo. 

Era estranho como ela e seu marido aparentemente estavam se dando bem, mas por dentro desmoronavam. Seu novo psicólogo havia dito que os dois não se amavam, Jessica não sabia dizer quanto ao Andrew, mas ela sentia que o amava. Porém, ficava triste por achar que o inglês não sentia o mesmo, ou ainda pior, que a odiava. Não era tão difícil ser odiada. Sua vida inteira foi odiada pela mãe, e bem, até que deu para sobreviver. Ser odiada pelo marido não era a pior coisa do mundo. Ela já estava acostumada ao sentimento. O problema é que isso estava custando seu casamento. Se mudasse de estratégia, talvez conseguisse salvá-lo. A advogada teria que fazer com que ele se apaixonasse. Mas como se ele já conhecia seus defeitos? Ela teria que mudar. Ser mais agradável, menos depressiva e quem sabe mais sexy? O sexy teria que ficar para depois, pois estava se sentindo tudo menos sexy no momento. 

Salvar seu casamento... 

"Amor, vai querer o que pro jantar?" 

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