sexta-feira, 15 de março de 2019

Noite de sexta

Era sexta-feira e a palestra-aula do que fazer quando eles começam a fazer peguntas ia começar. Andrew chegou no prédio e entrou na fila no qual seria indicado a sala onde a palestra iria ocorrer e ele assinaria o nome indicando que se encontrava presente.

"Boa noite." Uma mulher na faixa dos 50 e com os dentes amarelados sorriu para ele. "O senhor é padrinho de quem?" Ela perguntou um pouco sem jeito para o professor, afinal, ele parecia ser um homem importante da alta sociedade.

"Brian Cooper." O professor de inglês respondeu, olhando o relógio, não vendo a hora daquela palhaçada terminar.

"Cooper..." A mulher começou a analisar as inúmeras folhas largadas na mesa. "Aqui!" Ela comemorou. "O senhor pode rubricar no espaço ao lado por favor." Ela virou a lista para o professor e o entregou a caneta.

Andrew pegou a caneta da mão da mulher e rubricou o papel, notando também, que a assinatura de Jessica já estava lá, indicando que ela havia chegado e que provavelmente estava atrasado.

"Certinho!" A mulher sorriu gentilmente. "Sala 103, a segunda a direita do corredor principal."

"Obrigado."

Andrew se dirigiu a sala onde estava acontecendo a palestra. Quando ele chegou, a porta estava fechada. "M***a!" Ele pensou, por causa de seu pequeno atraso, ele seria o último a entrar chamando a atenção de todos. Ele deu duas batidas na porta e virou a maçaneta. Ao abrir a porta ele viu a sala cheia, com carteiras distribuídas como numa sala de aula, e com um homem aparentando seus 60 anos a frente.

"Chegou bem a tempo! Eu vou começar a falar do tema agora." O senhor foi até a gaveta da mesa, tirou uma apostila e entregou a Andrew. "Pode escolher qualquer um dos lugares vazios." Ele completou.

Andrew assentiu com a cabeça, no fundo se perguntando onde havia se metido. Seu instinto foi procurar Jessica, afinal, era a única pessoa que tinha um certo tipo de intimidade, porém ela não se encontrava naquela sala. Ele reconheceu Martha e Bartolomeu, Vera e Marcelo, Lindalva e Marcos, Sérgio e Gina, que sorriu para ele e balançou a cabeça pra cadeira vazia ao seu lado. Andrew foi até o lugar vazio ao lado de Gina e a cumprimentou.

"Demorou pra chegar. Já tava achando que você não viria mais." Gina disse com aquele jeito descontraído de sempre.

Andrew olhou o relógio e viu que só tinha se atrasado 15 minutos. Ô povo dramático. "Eu quis tomar um banho antes de vir." Ele se explicou.

"Ai, você é tão engraçado!" Gina deu sua famosa risadinha irritante para o professor.

"Por que eu aceitei sentar logo do lado da Gina?" Ele pensou.

E de repente, Jessica entrou na sala, dando um olhar apologético para o instrutor e indo em sua direção (?).

"Se eu dormir, pode chutar a cadeira." Jessica brincou com o professor e depois se sentou na carteira em frente a dele.

Andrew riu. "E quem vai me acordar se eu dormir porque eu to prestes a cair num sono." Ele disse baixo, perto do ouvido da ruiva.

"Pode deixar que a Gina vai ficar honrada em fazer o serviço." Ela sussurrou de volta.

"Nem fala... ela parece uma sombra." Ele reclamou.

"Você ainda é novidade, daqui a pouco ela desencana." Jessica o consolou.

"Espero!"

"Primeiramente, é muito bom ver essa sala cheia. Eu sei que vocês são pessoas ocupadas, mas devemos ter nossas prioridades no lugar e vocês estão no caminho certo." O instrutor iniciou.

"Como se ele tivesse nos dado a opção de não vir." Andrew falou baixo perto do ouvido da Jessica para os outros não ouvirem.

"Se a gente tivesse tido opção essa sala estaria vazia." Jessica retrucou no mesmo tom de voz, inclinando o rosto sutilmente para trás.

"Só sei que com certeza eu estaria longe daqui."

"O tópico de hoje é o fazer quando as crianças começam a questionar. Esse assunto é meio polêmico e preocupante. Dependendo das nossas respostas, nossos afilhados vão se sentir justificados para fazerem ou deixarem de fazer certas coisas."

O instrutor então começou a passar os slides e desenvolver o tema. Jessica estava sentada de qualquer jeito na cadeira, apoiando o rosto na mão.

Andrew estava dormindo atrás de Jessica quando deu o intervalo. Jessica olhou para trás e o viu dormindo.

"Não creio!" Jessica exclamou de forma brincalhona.

Andrew acordou assustado.

"Você dormiu!" Ela disse se divertindo com aquela situação.

"E eu gostaria de continuar nesse estado, obrigado." Andrew respondeu fechando os olhos de novo.

"Eu lutando pra ficar acordada e você nem se dando o trabalho." Jessica balançou a cabeça.

"Um de nós tem que ta preparado pra responder as perguntas do Brian." Ele debochou da instrução.

"E só eu que vou saber responder." Ela entrou na piada.

"Eu ainda to com fome. Tive que vir direto do trabalho." Ele reclamou.

"Eu tenho um biscoito na bolsa, só que é vegano, não sei se você vai gostar." Jessica ofereceu.

"To aceitando qualquer coisa."

Jessica entregou o pacote de biscoito a Andrew que começou a comer. O instrutor voltou pra sala e continuou a falar. Jessica sentiu alguém mexendo no seu cabelo de um jeito meio brusco. Ela olhou pra trás pra ver o que estava acontecendo. Andrew então falou com a boca cheia: "Foi mal, caiu farelo no seu cabelo." Ele balançou o cabelo dela tentando fazer os farelos saírem.

"Eu lavei ele quarta!" Jessica reclamou passando os dedos nos fios.

"Já ta na hora de lavar de novo, ele ta meio sujo." Andrew brincou, fazendo Jessica revirar os olhos e voltar pra frente.

****

Ao término da instrução, Andrew e Jessica decidiram jantar, visto que os dois estavam morrendo de fome.

Eles foram para um restaurante de comida oriental a poucos quilômetros dali. O ambiente era pouco iluminado e aconchegante (tipo o Outback). Eles começaram a jogar conversa fora enquanto comiam. Falaram sobre a instrução, o dia deles e da comida. Depois de um pouco mais de uma hora conversando, eles já estavam em assuntos mais profundos, acompanhados por uma taça de vinho.

"Qualquer um comparado a você parece um endemoniado." Andrew se defendeu.

"Eu sei disso e eu me sinto a maior farsa do mundo. Eu não queria que me vissem como a Madre Teresa que não faz nada de errado mas é assim como a maioria me vê." Jessica desabafou.

"Pode deixar que eu não te vejo assim." Andrew falou despretensiosamente.

"Obrigada." Ela o olhou desconfiada.

"Não é pra você se sentir ofendida. Eu te acho uma pessoa boa, mas com os seus defeitos." Andrew explicou.

"Ouch!" Ela brincou.

"Você me entendeu."

Os dois ficaram em silêncio por um momento. Andrew estava com a atenção na comida e Jessica girava a própria taça de vinho.

"Eu estava grávida semana passada." Ela revelou do nada.

Andrew quase se engasgou com a comida.

"O quê?"

"Eu não falei pra ninguém porque eu sabia que não ia dar em nada, e... não deu." Ela disse meio abatida, sem tirar a cara de surpresa do Andrew.

"Nem pro Júlio?" Ele falou eventualmente.

"Não, ainda mais porque... ele não tinha nada a ver com a história." Ela falou olhando da taça para ele, procurando algum tipo de reação.

"Como assim?" Então a ficha caiu, "quem era o pai?"

"Honestamente, eu só sei que o primeiro nome dele é Murilo." Ela pausou. "Eu nunca faço isso, nunca!" Ela disse frustrada.

"Eu sei." Ele não tinha certeza mas achou melhor concordar. "Como foi que aconteceu?"

"Eu fui com um grupo de amigas num desses bares que só os divorciados ou os frustrados com a vida frequentam. A gente tava numa mesa conversando até que o garçom apareceu na nossa mesa e entregou uma bebida que nenhuma de nós havia pedido e disse que um cara tinha pedido pra mim na conta dele. Eu disse que não ia aceitar porque sabe lá o que podiam ter colocado da bebida, mas o garçom garantiu que não tinha nada porque ele tinha pegado a bebida direto com o barista e levado até mim. Aí minha amiga perguntou quem era o cara e o garçom apontou. O tal cara sorriu pra mim e levantou o copo dele pra mim."

"Que brega!" Andrew interrompeu a história.

"Né? Mas as minhas amigas acharam muito legal e me perguntaram o que eu tinha achado dele. Eu disse que ele era atraente mas eu não estava interessada. Depois o cara se levantou, foi pra nossa mesa, pediu licença para as minhas amigas e sussurrou com a boca encostada no meu ouvido, me convidando pra sentar com ele. Eu agradeci e disse que  ia ficar com as minhas amigas, apesar de estranhamente aquilo ter me afetado porque eu sou muito fácil."

Andrew ergueu as sobrancelhas.

"Não nesse sentido!" Ela retrucou.

"Você tem que admitir que ficou meio ambíguo." Ele riu, "mas continua."

"Voltando, ele se virou para as minhas amigas, se apresentou e pediu pra elas me convencerem de sentar com ele, e foi exatamente o que elas fizeram. No final, eu acabei cedendo e ele se mostrou um cara bem legal. Ele falou do trabalho, dos filhos, dentre outras coisas, aí depois... aconteceu." Ela disse meio envergonhada.

"Assim? No bar? Você não ficou com vergonha?" Ele brincou.

"Muito engraçado." Ela zombou. "Enfim, no final ele pediu meu telefone e eu dei o número errado, e nunca mais o vi." Ela concluiu.

"E você descobriu que tava grávida quando?"

"Algumas semanas atrás. Eu comecei a sentir enjoo e dor de cabeça. Minha secretária ficou insistindo pra eu procurar um médico e eu dizendo que não era nada. Até que um dia, no meio de um acordo judicial, eu desmaiei. Quando eu acordei, eu estava no hospital com uma enfermeira me dando os parabéns. Duas semanas depois eu perdi." Jessica relatou.
Andrew deu um olhar compadecido.

"Eu nem fiquei triste nem nada. Não é como se eu quisesse ter um filho de um estranho que eu conheci num bar." Ela completou.

"Tem certeza que você está bem?" Ele perguntou preocupado.

"Acho que sim." Ela pausou, "eu vou ficar." Ela abriu um sorriso fraco.

Andrew a olhava com pesar.

"Vamos mudar de assunto?" Jessica perguntou tentando mudar o clima.

"Concordo."

"Eu conheci uma senhora esses dias que trabalha com reciclagem. Ela tava coletando o material na rua e sofreu um acidente na hora que eu tava passando. Eu ofereci levá-la pra casa e nossa, a situação dela é totalmente precária. Ela me disse que não tinha nada pra comer naquele dia e nem o que dar pro neto dela. Ela abriu a geladeira e o armário da cozinha pra me mostrar e realmente estavam vazios. Eu me senti muito mal. Quando eu fui embora, eu passei no mercado e fiz umas compras pra ela passar o mês. Quando eu levei pra ela, tinha que ver como ela ficou! Ela ficou tão feliz e emocionada. Aquilo me tocou muito."

"Imagino, deve ter sido muito emocionante." Andrew retrucou.

"Se foi. Eu to querendo fazer uma arrecadação de alimentos pra ajudar outras pessoas como ela." Jessica falou animada.

"Acho uma boa ideia. Se precisar de ajuda, pode contar comigo." Ele ofereceu.

"Obrigada."

"Eu nem te contei. Eu fui pro Centro da Cidade na sexta passada, e um jovem me entregou um pedaço de papel em frente ao prédio da Light. Quando eu vi, era um poema do dia da mulher. Eu peguei, olhei pra trás e vi que o garoto só tava entregando o poema às mulheres. Eu encucado, meio preocupado dele ter me confundido com uma mulher, fui ler o poema. Olha o que diz o poema."

Andrew tirou o papel da carteira e começou a ler.

"Neste mundo existem....
mulheres amadas....
violadas na mente,
violentadas na alma,
castradas no corpo,
sem voz..sem liberdade,
acorrentadas em dor,
por homens sem coração
cansadas, tristes,
desesperadas, mal amadas,
laços atados, em nós de ferro...
mãos geladas e frias, feitas num mundo cruel..!!!"

Ele terminou de ler.

"Ele achou o quê? Que eu maltrato as mulheres?"

"Bom, as aparências enganam." Jessica riu.

"Que bom que você acha graça. Eu realmente fiquei preocupado." Ele falou bem-humorado.

Jessica riu mais. "Você tem as melhores histórias."

"Preferia não ter."

"Isso me lembrou de uma piada que eu escutei." Jessica falou animada.

"Qual?"

"Se um pato perde a pata, ele fica manco ou viúvo?" Ela perguntou rindo

"O que essa piada tem a ver com o que eu falei? E ela é péssima!"

Andrew questionou e Jessica deu de ombros.

"Seu senso de humor precisa ser trabalhado." 

"Ou suas piadas que precisam." Andrew retrucou.

"Chato." Ela deu um gole no vinho. "Eu to precisando ir ao Centro também."

"Pra quê?"

"Levar meu celular pro conserto, ele ta com um problema na tela. Não para de piscar, não to conseguindo nem checar meu e-mail direito." Ela reclamou.

"Estranho."

"Né? Do nada ele ficou assim." Ela completou.

"Deixa eu ver."

Jessica entregou o celular na mão dele. Andrew analisou, olhou as configurações e depois deu 3 pancadas na mesa com ele.

"Andrew!" Jessica o advertiu.

"Calma, já fiz isso antes." Ele disse achando graça da cara que Jessica estava fazendo naquele momento.

"Eu também, e as coisas não terminaram bem pro controle da minha tv."

"Não se faz isso com controle." Ele respondeu tranquilamente e reiniciou o celular.

"Não se faz com controle mas se faz com o celular?" Jessica perguntou ironicamente.

"Dependendo do caso." Ele disse presunçoso.

"Sei."

Depois Andrew entregou o celular de volta pra ela funcionando normalmente.

"Como você fez isso?" Jessica perguntou surpresa.

"Ué. Eu fiz na sua frente, você não viu?" Ele deu uma risada.

Jessica revirou os olhos pelo ar convencido dele.

"Como não sou ingrata, obrigada."

"De nada." Ele respondeu satisfeito.

Os dois ficaram conversando por mais um tempo e depois Andrew levou Jessica em casa.

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