terça-feira, 1 de junho de 2021

Andrew


Andrew era um homem de ânimos. Durante um período de sua vida, acreditou que tinha adquirido bipolaridade tardia, patologia inventada pelo professor-médico, para justificar suas volubilidades.
Certo dia, comentou sobre isso com seu amigo Anthony, que ouviu o relato com um meio sorriso por fazer. 

"Meu amigo, o que você acaba de descrever não é um caso de bipolaridade. Você só é um homem de paixões".

"Acho que você não me entendeu. O que eu estou dizendo é justamente o oposto: tem horas que eu sinto ódio, ódio e só ódio".

"Pois sim. São acessos de raiva tão intensos e efêmeros, que se manifestam como paixões às avessas, explosivas e intensas, mas quando se dissipam, te fazem desconfiar do seus próprios sentimentos".

Esse era o problema de se abrir para um especialista em poesia dos séculos XVIII e XIX.
Diagnóstico dado, o problema era a terapêutica. Como voltar a ser calmo? Como não perder de vista o todo só pelo momento? Como não ceder ao exagero?

"Se você depois cria uma noção da realidade, qual mal faz a crise?"

"É porque a crise não é silenciosa".

E não era.

- "Cansei dessa comiseração de vocês. Vão todos se f***r!";
- "Ultimamente o trabalho tem sido muito mais interessante do que estar aqui. Eu me sinto triste só de pensar em voltar pra casa";
- "No dia que eu precisar trabalhar nos Correios, me mate!";
- "Eu seria mais feliz morando longe da minha família. Bando de c*zões!";
- "Como eu gostei disso?";
- "Mãe, a sua presença na minha vida só não é irrelevante, porque a irrelevância seria bem melhor. Você, ao contrário, só é uma presença que estraga".

Todos esses ditos e não ditos foram verdadeiros em um curto período de tempo e, ainda assim, não poderiam estar mais longe da verdade.

"Você não se expressa pela razão. Você se expressa por uma emoção momentânea guiada pela raiva ou frustração em excesso que você está sentindo. Assim que seus sentidos se acalmam e a racionalidade volta a funcionar, você consegue perceber o que é, de fato, verdade e o que é reflexo do ódio que só quer machucar e envenenar. Muitos desses pensamentos são verdadeiros e você, apesar do arrependimento que sente posteriormente, sabe quais são. É como se o seu inconsciente aproveitasse o momento para jogar algumas verdades aprisionadas, mas outros são puro alimento de uma narrativa da raiva. Para o bem ou para o mal, sua arma são as palavras", falou o psicólogo.

Se, por um lado, a última frase mexia com seu ego de escritor, por outro, ele sabia que isso não fazia bem a si mesmo e às suas relações com as pessoas ao seu redor. Ninguém foi estável na sua mente; quem chegou mais perto foi o seu filho e olhe lá.
A verdade é que no recôncavo de Andrew, há pensamentos indizíveis.
Toda essa digressão é só pra dizer que sentado no sofá, com Jessica cochilando no seu ombro, Andrew pensou:

"Não poderia estar mais feliz!"

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