terça-feira, 18 de julho de 2023

Cestou!

            Dexter estava olhando o ventilador de seu quarto girar, quando ouviu duas batidas na porta. Ele não respondeu nada, mas Bella entrou no recinto mesmo assim. Ele não ficou feliz em vê-la, mas falou com o melhor humor que pôde disfarçar:

            “Achei que as visitas iriam parar”.

            “Eu nunca disse isso”.

            Ele queria ter respondido algo espirituoso e divertido, mas já estava muito cansado para isso, então decidiu ficar quieto. Bella puxou uma cadeira e fez uma cara de dúvida. Dexter então assentiu e ela se sentou. Os dois ficaram quietos. O único som era o do ventilador girando. O moreno queria que a garota fosse embora o mais rápido possível, mas parecia que ela não tinha nenhum lugar para ir e que não estava nem um pouco incomodada com o silêncio. Ele queria expulsá-la de seu quarto, mas não era a cara dele fazer algo do tipo, então continuou mudo.

            “Você parou de ir à escola”, constatou Bella depois de um tempo.

            “Estou doente”, respondeu com um tom de sarcasmo. Na verdade, ele gostaria de ter respondido de maneira brincalhona “E o que você tem a ver com isso?”, mas achou que talvez ela não levaria bem a piada, então preferiu a versão mais educada.

            “Está com o quê?”

            “Achei que as visitas iriam parar”.

            “Eu nunca falei isso”.

            “Você disse que o Chris estava com ciúmes e que as visitas teriam que diminuir”.

            “Diminuir não é parar, e você não tinha ficado chateado com isso antes. Pelo menos, foi o que pareceu”.

            Ele, de fato, não tinha ficado chateado com isso, mas naquele momento pareceu uma boa alternativa dizer que sim.

            “E eu não fiquei chateado. É que eu realmente estou doente e não gosto de receber visitas quando estou doente”.

            “O Chris terminou comigo”.

            Isso sim era uma revelação. Mas segundos depois, aquilo não pareceu mais significar nada para ele.

            “Por quê?”

            “Disse que eu estava muito distraída. Acho que ele estava com medo de que eu fosse terminar com ele”.

            “Por que ele teria esse medo?”

            “Porque ele está convicto de que eu gosto de você”.

            Dexter quase perguntou “E você gosta?” Quase. Bella foi mais rápida.

            “Eu não gosto de você. Eu estava distraída, mas não era por sua causa”.

            “Por causa de quem então?”

            “Precisa ser por causa de uma pessoa?”, Bella perguntou com um sorriso de canto, enquanto mexia no cadarço de seu tênis.

            “Não sei. Era?”

            “Era por causa de uma descoberta”.

            “Relacionada a uma pessoa?”

            Bella não respondeu.

            “Você gosta de alguém?”

        “Não sei, Dex. Eu fiz uma descoberta alguns meses atrás e isso acabou me consumindo. A descoberta não tem nada a ver com gostar de alguém, mas me deixou distraída e o Chris entendeu errado”.

            “A descoberta não foi sobre o que eu falei, né?”

            “Não”, Bella sorriu de canto de novo, sem olhar para Dexter. “Aquilo que você falou eu já desconfiava”.

            “Não sou um bom ator. Agora saia daqui!” Bem, Dexter gostaria de ter falado a última parte, mas em vez disso, ele disse: “Sinto muito pelo seu término!”

            “Sente mesmo?”

            “Você está triste?”

            “Estou distraída, se faz algum sentido. E o Chris estava ficando muito paranoico com os ciúmes. Acabou estragando um pouco a nossa relação”.

            “Você está fazendo um mistério com essa sua distração”.

            “Sabe o que me faz não pensar nessa minha distração?”

            “O quê?”

            “Você”.

            Dexter ficou confuso. Bem confuso. Mas aquilo não era uma declaração. Ainda há pouco ela tinha dito que não gostava dele.

            “Obri...gado?”, ele olhou para ela desconfiado, mas por fim entendeu. “Ah, agora entendi. A nossa amizade faz com que você se distraia da sua ‘distração’ e você aprecia muito isso”.

            Bella sorriu de canto mais uma vez, sem olhar para Dexter e ficou quieta. O garoto olhou para ela durante um momento e então desviou o olhar. No fim, ainda queria que ela fosse embora.

            “O que você tem?”

            “Síndrome de Tourette”, ele respondeu sorridente.

            Agora entramos com um adendo. Dexter não tem Síndrome de Tourette, mas acha que tem porque o Fernandinho achou que seria interessante inserir mais uma doença na lista dos problemas dele. Segundo a “médica” a condição se deu pela queda, mas pode vir a ser curável. Agora ele está com os tiques e sem vontade de ir para escola por vergonha. Essa é a razão pela qual não quer ver ninguém, inclusive Bella.

            “O que você não tem, Dex?”

            Antes que ele pudesse responder, Bella se sentou na ponta da cama, de frente para ele, e continuou:

            “Sabe o que me deixa com mais raiva e culpada?”, ela passou a mão no cabelo já crescido de Dexter, descendo até o seu rosto. “É o Chris ter razão. Não queria que ele tivesse razão”, falou Bella a última parte, enquanto olhava para os lábios de Dexter. A menina lambeu rapidamente seus próprios lábios e o beijou.

            Dexter não estava preparado para aquilo. Como assim aquele diálogo esquisito tinha terminado daquela maneira? Ela não tinha dito que não gostava dele? Ela mentiu? Sim, ela mentiu. Ela não queria dar o braço a torcer, não queria que o Chris e os outros estivessem certos, mas eles estavam. Dexter não queria se envolver com Bella. Não agora que tinha descoberto a Síndrome de Tourette. Para ela poderia estar ok, mas para ele não estava. Ele estava muito bugado, com a autoestima lá embaixo. Nunca tinha se sentido tão lixo como agora. Ainda assim, não conseguia afastá-la. Ele queria, ou melhor, precisava daquele beijo.

            Bella encerrou o beijo e se afastou. A pupila de Dexter ainda estava dilatada. Pelo visto, a dela também. Para quebrar o gelo, ele falou:

            “Se mesmo sem gostar de mim, você me dá um beijo desses, imagina se gostasse...”

            Ele esperou um soco no braço, que não recebeu. Só recebeu uma espécie de careta, misturada com vergonha. Ainda assim, gostou.

            “Dex...ter?”

            “Diga”, ele entrelaçou uma de suas mãos na dela.

            “Eu não quero namorar. Não agora. Acabei de sair de um relacionamento. Seria esquisito”.

            “Tudo bem. Eu também meio que não quero namorar agora. Não enquanto eu estou f**ido do jeito que estou”.

            “Você vai melhorar”.

            Dexter sentia que não. Na verdade, ele só piorava, porém decidiu ficar quieto. Ele não gostava de ser reclamão e pessimista.

            “Mas isso não significa que não podemos nos beijar quando acharmos apropriado”, continuou ele, mas como uma pergunta do que como uma afirmação.

            “Sim, pode ser”, Bella respondeu se aproximando e dando um selinho nele. “Olha, eu tenho que ir. Tenho prova de matemática amanhã e preciso estudar”.

            Dexter não queria que ela fosse, mas assentiu.

            “Te vejo amanhã?”

            Ele não deveria ter perguntado isso. Ele não queria que ela visse seus tiques, mas não conseguiu resistir.

            “Até amanhã!”

            “Até!”

            Antes dela sair, ele disse, sem poder resistir:

            “A cesta...”, mas aí deu branco. Ele não sabia o que dizer sobre a cesta.

            “Não, Dex, eu não vou te dar mais uma cesta. Ainda estou pagando aquela outra”.

            Dexter prendeu o riso. “Tudo bem. Até amanhã!”

            “Até sexta!”

            E foi só uns 10 minutos depois de Bella ter saído e de ele ter pensado no que tinha acontecido naquela tarde, é que ele entendeu e repetiu rindo “Até cesta!”.

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