domingo, 19 de fevereiro de 2023

Cestas

Enquanto Bella secava os pratos, sua mãe lavava os copos. A presença de Renée naquela casa havia mudado bastante a dinâmica que antes funcionava e Bella gostava disso.

“Você sonhou ontem”, constatou a mulher mais velha, enquanto a filha guardava os pratos no armário.

“Não me lembro”.

“Pois eu me lembro. Você me acordou resmungando algumas coisas sem sentido”.



“Desculpa!”, disse Bella voltando ao lado da mãe para secar os copos. Ela odiava falar enquanto dormia, mas parecia que era algo involuntário, que ela não podia controlar. “Falei alguma besteira?”

“Bem… não, não falou!” Renée parou de lavar um copo e segurou-o na bancada ao dizer “Mas você disse um nome”.

A campainha tocou bem no meio do enrugar de testa de Bella.

“Eu atendo!”, falou a mãe indo em direção à porta.

A filha de Charlie não se lembrava do que tinha sonhado no dia anterior, logo não fazia a menor ideia de qual nome teria dito, mas havia sido o suficiente para deixar sua mãe encucada. Dividir a cama com Renée tinha os seus pontos negativos… 

“Bella? Bella?”, gritou a mãe.

Bella foi até a porta e se deparou com sua mãe segurando uma cesta enquanto outra estava no chão. Ela conhecia o estilo daquela cesta, o estilo daquele embrulho. Carpathia. Dexter. 

“É para o seu pai”.

“Veio com cartão?”

“Sim! Está escrito: ‘Para Charlie Swan, com os votos de uma excelente recuperação, Dexter e família’”.



“Dexter é o menino que estava dividindo o quarto com Charlie. Ele é da minha escola”, resolveu falar Bella antes que a mãe chegasse a conclusões precipitadas.

“Eu me lembro dele! Pobrezinho, caiu da escada”.

“É!”

Na verdade, ele tinha sido empurrado, mas não valia a pena mencionar esse detalhe.

“E essa cesta que está no chão? Também é para o Charlie? É bem pesada!”

Bella olhou para a cesta que estava no chão. Diferentemente da que a sua mãe segurava e agora levava para a mesa da sala, aquela não era da Carpathia. O papel celofane escuro a impedia de ver o que tinha dentro. Ela se agachou para ver melhor a cesta e viu um cartãozinho escrito “Bella”. Ela segurou as pontas da cesta, que tinha um formato retangular e pareciam ser de madeira, para levar até o seu quarto, mas o peso era tanto que ela desistiu.

“Parece que tem pedaços de um homem morto aí dentro”, disse Renee ao lado de Bella. “Abra, meu amor!”, incentivou a mãe, ao notar a inércia da filha.

Bella relutantemente soltou o laço e retirou o celofane que encapava a cesta. Não queria abri-la na frente de sua mãe, mas se viu sem escolha. Quando retirou o papel, se deparou com uma caixa de madeira bem talhada, cheia de embrulhos transparentes contendo livros e outras coisas dentro. Ela pegou o primeiro embrulho, que tinha uma versão linda de Robinson Crusoé, de Defoe, com marca-páginas inspirados na obra e um pequeno livrinho que contava a história do autor. O outro era Persuasão, de Jane Austen, que vinha também com mais marca-páginas, uma ecobag e uma réplica da carta que Wentworth havia escrito à Anne declarando os seus sentimentos. Além disso, ela ganhou uma versão de Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, Moby Dick, de Herman Melville, Um par de olhos azuis, de Thomas Hardy, Entre os atos, de Virgínia Woolf, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector, e O professor, de Charlotte Brontë. Todas essas obras vinham com mimos, como bússola, relógio de mão, um diário lindíssimo de couro, um pequeno quadro etc. Bella olhava tudo com muito espanto, quando percebeu que havia um envelope com uma carta e seu nome nele. Ela o pegou rapidamente e escondeu de sua mãe, que de 5 em 5 segundos soltava exclamações como “Minha nossa!” ou “Mas para que tudo isso?!”

“Bella”, ela segurou a filha pelos ombros para que as duas pudessem se encarar. “Acho que esse menino gosta de você!”



“Nada a ver!”, comentou Bella se desvencilhando. “Bem, preciso ir ao banheiro!”, disse a garota correndo escada acima.

“Depois você vai me falar mais desse menino, Bella! Eu quero saber de tudo!”, gritou Renée categoricamente.



Bella se trancou no banheiro praguejando. Maldito fosse o Dexter por mandar aquelas coisas para a sua casa! É claro que quem quer que testemunhasse aquela profusão de presentes iria estranhar e querer saber o que estava acontecendo. Por sorte, seu pai dormia, mas em algum momento, sua mãe contaria tudo para ele, a menos que Bella pedisse que ela não o fizesse. É, ela teria que pedir isso à sua mãe. 

Ela tirou o envelope que estava escondido atrás de seu corpo, abriu-o e começou a ler. As letras estavam trêmulas. Depois da cirurgia, Dexter estava apresentando dificuldades para fazer tarefas simples, como andar, escrever etc. Felizmente, disseram que com a fisioterapia, estaria desempenhando tais atividades como antes.

A carta dizia:


Bella, 

Primeiramente, muito obrigado mais uma vez pela cesta. Eu pude olhar depois com mais calma cada coisa que tinha e fiquei muito emocionado pelo gesto. A verdade é que tenho me sentindo muito sozinho desde o acidente. Pode parecer bobo, mas eu esperava que receberia visitas até não aguentar mais. Meus pais também acharam isso, porque restringiram a entrada das pessoas só para a família. Eles disseram que os meus amigos não me deixariam descansar. Como você bem sabe, nenhum apareceu, só a Megan, que não voltou depois, e o Drake, que parecia sentir culpa. Não acredito que ele tenha me empurrado, mas ainda desconfio que ele tenha sido o mandante, vai saber? De qualquer forma, a sua companhia me ajudou muito. Eu sei que antes você estava acompanhando o seu pai, mas você voltou mesmo com o seu pai não estando mais internado e isso significou muito para mim. A verdade é que você tem me ajudado bastante nesse processo. Pensar em você tem me ajudado a não ter mais enxaqueca. 

Espero que você goste do presente. Não representa metade do que você fez por mim. E não se preocupe, comprei numa loja chamada White Star Line. Os livros custaram uma bagatela: R$149,90. E tem desconto no mês de aniversário. Espero que você goste das leituras. Imagino que a maioria dos livros seja repetidos, mas podem ficar para a sua coleção.


Seu,

Dexter


Obs.: decidi ir de tio Chico para a festa de Carnaval do hospital. Te espero lá!


Ao fim da leitura, Bella afundou, assim como o Titanic. 

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