sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Mais uma reunião

Alívio. A caminho da reunião dos Viciados Anônimos, o corpo todo de Jessica emanava alívio.  Não é que a ruiva não amasse seus filhos. Eles eram indiscutivelmente as coisas mais importantes de sua vida. Entretanto, a rotina que vinha tendo no último mês de trocas de fraldas, amamentação, fazer comida, limpar a casa, dar banho, mais trocas de fraldas e mais tudo de novo era extremamente desgastante. 

A advogada nunca imaginou um dia ficaria tão animada em ouvir estranhos contando sobre suas míseras vidas e beber café aguado em seguida. Ela tinha duas horas inteiras longe dos filhos e ela iria aproveitar ao máximo aqueles 120 minutos. A ruiva pegou o celular, cujo papel de parede era uma foto de Andrew sentado com a Mel e os gêmeos no colo (faltava a Emma ali, ela tentaria replicar a foto com a primogênita da próxima vez), e ligou no Spotify. 

"Eu sei em quem eu tenho crido

Eu sei em quem eu tenho crido

O que olho não viu, nem ouvido ouviu

É o que Deus tem preparado pra você

Que não chegou ao coração do homem

Segredos que não foram revelados

É o que Deus tem preparado pra você

O que Deus fez até aqui só nos resta agradecer

Mas a fé é a certeza do que não se pode ver

Não limite a sua fé, a fé nos leva a crer

Que coisas maiores virão, milagres acontecerão

Você não imagina o que Deus irá fazer

Que coisas maiores virão, milagres acontecerão

Você não imagina o que Deus irá fazer"

Jessica cantarolava a música, batucando os dedos no volante, enquanto trafegava até o local da reunião. Quando parou no primeiro sinal, observou seu reflexo pelo retrovisor. Seus olhos demonstravam exaustão física e mental, que nem mesmo seu batom vermelho obteve êxito em esconder.

A advogada estacionou o carro na esquina e foi andando até o local. Ao entrar, ouviu a voz de um homem maduro falando alguma coisa relacionada a culpa. Jessica se juntou à roda, tentando ao máximo, não atrair atenção para si. Jonathan acenou discretamente e ela devolveu o gesto. 

O rosto de Jonathan estava abatido. Ele tinha tido uma recaída forte na semana anterior, envolvendo até um delito por urinar na rua. Soube disso porque George ligou furioso questionando sua decisão em tê-lo contratado e exigindo sua demissão.

​Calma, George. Ele só precisa de alguns dias de folga.

É claro que ela sabia que Jonathan não precisava de só alguns dias de folga. Seu problema era muito mais fundo. Medidas superficiais não são eficazes quando tratamos de vícios. Jessica sabia muito bem disso e sentia suas feridas arderem por baixo da roupa, quando meditava sobre o próprio vício. De alguma forma, a ruiva se viu mais próxima do amigo quando tomou conhecimento de sua última luta. Ela ouvia as pessoas declararem orgulhosamente estarem  mais uma semana "limpos" e sabia que Jonathan e ela não poderiam dizer o mesmo e era muito reconfortante não estar sozinha no fundo do poço.

Jessica lembrou que havia esquecido de avisar Andrew que tinha chegado em segurança. Ela pegou o celular e começou a digitar uma mensagem para ele.

Cheguei na reunião. Já estou com saudades. Te amo.

A advogada estava tentando reavivar o romance de seu casamento desde a saga do quase divórcio. O tempo que ficou longe do marido a lembrou do quanto o amava e do quanto não queria perdê-lo. Sua postura teria que mudar para garantir que seu casamento fosse bem-sucedido. O que significava ser mais carinhosa, falar eu te amo mais vezes, mostrar que sente saudade na sua ausência e prazer na sua presença. Em troca, queria que o marido demonstrasse desejo por ela. Sim, uma vontade muito supérflua, mas desde a gravidez estava se sentindo asquerosa. Assisti-lo falhar na sua frente também não ajudou em nada. Aposto que isso nunca aconteceu com a Antonella, pairou na sua mente.

Jessica passou o olhar por Jonathan. A ruiva perdeu a conta de quantas vezes foi para cama com ele. Jonathan parecia não resistir sua sensualidade. Sim, ele a fazia se sentir sensual e cobiçada. Mesmo quando tentava dizer não, era facilmente dissuadido com um olhar, um toque ou um beijo da advogada. Será que um dia Andrew a desejaria assim?

"Obrigada a todos por virem. Não vão embora sem se servirem de um cafézinho."

Jonathan e Jessica se aproximaram para conversar do lado oposto de onde as pessoas se confraternizando em volta do café.

"Oi." Jonathan cumprimentou a ruiva.

"Oi. Tudo bem?"

"Sim. E você?" 

"Também." Jessica observou os olhos de Jonathan por trás do óculos. Eles estavam vermelhos e transtornados. A advogada quis abraçá-lo.

"Não precisa me olhar com essa cara de pena."

"O quê?" Jessica perguntou surpresa.

"Eu sei que você sabe que eu tive uma recaída. O George não ia perder a oportunidade de te contar isso."

"Bem, ele tem que me falar já que esse tipo de coisa afeta a empresa."

"Acho melhor você me demitir."

"Eu não vou te demitir."

"Deveria. O George deixou claro que por ele eu estaria na rua."

"Ele não entende. Eu sim. Jonathan, a gente tá passando pela mesma coisa. Estamos no mesmo barco. Somos iguais!" 

Jonathan olhou para a ruiva como se, de fato, ela fosse mais doida que ele. Jessica sorria ao atestar que os dois eram iguais. 

"O que aconteceu com você? Eu soube do quase divórcio. Deve ter sido difícil."

"Foi. Eu não posso me divorciar, sabe? A partir de agora, vou ser egoísta. F***a-se se eu faço o meu marido infeliz ou deixo ele maluco. Vou deixar ele preso a mim até o dia que... um de nós morrermos!"

"Muito amável da sua parte."

"Eu sei. Sou muito amável. É de minha natureza, não consigo evitar."

"Se me permite dizer uma coisa. Você tá linda. A maternidade te faz bem."

Jessica sentiu seu coração bater mais rápido. "Obrigada."

"Eu preciso ir. Tá tudo bem com as crianças, né?" 

"Tá, tá sim. É, Jonathan... Se te interessar ir pra uma clínica de reabilitação, eu posso cobrir com as despesas."

"Não precisa."

"Pensa nisso, tá?" 

"Tudo bem."

Jonathan acenou de leve e foi embora. 

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