quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Complicações

Octavia estava preparando o almoço quando escutou o grito da Jessica vindo do quarto. Spencer largou tudo o que estava fazendo e correu para acudir a afilhada. Ao adentrar ao quarto, ela viu Jessica encolhida na cama com a mão sobre a barriga, protetoramente.

"Dinda, ta doendo muito." Jessica disse com dificuldade, contorcendo o rosto em dor. Tamanha a qual, que fazia a ruiva sentir que estava perdendo o filho naquele momento. 

"Calma minha filha. Eu vou ligar pro médico." Octavia foi correndo pegar o telefone atropelando alguns objetos a sua frente. Ela discou o número do Dr. Fernandes se atrapalhando com as teclas do aparelho. 

"Alô." O médico atendeu.

"Doutor, é a Jessica. Ela ta com dor. Eu acho que ela ta perdendo." Octavia falou nervosa.

"Ela tá sangrando?" O médico perguntou mantendo a compostura.

"Deixa eu ver." Octavia foi até a Jessica e examinou a ruiva. "Acho que não. Mas ela tá com tanta dor que nem tá conseguindo manter os olhos abertos." Octavia sentou do lado da afilhada e acariciou seu braço.

"Não deixa ela se levantar. Eu tô indo pra aí."

"Obrigada." Octavia desligou o telefone e voltou a sua atenção à afilhada.

"O médico já tá vindo. Aguenta firme." Octavia tentou acalmá-la.

Jessica não respondeu. Ela estava concentrada em respirar e manter o bebê vivo. Mentalmente ela pedia para o bebê ser forte e não deixá-la.

Dentro de alguns minutos o médico tocou a campainha e Octavia correu para atender a porta.

"Onde tá a Jessica?" Dr. Fernandes perguntou ao ver a madrinha da ruiva.

"No quarto dela." Octavia apontou e seguiu com ele para o quarto da afilhada. 

O médico se sentou de frente à ruiva.

"Onde ta doendo? No abdomen?"

Jessica assentiu, sem força pra falar.

O médico examinou a ruiva minuciosamente e depois aplicou um medicamento.

"Bom, o bebê está bem. Essa dor foi só uma contração involuntária, mas nada de grave. Eu injetei um remédio pra dor e você deve se sentir melhor em alguns minutos." Dr. Fernandes informou. 

"Então, eu não perdi o bebê?" Jessica sorriu apesar da dor. Aquela era uma notícia tão boa. Seu bebê estava a salvo, pelo menos por enquanto. 

"Não. Mas eu preciso que você repouse o resto da semana. Não é necessário ficar na cama o dia inteiro, mas não saia de casa." Dr. Fernandes fechou a maleta.

Jessica assentiu. 

"Octavia, me leva até a porta?" Dr. Fernandes levantou da cadeira. 

"Claro, doutor."

Os dois foram até a sala.

"Que bom que foi só um susto!" Octavia exclamou aliviada.

Jessica viu que o médico havia esquecido o material de coleta no seu quarto. Ela ainda sentia um pouco de dor, mas já estava entrando na faixa do tolerável. A ruiva se levantou e foi até a sala para devolver o material. Jessica estava quase adentrando o cômodo, quando ouviu a voz do médico. 

"Eu vou ser honesto com você. A Jessica não tá nada bem. Ela deve conseguir segurar a gravidez por uma ou duas semanas, no máximo. Lamento ter que dar essa notícia." Dr. Fernandes olhou para Octavia compadecido. 

"Mas você disse que ele estava bem..." Octavia retrucou em negação.

"Eu não quis assustar a Jessica, mas a verdade é que o bebê está morrendo. Os batimentos cardíacos dela e do bebê estão muito fracos." Dr. Fernandes explicou. 

"Deus tenha misericórdia da minha menina." Octavia falou desolada.

Jessica deu meia volta e voltou para a cama. Suas lágrimas começaram a cair silenciosamente. 

Octavia foi dar uma checada na afilhada antes de terminar de fazer o almoço.

"Como você tá se sentindo, filha?" Octavia se sentou do lado da Jessica.

"Melhor." A ruiva mentiu.

"Tenta dormir um pouco até o almoço ficar pronto." Octavia ajeitou os travesseiro atrás da ruiva.

"Dinda?"

"Fala, filha."

"Você pode não falar pro Andrew o que aconteceu? Ele já tá muito sobrecarregado com a gravidez e o trabalho. Eu não quero que ele tenha mais isso pra se preocupar."

Jessica achava que não conseguiria aguentar a cara de tristeza do namorado disfarçada por indiferença, mais uma vez. 

"Tudo bem." Octavia cobriu a ruiva com o lençol. "Agora descansa."

Jessica assentiu e sua madrinha deixou o quarto.

A advogada fechou os olhos e deixou as lágrimas escaparem livremente. Não importava quantos abortos ela tivera, ela nunca se acostumaria com a perda de um filho. Sim, para ela aquele feto já era um filho. 

Ouvir aquelas palavras do médico de que seu bebê sobreviveria no máximo por mais duas semanas era como se tivessem passado por cima de seu coração repetidas vezes. 

Jessica sentiu outra ânsia de vômito, a segunda do dia, e foi para o banheiro colocar tudo pra fora. A ruiva se pendurou no vaso sem forças para ficar de pé. Ao terminar, ela limpou a boca com as costas da mão e deu descarga. Naquele momento ela queria sumir, ou pelo menos que a dor que ela estava sentindo diminuísse, pelo menos um pouquinho. A ruiva abriu a terceira gaveta do banheiro e encarou a gilette à sua frente com os olhos angustiados. Ela sabia que aquilo daria um pouco do que ela tanto precisava, mas ela não queria machucar o bebê. Porém, se ela fizesse um ou dois, no máximo três pequenos cortes no braço, ou melhor, na perna, não aconteceria nada com o bebê e em contrapartida, ela se sentiria bem melhor. Jessica pegou a gilette com as mãos trêmulas a arrancou a lâmina do pedaço de plástico. Ela cortou um pouco os dedos no processo e seu sangue começou a escorrer, dando uma pequena prévia do que estava para acontecer. Jessica rodou a lâmina nos dedos e fechou os olhos numa luta interna se ela realmente faria aquilo ou não. Ela prometera a si mesma que não se machucaria enquanto estivesse grávida e ela precisava cumprir essa promessa. Jessica respirou fundo, inspirando e expirando lentamente e repetidas vezes até a urgência de se cortar passar. Num ato de bravura, ela jogou a lâmina fora.

****

Andrew chegou em casa depois da hora do almoço e viu Octavia sentada no sofá lendo a bíblia. 

"Oi." Andrew cumprimentou-a. 

"Oi, filho." Octavia fechou a bíblia com cuidado e transferiu sua atenção a ele. 

"A Jessica, como tá?" 

"Bem. Só tá um pouco cansada. Ela tá no quarto dela descansando um pouco."

"Eu vou lá ver."

Andrew entrou no quarto da ruiva e encontrou-a deitada. Ele se aproximou para checar se ela estava dormindo e descobriu que não. 

"Como você tá se sentindo?" Andrew sentou do seu lado e tocou seu braço. 

"Bem." Jessica mentiu, não se dando ao trabalho de olhá-lo. 

"Eu vou tomar um banho e já venho ficar aqui com você." Ele beijou o ombro da ruiva. 

"Como foi o trabalho?" Jessica perguntou fria. 

"Nada demais." Andrew respondeu estranhando o tom de voz da ruiva. 

***

O professor foi ignorado pela ruiva o resto do dia. Já era noite e a ruiva trocara no máximo três frases com ele. Na hora de dormir Andrew se acomodou na cama ao seu lado. 

"Eu quero dormir sozinha hoje. Você pode usar o quarto de hóspedes." Jessica disse ríspida. 

"É sério?" Andrew perguntou surpreso. 

"Sim." Jessica respondeu impaciente. 

"Ta bom. Boa noite." Andrew pegou o travesseiro e saiu do quarto. 

Jessica não sabia porque ela se boicotava tanto. Ela ia acabar afastando ele de vez. A ruiva tentou dormir, mas estava assustada demais com tudo o que havia acontecido para pegar num sono. Ela tinha medo de dormir com o bebê vivo e acordar com ele morto. Máximo de duas semanas havia sido a previsão do médico. Ela teria no máximo duas semanas para se despedir de seu bebê. De forma inconsciente, ela tocou sua barriga. 

A ruiva pensou no Andrew e em como ela fora hostil com ele o dia inteiro. Ela queria não ser assim e poder admitir que precisava dele. Jessica não sabia dizer se era coisa da sua cabeça, mas ela sentia o feto, que não tinha nem cérebro ainda, pedindo para ficar perto do pai, porque aquele desejo todo de tê-lo por perto não podia tá vindo só dela, certo? 

Jessica levantou e foi até o quarto de hóspedes. A ruiva bateu a porta de leve e abriu. Andrew estava sentado na cama com um livro na mão, porém sem lê-lo. 

"Eu não tô conseguindo dormir sem você." Jessica revelou da porta com uma doçura que ele não havia visto o dia inteiro. 

"Vem cá." Andrew colocou o livro de lado e recebeu a ruiva nos braços que o abraçou fortemente. 

Estar nos braços de Andrew trouxe todo o conforto de que estava precisando. De alguma forma, naquele momento, Jessica sentiu que ela e seu filho estavam protegidos de todo mal. 

Andrew apertou Jessica com força e a ruiva escondeu o rosto no vão da sua nuca. 

"Eu te amo." Jessica disse sinceramente e beijou sua nuca. "Eu te amo muito." Ela deu outro beijo.

"Eu também te amo." Andrew respondeu. 

"Desculpa ter sido uma vaca." Jessica levantou a cabeça e fitou seus olhos.

"Eu não te achei uma vaca." Andrew riu. 

"Eu fui sim e das maiores." Jessica segurou o rosto do namorado e acariciou com o polegar. 

"Quanto exagero!" Andrew brincou com a ruiva. 

Jessica riu. "Volta pro outro quarto comigo?" A ruiva pediu esperançosa. 

"Claro."

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