segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Roots

Bradley estava lendo um livro sentado no sofá. Ele estava aproveitando os poucos dias de férias para colocar a leitura em dia. Seu filho estava na casa da mãe e sua afilhada estava na mesa da sala com vários livros de matemática abertos, estudando para sua prova de recuperação. Ele já tinha se oferecido para ajudá-la, recebendo em resposta, que caso precisasse de ajuda, ela o chamaria. Mais tarde o professor preparou um lanche para os dois e tentou iniciar conversa, mas a afilhada estava atipicamente quieta.

Bradley lavou a louça e voltou para o sofá. Emma se juntou a ele, minutos depois.

"Dindo?"

"Quê?" Bradley estava encarando a tv e não desviou o olhar quando a afilhada o interrompeu. 

"A gente pode conversar?" 

Agora você quer conversar, pensou Bradley. 

"Fala."

Emma pegou o controle e desligou a televisão. 

"Precisava desligar a tv?" 

"É sério."

O tom de Emma fez Bradley se endireitar no sofá e olhá-la com mais atenção. 

"Pode falar." 

"Então. Desde que eu me entendo por gente, nós somos muito próximos e você e a minha dinda sempre fizeram parte da minha vida."

"Sim."

"E vocês sempre demonstraram um carinho muito grande por mim, muitas vezes sendo mais afetuosos do que os meus próprios pais."

Bradley estava estranhando o início daquela conversa, mas continuou escutando, querendo saber, onde a menina ia chegar com aquilo. 

"Minhas memórias de infância, minhas primeiras experiências e em todas as minhas conquistas, não consigo pensar em nenhum momento que você não estivesse lá. Você e a minha dinda sempre me trataram como filha, e eu sempre entendi que era porque vocês preenchiam a falta de filhos de vocês, através de mim. Mas aí o Brian nasceu e a sua postura e seu grau de envolvimento comigo permaneceram os mesmos. E não sei, isso foi confundindo a minha cabeça. Também o fato de eu lembrar muito a você e a minha dinda, muito mais do que eu lembro aos meus pais, na verdade, eu nem pareço com os meus pais. E o fato de não ter nenhuma foto da minha mãe grávida, e dos meus pais, apesar de me amarem, conseguirem ficar longe de mim e morarem em outro país, enquanto vocês não. Eram muitas evidências que eu tentei silenciar e ignorar até não conseguir mais e ir atrás da verdade. Eu fui até uma clínica de genética e levei uns fios de cabelo meu, seu e da minha dinda, e para a minha não surpresa, meu DNA foi compatível com o de vocês."

Bradley escutou o discurso da afilhada aflito e mil tipos de desculpas diferentes passaram pela sua cabeça. 

"Emma, eu posso explicar."

"Se for pra você mentir pra mim e dizer que tem uma explicação razoável pra isso tudo e que você não é meu pai biológico, nem tente. Eu já sei a verdade e não vou mais ser enganada."

Bradley começou a ficar muito nervoso e a suar frio. Então, sua filha tinha descobrido a verdade. O que isso significaria? Que ela o abandonaria? Que ficaria ressentida? Que odiaria tê-los como pais? 

"Pode deixar, eu não vou mais tentar te enganar. Eu sou o seu pai biológico."

Ao ouvir essa afirmação pela primeira vez da boca dele, Emma começou a chorar. 

"Eu não consigo nem imaginar como você deve tá se sentindo." A voz de Bradley era fraca e falhava de quando em quando, ele também estava chorando. "Eu não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto. Mas você nasceu com um problema sério de saúde, uma disfunção no coração, que poderia levar a morte. O tratamento era muito caro e não tinha como eu e sua dinda arcarmos. A gente tava morando sozinho e sem o apoio de ninguém. Nossos pais nunca aceitaram um filho nosso fora do casamento e a única forma de nos ajudarem era abrindo mão de você. Foi a decisão mais difícil que a gente já tomou, mas eu não me arrependo nem por um segundo porque você está viva e bem e com saúde. Jeff e Krista aceitaram que eu e Jessica fôssemos seus padrinhos. E na medida do possível, mesmo que de longe, tentávamos ser seus pais, porque não tinha nada que a gente queria mais no mundo do que ser seus pais."

"E vocês nunca iam me contar a verdade?"

"Íamos! Por mim, eu já teria falado há muito tempo. Mas legalmente falando você é do Jeff e da Krista e ficamos com medo deles levarem você pra longe. Além disso, sua madrinha tinha medo que você rejeitasse a gente e não quisesse mais nos ver. Foram vários fatores, na verdade, que fizeram a gente não falar nada. Mas um dia eu ia te contar, acho que estava esperando você ficar um pouco mais velha, pra você entender melhor o nosso lado e nos perdoar."

"Entendi."

"Eu não sei o que deve tá se passando pela sua cabeça. Imagino que deva estar tudo confuso."

"Muito."

"Eu espero que um dia você nos perdoe. Não é fácil abrir mão do que mais se ama."

"Entendo."

"Não querendo colocar pressão em você, nem nada, mas, por favor, tenta perdoar a gente. Não tô dizendo pra você começar a me chamar de pai ou a Jessica de mãe, seria um sonho, mas eu sei que você não vê a gente assim ainda. Eu só espero que você não se afaste e nem fique achando que nós não te queríamos porque isso está longe de ser a verdade." 

"Tudo bem."

"Você também é a única lembrança que eu tenho da minha história com a Jessica. A prova viva de que o nosso amor existiu,  e não,  um mero fruto da minha imaginação. É como se tudo o que passamos e vivemos tivessem se materializado em você." Bradley tocou o rosto da menina e a olhou fixamente, maravilhado. 

"Eu consigo ver nós dois, perfeitamente no seu rosto. Você agora tá com o olhar triste e aflito que a Jessica costumava me dar bem no final do nosso casamento. Ela também desviava os olhos, exatamente como você tá fazendo agora. É incrível como a genética funciona, realmente incrível."

Emma observava aquilo meio assustada, pensando em como sua vida, nos últimos tempos, tinha dado grandes reviravoltas. 

"Posso te dar um abraço?" Bradley pediu com os olhos e o rosto vermelhos. 

Emma assentiu, sem forças para emitir algum som. 

Bradley se aproximou da menina e deu um abraço apertado. A revelação foi como se os planetas tivessem se alinhado. Emma era sua, e o seu lugar era ali, dentro do seu ninho, debaixo das suas asas, sob os cuidados de seu pai. 

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