terça-feira, 26 de maio de 2020

Capítulo 1: o infarto


A secretária de Paulo, Val, ligou para Jessica informando que o pai da ruiva acabara de sofrer um infarto e que estava internado no hospital. Chastain fechou os olhos tentando controlar sua respiração. As lágrimas que acumularam em seus olhos, escorriam pela sua face.


"Em que hospital ele tá?", Jessica perguntou entre um soluço e outro.

"Hospital Santa Maria, na ala Norte.", Val informou do outro lado da linha.

"Eu to indo pra aí hoje no primeiro voo que eu conseguir."

"Não precisa fazer essa viagem toda até aqui. Já é noite e seu pai já tá bem. Ele só vai precisar ficar em observação no hospital durante um tempo."

Entretanto, Jessica não quis saber. Disse que iria para Brasília e ponto final. Às vezes, a advogada se sentia muito amaldiçoada. A palavra era forte e que Deus a perdoasse por isso, mas ela não conseguia evitar de se sentir assim. Quando tudo parecia que estava dando certo, alguma coisa tinha que dar errado. Rapidamente, ela pegou a chave do carro e foi direto à casa da primeira pessoa que passou em sua cabeça; a pessoa que ela queria que a acompanhasse na viagem e a acalmasse, dizendo que tudo ficaria bem.

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Andrew atendeu o interfone e ficou surpreso quando o porteiro avisou que a senhora Jessica estava ali. Provavelmente, estava com o Brian, talvez, até Emma. O professor olhou para o relógio e se deu conta que era mais de 21h da noite, o que era estranho. Visita, às 21h, com o afilhado não fazia muito sentido. A não ser que a visita fosse... Subitamente, ele ficou bastante empolgado. Seria a primeira visita que ela iria ao seu apartamento sozinha, depois do namoro. Na verdade, seria a primeira vez que ela iria sozinha para a casa dele desde que se conheceram. Devia estar fogosa. Andrew tentou controlar a animação, afinal ainda havia a possibilidade de ela estar acompanhada. A campainha tocou. Assim que ele abriu a porta, viu Jessica sozinha.
Chorando.
A primeira coisa que passou em sua mente foi: "Emma!". Seu coração começou a bater muito forte, os olhos começando a vacilar. Ele não conseguia fazer nada, só olhar Jessica parada na porta. Posteriormente, Andrew pensou em como foi estúpido de ter pensado que era algo com Emma. Se algo tivesse acontecido com ela, certamente Jessica não iria procurá-lo e sim Bradley. Em momentos de desespero, de fato, a mente é burra.

"Meu pai..."

O coração de Andrew se aliviou, porque a mente também é má.

"... sofreu um infarto.", Jessica desabou.

Andrew a abraçou ainda um pouco atordoado com as últimas emoções. Bem, por um segundo ele achou que algo tinha acontecido com Emma; no outro ele achou que o pai de Jessica tinha morrido; agora ele descobriu que, na verdade, ele tinha sofrido um infarto, o que era péssimo, mas, se dos males, o menor, aquilo já era uma vitória. Melhor do que a morte. A mente é pragmática.

A princípio, o professor achou melhor só abraçá-la, esperando-a se acalmar. Andrew, em realidade, era péssimo quando se tratava da arte do consolo. Quando a mãe de sua aluna e ex-vizinha, Emily Thorne, morreu, ele, ao encontrar o pai da garota no elevador e saber de toda a história por alto, disse: "Que m**da! Meus sentimentos!" Era melhor só ter abraçado o vizinho.

"Pelo menos ele não morreu", ensaiou Andrew na sua cabeça. Péssimo e poderia soar insensível, apesar da intenção ser a das melhores. "Vamos dar um jeito nisso". O que isso significa? Ele não fazia a menor ideia. "Deus está no controle!" Bem cristão, pouco Andrew. Depois de algumas tentativas malsucedidas, ele optou por dizer:

"Vai ficar tudo bem, seu pai vai ficar bem. Deus está no controle.", ele falou, beijando o topo da cabeça dela. Frase pouco Andrew, mas bem Jessica. Não é que ele não acreditasse no poder de Deus, mas, às vezes, a vontade dEle é diferente da do homem, então Deus estar no controle, talvez não fosse tão consolador na mente do inglês. Entretanto, como a maneira de pensar dele não era igual à dos restantes dos cristãos, a frase era suficientemente plausível para ser dita em momentos como aquele.

Jessica não disse nada, apesar de ter pensado "Amém". Continuou abraçando Andrew mais um pouco, até soltá-lo um tempo depois. Ela entrou na casa e se sentou no sofá. Ele lhe ofereceu água, que aceitou mais por educação, do que por qualquer outra coisa. Quando a advogada ficava nervosa ou com alguma preocupação na cabeça, a última coisa que ela queria era água. O professor se sentou ao seu lado e lhe entregou o copo. Ela deu um pequeno gole e o deixou em cima da mesa.

"Eu posso te fazer um chá também."

"Não precisa!" O chá, na verdade, até que cairia bem, mas ela preferia que o namorado estivesse ao seu lado do que na cozinha preparando chá.

"Como está o seu pai? O que você soube sobre ele?"

"A Val me disse que ele tava no trabalho e sentiu um forte aperto no peito. Quando foram ver, era um infarto. Levaram ele pro hospital e agora ele ficará internado lá durante sabe-se lá quanto tempo."

"É ruim, mas é bom pelo acompanhamento médico. Ele vai ficar bem, só que provavelmente terá que mudar o estilo de vida.", ele falou, pegando a mão dela e fazendo carinho.

"Pode ser! De qualquer maneira, eu vou até lá hoje pra ver como ele tá."

"Quer que eu vá com você?"

“Não precisa, eu não quero que você largue tudo por causa disso.”

A resposta de Jessica o fez rir internamente. Ele achava engraçado o preço da educação. Obviamente, se ela não quisesse que ele fosse, nem teria perdido o tempo dela indo para a casa dele, porém, afim de obedecer a uma espécie de manual de boas maneiras, negou a oferta. Agora era a vez de Andrew seguir de acordo com o script.

“Não, eu faço questão!”, insistiu ele prontamente.

"Então se não for mesmo te atrapalhar, eu aceito. Muito obrigada!", ela deu um sorriso fechado, sem nenhum sinal de humor.

"Você já comprou as passagens? Viu a hospedagem?"

"Não, eu não vi nada. Eu soube e vim pra cá."

A frase de Jessica, por mais curta que fosse, revelou muita coisa para Andrew. Ele agora tinha se transformado no porto seguro da ruiva. Qualquer problema que ela tivesse, ele provavelmente seria o primeiro a saber. Isso significou muito para ele, porque essas coisas se conquistam com o tempo. É necessário também muita confiança no parceiro para alçá-lo a uma posição com essa. Pelo menos, na Inglaterra era assim. No Brasil talvez não fosse, mas ele gostava de pensar que era.

"Eu vou resolver isso então. Em qual hospital ele tá internado?"

"Santa Maria, ala Norte."

"Vou tentar encontrar um hotel perto de lá."

Jessica assentiu e Andrew pegou o computador para resolver as burocracias da viagem.

"Tem um voo uma hora da manhã. Tá bom pra você?"

Jessica não respondeu. Parecia estar aérea. Provavelmente, muita preocupação em sua cabeça. Andrew resolveu, então, dispor de tudo sem perturbá-la.
Na hora de fazer a reserva no hotel, ele se perguntou quantos dias ficariam. Bem, poderia indagar Jessica de novo, mas ela estava muito absorta nos próprios pensamentos, então era melhor não a amolar. Tentando ser razoável, ele pensou: "Acho que três dias é mais do que suficiente. Não dá pra faltar o trabalho mais do que isso, até porque ele não deve ter ficado com sequelas. Será que ele tá com sequelas? Será que ficou com a boca torta? Acho que não. Se tivesse, a tal da Val falaria 'A propósito, seu pai ta com a boca torta'. Ou não, né? Pra não desesperar ainda mais a Jessica... Espero que não haja sequelas. Se tiver, aumentamos a estadia. Pronto! Por enquanto, três dias está bom!"

A cabeça da ruiva realmente estava a mil. Ela estava pensando em muitos momentos. A maioria deles, de quando era criança. Sua irmã estava em alguns deles. Seu pai não havia sido o melhor pai do mundo. Na verdade, ele foi um dos culpados pelo maior sofrimento que ela já sentiu na vida. Ele, sem dúvida, era superprotetor, o que não significava que era supercarinhoso ou algo do tipo. Mais do que protegê-la, ele se mostrava preocupado em proteger a religião e tudo o que ela implicava. Ainda assim... ainda assim, ela conseguia pensar em alguns poucos momentos em que precisou dele e ele esteve por ela. Era incrível como ela o odiava e ao mesmo tempo o amava. Ela tinha perdido praticamente todos de sua família. Se perdesse ele, ela não teria... ninguém. Ao menos, ninguém realmente dela. Nada era dela. As lágrimas caíam silenciosamente. Jessica foi despertada de seus pensamentos com Andrew entregando uma xícara de chá para ela. Ela sorriu em retribuição, novamente, sem mostrar os dentes e sem um pingo de humor. Andrew sentou do lado dela e Jessica encostou a cabeça em seu ombro. Ele começou a passar a mão na cabeça dela, até dizer:

"Você precisa avisar a Emma ou o Bradley que você vai viajar." Andrew poderia fazer tudo pela Jessica nessa viagem, mas uma coisa que ele não faria de jeito nenhum seria falar com Bradley. Ele ficaria morrendo de ódio do amigo (ou ex-amigo?).

"É verdade! Vou ligar pro Bradley e avisar."

"E eu vou fazer a mala. Depois a gente vai pra sua casa, você faz a mala e vamos ao aeroporto."

O professor foi para o quarto, mas deixou a porta aberta para ver se escutava algo da conversa. Ele poderia imaginar, mais ou menos, o que foi dito pelo amigo pelas respostas de Jessica. Nossa, quando Bradley descobrisse sobre a viagem que os dois fariam, mesmo que em uma situação tão extrema como aquela... Mais um mês sem falar com Andrew.

A ruiva discou o número de Bradley, que rapidamente atendeu:

"Jessica?", ele falou meio chateado.


Assim que ouviu a voz de Bradley, Jessica sentiu um aperto no coração, que fez as lágrimas instantaneamente brotarem em seus olhos. Por mais que os anos tivessem passado e eles não estivessem mais juntos, o ex-marido ainda a lembrava de lar. Escutá-lo a transportava para momentos em que ele sempre era a pessoa que estava por ela. Irracionalmente, naquele breve instante parecia que ela estava contando a notícia pela primeira vez: “Bra-Bra-Bradley... Meu pa-pai...”, começou a ruiva aos soluços.

Assim que escutou o dito incompleto de Jessica, Bradley adivinhou o resto. Seu coração acelerou, não por Paulo, mas pelo sofrimento que o ocorrido estava causando na ex-mulher e pelo o que ela ainda viria a sofrer. Assustado e com o intuito de confirmar a tão temida notícia, ele a incentivou a continuar: “Calma, respira...”

Seguindo os comandos de Bradley e tentando respirar, ela finalmente disse: “Meu pai so-sofreu um in...farto e... e eu preciso que você cuide da Emma por mim durante e-esses dias. Eu vou a Brasília ver co-como ele tá.”, falou ela em meio a fungadas.

"Seu pai sofreu um infarto?", Bradley perguntou menos assustado, afinal Paulo pelo menos estava vivo, mas ainda com certa preocupação (a mente é repetitiva). "Jessica, meu Deus! Você tá precisando de alguma coisa? Eu vou com você até lá."

"Obrigada, Bradley, mas não precisa", a advogada respondeu sem graça, "o Andrew já vai comigo."

"P**a que pariu!", pensou Andrew, ao ouvir a resposta de Jessica. "Ele se ofereceu pra ir com ela e ela teve que responder que vai comigo. Que m**da!"

"Ah!", respondeu o professor de estatística seco. "Tudo bem, eu cuido da Emminha então. Quanto tempo vocês vão ficar em Brasília?"

"Não sei, três dias, talvez. Vai depender do que o médico disser."

"Ok então! Melhoras para o seu pai."

"Obrigada! Fala pra Emma e pro Brian que eu mandei um beijo."

"Ok! Tchau!", despediu-se Bradley secamente.

"Tchau!", respondeu Jessica, sabendo que o ex ficou chateado.

Traição. Muita traição. Era tudo o que Bradley conseguia pensar no momento. Não fazia muito tempo que era ele quem lidava com esse tipo de situação. Mesmo depois de divorciados, quando Jessica tinha um problema, ele era um dos primeiros a saber (às vezes Octavia era a primeira, por isso, um dos) e a tentar resolver o problema. Andrew e Jessica não tinham nem mesmo 6 meses de namoro e já estavam naquele nível? O pai dela sofreu um infarto e é Andrew quem a acompanhará? Até mesmo quando a ex namorava Júlio César, Bradley sentia que ele continuava sendo o suporte dela, aquele que não a deixava afundar. Aliás, ele era ótimo nisso. Ele sabia exatamente o que falar e como agir. Foram tantos anos dividindo a vida com aquela mulher, passando por situações e dilemas inimagináveis para ela jogar tudo fora, namorando o ex-melhor amigo dele. Bradley não se perdoaria nunca por tê-los colocados juntos como padrinhos. Ele duvidava que Andrew fosse tão solícito, tão atento às necessidades de Jessica como ele. Talvez a viagem até seria boa para ela perceber isso. Perceber que ninguém se doaria mais a ela do que ele. Ninguém. Andrew, Júlio César, ninguém! Não, ele não pensaria mais nisso! Prometera a Jennifer que não pensaria mais em Jessica e estava fazendo um ótimo progresso até então. Jennifer não merecia isso. Era incrível demais para ocupar segundo lugar na mente de Bradley. Jessica havia deixado claro suas opções agora; era hora dele fazer o mesmo.

Andrew terminou de arrumar a mala, pensando no quão p*to Bradley devia estar. "Coitado!", primeiramente pensou o professor, até perceber o quanto soava como um otário, quando se tratava do amigo. A culpa o fazia aceitar coisas que eram descabidas. Se Jessica já tinha namorado, com que direito Bradley tinha se oferecido de ir com ela a Brasília? "Que descarado! Eu literalmente sou uma p**inha do Bradley!" Ele saiu do quarto com a mala pronta e encontrou Jessica novamente pensativa, segurando a xícara de chá. "Espero que não esteja pensando no outro..."

"Terminei! Vamos até a sua casa? O voo é às 1h."

"Vamos sim!"

Ele levantou o queixo dela com o dedo e disse:

"Ei, eu sei que é difícil isso, quer dizer, infarto é fo..., é chato pra caramba...” Neste momento, Jessica abriu um sorriso fraco e tocou no rosto de Andrew, por achar fofo o esforço dele de não falar palavrão na frente dela. O ato dela, pegou positivamente o inglês de surpresa, o desconcertando um pouco e o fazendo titubear na continuação do seu discurso: “ma- mas seu pai... Ele tá bem, né? Então não precisa, sabe? Não precisa ficar se martirizando, pensando 'E se... E se...'. Ninguém também tem infartos seguidos." Essa informação, precisamente, Andrew não fazia a menor ideia se estava certa. Ao menos, ele nunca ouviu falar de casos com dois infartos praticamente seguidos. "Seu pai provavelmente está se alimentando mal. Dei uma pesquisada na Internet agora e vi que infarto não causa sequelas. Ele só vai precisar comer melhor, adotar um estilo de vida mais saudável, essas coisas. Foi o corpo mandando uma mensagem pra ele, mas nada que signifique que ele vai morrer em pouco tempo, ok? Eu sei que parece um pouco absurdo o que eu vou dizer, mas fica um pouco mais tranquila, pelo menos. Quando chegarmos lá, vamos falar com o médico e ele vai dizer o que o seu pai precisa fazer. Montaremos um plano e vai dar tudo certo, tenha fé! Deus não faz nada pela metade."

Jessica gostou muito de ver que Andrew havia feito uma pesquisa na Internet na tentativa de acalmá-la, além de usar a terceira pessoa do plural, nós, em "montaremos", mostrando parceria entre os dois. Agradou a ela notar também o quanto ele parecia estar mais apegado a Deus. Se não fosse o quase palavrão, dava até para pensar que ele fazia parte da igreja dela. Ele costumava soar mais religioso quando estavam juntos. Claro que não chegava nem perto da religiosidade da comunidade cristã, mas ainda assim, era legal de ver isso.
No momento, ela não estava lá muito racional, então era bom saber que estava com alguém com quem poderia contar.

"É verdade! Obrigada, Andrew!" Ela fez carinho na barba malfeita do namorado e deu um selinho nele.

Andrew pegou um lenço de papel e o aproximou do nariz dela. Ela assoou e ele guardou o lenço de volta no bolso. Os dois, então, foram de mãos dadas até o apartamento de Jessica.

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Andrew e Jessica chegaram ao aeroporto Galeão com uma hora e meia de antecedência. Esperaram lá o horário do voo pacientemente, até que chegou a hora do embarque. A aeronave estava praticamente vazia, afinal não havia muita gente que tivesse interesse de viajar para Brasília 1h da manhã. Tudo isso fez com que 10 minutos depois do embarque, o avião já estivesse preparado para decolar. O problema é que não foi isso que aconteceu. Passaram-se 20 minutos, 30 e nada de o avião decolar. Jessica já estava estressada com aquilo tudo, apesar de Andrew tentar acalmá-la. A verdade é que o professor estava tão estressado quanto a namorada com a demora, mas alguém precisava ser calmo e paciente e, naquele momento, o papel pertencia a ele. No momento em que os passageiros mais precisavam de informação, os comissários de bordo haviam convenientemente sumido. Sem achar na pessoa de Andrew o seu companheiro de reclamação, Jessica começou a reclamar com um senhor que estava sentado na outra fileira e que também estava impaciente com o atraso.

"Que falta de respeito da Gol. Deixar os passageiros mais de 30 minutos dentro dessa aeronave sem informação nenhuma do que está se passando.", reclamou a ruiva.

"Isso cabe um belo de um processo! Eu sou advogado. Conheço os meus direitos.", concordou o senhor bem vestido.

"Eu também sou advogada."

"É mesmo? Que ótimo! Então podemos juntar nossas forças e abrir um belo de um processo contra a Gol."

"Você tem alguma coisa urgente marcada para hoje?", Jessica perguntou aparentemente curiosa.

"Eu? Eu tenho uma reunião com um possível cliente esta semana."

"Essa reunião é hoje?"

"Não, não. Eu to indo hoje, porque o voo tava mais barato para hoje, nesse horário. Agora entendi o porquê.”, ele balançou a cabeça negativamente. “Você também tá indo à negócios?"

Andrew gostou muito de ver Jessica conversando com aquele homem gordo, de terno, mesmo que o voo estivesse atrasado. Na verdade, ele começou a gostar da demora, pois fez a advogada se distrair um pouco. Agora ela conversava com o desconhecido sobre advocacia. Era interessante ver dois advogados dialogando. Ainda que a namorada não estivesse lá 100% solta, foi o momento em que ela pareceu um pouco mais "tranquila". Era engraçado, pois ele era meio que um empecilho para aquela conversa fluir melhor, já que Jessica estava na janela e ele na ponta, atrapalhando a visão dos dois advogados. Entretanto, ele gostava de ficar lá, pois aquele obstáculo, além de proporcionar um melhor panorama da namorada, fez com que ela, com a mão apoiada na perna dele, tivesse que se inclinar para o lado para melhorar seu campo de visão. A voz do piloto interrompeu tudo aquilo, avisando que todos deveriam descer do avião, pois havia problemas técnicos na aeronave que impossibilitavam a decolagem naquele momento. Como pedido de desculpas, a companhia se comprometeu a dar um voucher no valor de R$40,00 para que os passageiros pudessem se alimentar durante o período de espera.

"Que absurdo!", reclamou o senhor. "Mas eles que me aguardem! Isso o que eles estão fazendo é lesão ao consumidor e está garantido por lei. O processo ficará belo!"

Jessica fechou os olhos tentando controlar a dor de cabeça que estava se formando em sua cabeça. Por que justo hoje deu esse problema? Não era a primeira vez que ela passava por uma situação dessas, mas certamente foi uma das mais importunas. O casal saiu, então, da aeronave e foram direto para o guichê da Gol pegar seus vouchers. Andrew, vendo a frustração estampada na cara da ruiva, disse:

"Pelo menos vamos ganhar um voucher alimentação."

"Esse voucher mal vai pagar um sanduíche. As coisas aqui são caras."

"Isso é", respondeu o professor pensativo, tentando pensar em algo positivo para animá-la. Lembrando-se do que o senhor advogado disse no avião, ele complementou: "Pelo menos dará num belo de um processo."

"Ah, nossa, aquele moço só falou besteira", ela revirou os olhos. "Se ele entendesse o mínimo de Direito, saberia que a ANAC, na resolução 400/16, permite que haja atrasos nos voos, caso algumas coisas aconteçam, como condições climáticas não favoráveis, falta ou problemas com a tripulação, manutenção da aeronave, etc. Na verdade, a única responsabilidade da Gol, até o momento, é oferecer água e alimentação para os passageiros, que foi o que eles fizeram. Se a demora for maior do que 4 horas, aí que podemos cogitar alguma coisa, mas provavelmente não conseguiremos nada, por sermos do Rio. Nem com o meu pai internado seria possível, pois ele tá vivo, então, nenhum problema em termos jurídicos. Por isso, eu perguntei se ele tinha algum compromisso urgente. Se ele tivesse, poderia até pensar num processo, que de belo não teria nada. No máximo, ganharia um reembolso da passagem e talvez um pequeno valor pelo transtorno causado. Dependeria, na verdade, do que evento que ele tivesse perdido."

Jessica era muito sexy. Era só nisso que o professor conseguia pensar naquele momento. Vê-la falando termos legais do trabalho era excitante. Advocacia é uma profissão sexy... para mulheres.

"Uau", falou Andrew impressionado, "você gravou o número da resolução!"

"Ah, isso é tranquilo. Já cuidei de alguns casos assim, então é fácil gravar, mas eles são tão chatos e simples, que eu nem pego mais."

"Você devia ganhar todos!"

"Aí é que tá: muita gente acha que pode processar uma companhia aérea, quando, na verdade, não pode. Quer dizer, poder, pode, mas é um caso perdido e uma perda de dinheiro. É difícil explicar isso para algumas pessoas, porque muitas não aceitam, alegando que o tio processou e conseguiu tal quantia de indenização. Eles não entendem que cada caso é um caso e que o tio provavelmente conseguiu, porque estava num país estrangeiro e perdeu uma conexão, causando um dano maior pra ele."

Muito sexy.


"Já pensou em ser professora?", perguntou Andrew, dando uma cotovelada de leve na parceira. Não era exatamente o que ele queria fazer, mas a situação não permitia abusos da parte dele. Não o entendam mal, ele não era insensível. É só que, naquele momento, parecia que as coisas estavam normais e que ninguém havia sofrido um infarto.

"Já pensou em ser professor?", rebateu ela.

"Mas eu sou professor."

"Eu sei! Saiu errado!", ela disse envergonhada.

"Ok...", Andrew olhou para ela como se ela fosse estranha, se afastando um pouquinho.

"Não, por favor, não", disse ela, rindo um pouquinho. "Vem aqui!", ela puxou ele. Andrew se reaproximou e pendurou um de seus braços em volta do pescoço dela, a puxando para perto. Os dois, então, pegaram o voucher e foram se sentar em um dos bancos de espera, já que nenhum estava com fome no momento.

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O voo demorou mais do que o esperado. A Gol teve que trocar a aeronave e isso levou um tempo, para ser mais exato, 3h (fora os 30 minutos de espera dentro do avião). O clima descontraído de antes durou pouco, pois a lembrança do infarto invadiu de novo os pensamentos de Jessica, fazendo-a ficar soturna. Apesar de cansada, ela não conseguia dormir. Ela tinha medo de que algo acontecesse com o pai, enquanto estivesse naquele aeroporto esperando. Só numa situação como essa que um belo de um processo faria sentido. Ela tentou afastar o pensamento da cabeça em vão. Eles voltavam cada vez piores. Andrew tentou distraí-la, mas a verdade é que nada do que ele dizia conseguia enganar seus pensamentos. Quando ele se deu conta de que não poderia fazer mais nada, preferiu fazer carinho nela, torcendo para que aquilo a fizesse se sentir sonolenta a ponto de dormir. Ele passava a mão pelo pescoço dela em um movimento de vai e vem até chegar no couro cabeludo de Jessica, em curso circular. Com o tempo, passou os dedos abertos pelos cabelos da ruiva, alternando com puxadas de pequenos fios, que enrolava em seu dedo e depois soltava. O professor botou todas suas forças naquela tarefa, entretanto a advogada não sentia nada, entorpecida pelas cruéis lembranças e pelos medos cadentes.

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No avião, o sono foi mais forte do que Andrew que, sem se dar conta, dormiu a viagem toda. Jessica, porém, não conseguiu e, ao contrário do namorado, permaneceu acordada o trajeto inteiro. Aproveitando que o namorado estava dormindo, ela se aproximou da janela, com a mão em punho sustentando o rosto, deixando as lágrimas rolarem livremente.  Quando o avião aterrissou, a ruiva alisou o braço do professor para acordá-lo:

“Ei.”, a advogada se aproximou do inglês e beijou seu ombro. “Chegamos.”

Ainda zonzo e surpreso pelo fato de ter dormido, Andrew pediu desculpas a Jessica, que questionou o motivo das desculpas:

"Por que você tá me pedindo desculpas por ter dormido? Não tem problema! Eu dormi também.", mentiu ela, não porque achasse que Andrew tivesse feito algo errado, mas para tentar tranquilizá-lo em relação a ela. Até teria, se ele tivesse acreditado nela.

No próprio aeroporto, Andrew e Jessica pegaram a chave do carro numa das agências que havia. Não demorou muito tempo, pois o professor já havia agendado e resolvido a maior parte dos trâmites pela Internet.
Dentro do carro, ele perguntou se a advogada queria passar no hotel para deixar as malas ou se já queria ir ao hospital. A resposta foi óbvia. Naquela hora, ela ficou feliz por Andrew ter dormido um pouco no avião, pois ele parecia um pouco menos cansado para dirigir. Ela até pensou em pedir para dirigir, mas como estava nervosa, achou que fosse mais prudente o parceiro ficar responsável pela direção.
Chegando no hospital, ela foi direto para recepção querendo saber notícias do pai e se podia entrar no quarto para vê-lo. A atendente procurou no computador informações sobre o senhor Chastain e a "tranquilizou", entre aspas, porque tranquilizar não seria a palavra totalmente correta para explicar a Jessica naquele momento, dizendo que o pai da moça estava bem. Entretanto, a má notícia veio quando a atendente informou que ela não poderia entrar no quarto, pois já havia o número máximo de pessoas permitidas na habitação.

"Como assim? Mas eu sou filha dele!"

"Me desculpa senhora, assim que os visitantes saírem, eu te aviso para que vocês possam entrar."

"Quem são esses visitantes?", perguntou Jessica, então, desconfiada.

A atendente deu um risinho, olhou para os lados, e disse baixinho, perto de Jessica e Andrew: "O presidente e dois deputados."

"O Bolsonaro tá aqui?", Andrew perguntou surpreso.

"O senhor Chastain passou mal na Câmara, então o nosso querido excelentíssimo senhor presidente decidiu fazer uma visita hoje de manhã cedo, com um dos deputados que socorreu seu pai."

"Uau", disse Andrew maravilhado ao mesmo tempo em que Jessica disse: "Que absurdo! Agora mais essa!"

"Eles já devem estar saindo. Enquanto isso, eu faço o crachá dos dois."

Jessica e Andrew sentaram na sala de espera. O professor olhou ao redor e percebeu que o hospital era muito chique. A advogada, no entanto, estava emburrada.

"Que horas são?", ela perguntou impaciente.

"7h33min. Calma, Jessica! Daqui a pouquinho você vai ser o seu pai."

"Eu não queria ter soado rude quando a atendente contou que meu pai estava com visitas, ainda mais de um dos homens que socorreu ele, mas é que eu fiquei tão frustrada. Queria tanto ver ele logo.", falou ela arrependida.

"Você vai ver! Falta pouco! Pelo menos ele foi bem cuidado. Olha esse hospital! Essas revistas são do mês. Na psicóloga do Asa, as revistas são velhas, e olha que ela cobra caro."

"Eu preciso ver com os meus olhos. Preciso falar com o médico que atendeu ele."

"Você vai, você vai."

Jessica deitou no ombro de Andrew cansada. Ele perguntou a ela:

"Você quer café?"

"Não, eu to bem, mas se quiser, pode pegar pra você."

"Não, eu to bem também."

Mas a verdade é que Jessica não estava bem. Ela estava extremamente cansada. Já havia acordado cedo no dia anterior e, ainda por cima, virou a noite. Sem que ela percebesse, assim como Andrew no avião, ela pegou no sono.
Depois de quinze minutos, a recepcionista avisou que as visitas haviam saído e que eles poderiam entrar, entretanto, o inglês ficou confuso do que deveria fazer, pois Jessica parecia muito cansada e precisava daquele sono. Ele olhou com cara de confusão para Ana, a recepcionista, perguntando, sem som, "O que eu faço?", e apontando com o olho para a ruiva dormindo. Ela apenas riu para ele, por não ter entendido nada do que ele havia falado. Em defesa da pobre Ana, se já é difícil entender Andrew por causa do sotaque, imagina compreendê-lo sussurrando em português.
O professor acabou decidindo, depois de um minuto, por acordá-la. Imaginou que ela estivesse muito ansiosa e pudesse ficar chateada com ele por não a haver despertado na hora certa. Além do mais, ela podia dormir depois.
Jessica acordou assustada e perguntou, tentando se recompor:

"Por quanto tempo eu dormi?"

Andrew olhou para o relógio e respondeu: "Por uns 15 minutos."

"Ah. Já podemos entrar?"

"Sim!"

Os dois pegaram o adesivo que os identificava como visitantes e foram informados de que o médico passaria no quarto em instantes para explicar tudo para eles e dizer os próximos passos a serem tomados. Notificados do número do quarto, Jessica e Andrew foram até lá de mãos dadas, porém, antes de entrarem, o professor disse:

"Melhor você entrar sozinha primeiro. Eu fico no corredor esperando."


Ela concordou. O coração de Jessica batia forte. Ela, sem pestanejar, entrou no quarto para ver o pai.
Andrew, assim que viu ela desaparecendo, ficou ainda mais nervoso por ela. Devia ser uma emoção muito forte aquele reencontro, depois do que aconteceu. Ele olhou, então, para o adesivo de visitante que ainda estava na sua mão e leu "Andrew Chastain", o que o fez rir. Confundiram ele com o irmão de Jessica, apesar de os dois não terem nada a ver um com o outro.

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"Pode entrar, Andrew!", Jessica disse na porta do quarto, estendendo o braço para o professor, que agarrou sua mão.

Havia se passado uns 20 minutos desde que a madrinha de Brian entrara no quarto. Quando Jessica, com uma cara de quem havia chorado rios, apareceu na frente dele, o inglês ficou nervoso, pois sabia o que o esperava. Teve uma grande vontade de entrar lá dizendo, "Oi, papai!", por causa da identificação que recebeu, mas sabia que ninguém acharia graça, então decidiu jogar no seguro. Assim que entrou, a ruiva, apertando a mão de Andrew bem forte, falou meio sem jeito:

"Pai, esse aqui é o Andrew. Vocês já se conheceram. Ele é o padrinho do Brian e veio aqui pra me fazer companhia. Ah, e a gente tá junto."

A mão de Andrew doeu com aquele aperto que prendia sua circulação. Ele se sentiu acanhado igual a um adolescente, sendo julgado pelo pai da namorada. Será que Júlio havia passado por aquilo? Provavelmente, afinal, ele e Jessica quase se casaram.

"Tudo bem?", perguntou o senhor estendendo a mão.

"Eu que pergunto.", pensou Andrew. "Tudo bem e você?", disse.

"Bem, eu já estive melhor.", ele riu.

"Qual é o nome dele mesmo?", se perguntou o pai de Asa. "Jessica só chama ele de pai." Ele riu da piadinha e ficou pensando no que dizer.

"Mas quem diria, né? Vocês dois, padrinhos do Brian, juntos. Na verdade, já era de se imaginar. Colocar duas pessoas que não são casadas para assumirem a função árdua de serem padrinhos só poderia gerar uma aproximação desse tipo."

"É, o Bradley se f**eu!" Os pensamentos de Andrew eram terríveis. "Qual é o nome desse homem, pelo amor de Cristo?"

"Paulo Chastain?", entrou o médico com o prontuário do paciente.

"Paulo!", constatou, obviamente, a mente do ex-marido de Antonella.

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Assim que Andrew entrou no quarto, Paulo se lembrou da figura do professor. Ele se recordou de ter conversado algumas coisas com ele, embora não soubesse exatamente o quê. Lembrava, também, que ele não seguia a religião, o que era um problema. Jessica não tinha lá muito jeito. Ela tinha uma fixação por pecadores.

"Tudo bem?", perguntou ele estendendo amigavelmente a mão.


"Tudo bem e você?", disse, retribuindo o aperto.

O aperto não era tão firme. A mão estava levemente molhada. Nem parecia que estava conhecendo um homem da idade de Andrew, já que o cara parecia intimidado como um adolescente. A filha também estava pouco natural, como se estivesse nervosa pelo o que o pai esperaria do namorado. Paulo acabou apreciando um pouco aquilo, pois mostrava que os dois tinham respeito por ele e pelo o que pensava. Era algo que o deputado achava que merecia, principalmente depois da filha quase ter se casado com um cara que ele desaprovava totalmente, a ponto de não fazer nem questão de conhecê-lo propriamente.

"Bem, eu já estive melhor.", ele riu, fazendo uma piadinha para tentar amenizar um pouco o clima. Ele não era lá de piadas desse tipo, mas era uma concessão que ele poderia fazer, depois de quase achar que iria morrer.

Andrew riu de volta e ficou olhando para Paulo com cara de palerma. O deputado não gostou muito da falta de firmeza do namorado da filha, que parecia não saber o que fazer. Toda aquela cena esquisita foi interrompida pelo médico, que entrou para falar sobre o ocorrido, agora com sua filha.

"Senhorita Jessica Chastain e senhor Andrew Chastain", disse o médico lendo os nomes escritos nos adesivos colados nas camisetas deles, "precisamos conversar sobre o que aconteceu com o pai de vocês".

Paulo e Jessica então se deram conta da confusão e Paulo e Andrew, ao mesmo tempo, tentaram resolver o ocorrido:

"Ele não é meu filho."
"É um engano. Ele não é meu pai."

"Desculpem-me, senhores. Essa confusão certamente não deveria ter ocorrido, uma vez que é solicitado a identidade dos visitantes, antes que eles possam entrar no quarto. Quem foi o ou a atendente responsável por fazer a identificação?", perguntou o médico, parecendo irritado pelo erro de um dos recepcionistas.

“Na verdade, foi minha culpa. Eu disse que era filho dele, porque fiquei com medo de não me deixarem entrar.", mentiu Andrew, com medo de algo acontecer com Ana, a recepcionista risonha. Na realidade, a moça só havia perguntado seus nomes, mas nada. Nem identidade havia pedido. O parentesco ficou por conta dela, que aparentemente viu semelhança entre Andrew e Jessica ou Andrew e Paulo, apesar de ele ter um sotaque carregadamente de estrangeiro. Vai saber o que se passou na cabeça da mulher. O professor, então, notou que parecia muito idiota dizendo aquilo na frente de Paulo, mas ele já estava soando como um idiota desde que entrou naquele quarto, então não fazia lá muita diferença.

"Sim, claro, mas mesmo assim, deveriam ter checado a identidade."

"Infelizmente, eu não vi o nome da pessoa. Peço desculpas." Andrew fez questão de falar “pessoa” para não revelar o gênero.

"Ok, tudo bem, depois veremos isso então. Mais uma vez, minhas sinceras desculpas pela confusão. Agora, muito bem, vamos ao que interessa. Senhorita Chastain, como você já deve saber, seu pai sofreu um infarto. Entretanto, isso não é motivo de tanta preocupação, como seria se fosse um AVC. Seu pai ficará bem e sem sequelas. Porém, isso também não é motivo de total relaxamento. O infarto indica que há alguma coisa de errada com o seu pai, que precisa ser resolvida. Felizmente, não envolve cirurgias. É mais uma mudança no estilo de vida da pessoa. Antes de dizer o que deve ser feito, eu só gostaria de confirmar algumas informações que o senhor Chastain passou para mim. Talvez, ele possa ter se confundido em alguma resposta, então é melhor checar com você que é filha. Seu pai fuma ou já fumou?"

"Não!"

Andrew estava um pouco cético. Aquele homem tinha cara de quem fumava, pelo menos, charutos. Talvez ele escondesse a informação por causa da religião. Vai saber...

A família já teve histórico de infarto?

"A minha avó já teve, não foi, pai?"

"Hmmmm... é verdade! Tinha me esquecido. Uma vez, ela teve."

"Você se lembra de mais alguém, senhor Chastain? Porque antes você disse que não tinha ninguém e eu acho que essa informação você deve saber mais do que a sua filha."

"Hmmmmm... Não, acho que foi só minha mãe. Ah, e um dos meus tios. Não sei se foi infarto ou um AVC. Eu era criança, na época."

"'Você tem algum afilhado?' Eu poderia ter perguntado isso, em vez de ter ficado parado, rindo daquela piada previsível", pensou Andrew, de repente.

"Ok, então! Creio que a causa do infarto do seu pai seja uma mistura de estresse causado pelo trabalho somado ao fator genético."

"Mas eu não posso deixar de trabalhar. Eu tenho um dever com o povo."

"Você não precisa deixar de trabalhar, senhor Chastain, só precisa diminuir um pouco mais o ritmo, por causa da idade. É importante, também, que você siga uma dieta e faça exercícios, não para emagrecer, pois o seu peso está até bonzinho, mas para se fortalecer. A nutricionista do hospital fez uma dieta especialmente para você.", o médico entregou um papel para Paulo e para Jessica.

"E os exames dele, doutor? Deu tudo certo?"

"Será que esse médico tem doutorado? Deve ter! Esse hospital é tão chique. Só destoa a Ana que não olha identidade.", continuou pensando vocês sabem quem.

"Sim. Tudo certinho! Só recomendo que ele faça um exame ergométrico e vá ao cardiologista. Vimos tudo por aqui e parece que tudo se normalizou, mas é sempre bom ver com um especialista mais detalhadamente. De qualquer forma, senhorita Chastain, não há nada com o que se preocupar. Se fosse algo sério, teríamos visto pelos exames que fizemos aqui. O perigo, portanto, não é iminente. Na verdade, se o senhor Chastain seguir as recomendações feitas, não haverá risco nenhum de outro infarto.", tentou acalmar o médico, sentindo que Jessica estava ansiosa.

"E quando ele poderá receber alta?"

"Esperaremos mais duas horas. Caso não haja alteração na pressão sanguínea, poderá ir pra casa imediatamente. Aliás, é bom falar um pouco sobre o remédio da pressão. Estou mudando o remédio para um mais adequado para o caso do seu pai. É bom que ele tome religiosamente todos os dias, já que ele tem hipertensão."

"É tarja preta?", perguntou Paulo assustado.

"Não, fique tranquilo. Não existe remédio de pressão tarja preta. É só um que se adequa mais as suas necessidades."

"Pode deixar, doutor! Tomaremos todos os cuidados para que isso não aconteça de novo."

"Ótimo! E mais uma vez, para os três: fiquem tranquilos. Infarto parece horrível, mas não é o fim do mundo. É só um aviso do corpo de que é preciso cuidado. Quase ninguém morre de infarto. A dor é forte, mas é só a sensação mesmo."

"Muito obrigada pelas informações, doutor!", agradeceu Jessica.

O médico saiu da sala, deixando os três a sós. Paulo quebrou o curto silêncio perguntando onde o casal estava hospedado.

“Hotel Robson Crusoe. Na verdade, a gente ainda nem fez o check-in.”, respondeu Andrew.

“Hmmmm...”, murmurou o deputado. “É um bom hotel, pelo o que eu ouvi falar. Não é o melhor da cidade, mas é bonzinho. E quantos dias vocês vão ficar?”

“Não sei muito bem...”, Andrew olhou interrogativamente para Jessica, que respondeu prontamente:

“Três dias.”

“Ah!”, respondeu Paulo. “É um bom tempo. Dá pra conhecer a cidade.”

“Você sabe muito bem que a gente não veio pra ficar de férias. Viemos por você.”, falou Jessica um pouco ríspida.

“Não, eu sei, eu sei! Ainda assim, se um dia vocês quiserem sair pra conhecer a cidade, fariam tudo em um dia.”

“Eu já conheço a cidade. Vim aqui em 20....”, tentou amenizar Andrew, sendo interrompido pela enfermeira, que avisou que dois deputados queriam visitar Paulo rapidamente.

“Pode deixar eles entrarem.”, Jessica se dirigiu para a enfermeira. “A gente fica esperando aqui fora, ok?”, ela agora falou para o pai.

“Ok! Obrigado, filha.”

Andrew e Jessica foram para fora do quarto e se depararam com os dois deputados esperando já no corredor. “Privilégios”, pensaram ambos, sem um ter dito nada para o outro. Os políticos entraram, então a ruiva disse:

“Andrew, eu acho melhor a gente ficar com o meu pai durante esses três dias.”

Não era o que o inglês queria, mas era totalmente compreensível o pedido dela e ele já estava preparado para que tal ponderação fosse feita.

“Tudo bem!”, ele deu a mão para ela. “Você está bem? Parece ainda chateada, não sei.”

“É que o meu pai... Eu não gostei dele ter falado aquilo que ele falou. Parece que eu sou uma filha horrível, que só veio ficar três dias pra conhecer a cidade. Sei lá, vai ver ele não falou por mal, mas não sei... Parecia uma crítica.”

Jessica sempre teve um pé atrás com o pai. Além dele ser muito crítico em relação aos outros, ele também era em relação a ela. Suas frases pareciam sempre vir acompanhadas de algum comentário ácido, até as mais aparentemente inofensivas.
A ruiva já estava pensando em ficar com Paulo durante os três dias. Ela só não havia falado nada, porque faltava avisar o namorado. Não que ela precisasse da autorização dele, mas ela acha que devia isso ao professor, afinal ele já tinha feito as reservas e, provavelmente, teria que pagar uma taxa de cancelamento. Do jeito que o político tinha falado, parecia que ela era uma relapsa, que nem se preocupava com o pai recém-infartado, sendo que, na realidade, ela havia sofrido muito antes de vê-lo. Ademais, a ruiva nunca apoiou o fato de Paulo ter se mudado para Brasília para se tornar deputado. Ele nunca precisou disso, mas ainda assim, o fez.
Já Paulo realmente ficou ressentido ao descobrir que a filha e o novo namoradinho ficariam em um hotel. Quando Jessica entrou no quarto, ele sentiu um alívio no coração. Ela não disse nada, apenas o abraçou, chorando. Foi o momento mais terno que ele teve com ela durante anos. Sua filha era extremamente carinhosa, apesar de não demonstrar esse lado especificamente para ele. O motivo, ele já sabia qual e não podia culpá-la. Na realidade, ele só sabia que ela ainda era daquele jeito, pelo modo como tratava Emma e, agora, Brian. A princípio, Jessica parece que se desfez de todos os muros que ela havia construído em relação ao pai. Mas com o passar do tempo, o retraimento começou a voltar. É como se ela tivesse constatado que ele estava bem e não precisasse daquilo tudo. As palavras do médico foram a cereja do bolo. Talvez, a reação dele no tocante ao hotel tenha sido menos sobre o hotel em si e mais sobre Jessica voltando a tratá-lo com certo despeito.

“Acho que não, Jess. Acho que ele tava sem graça pela situação, sabe? Como se ele tivesse se sentindo um estorvo e quisesse se sentir menos.”, tentou ponderar Andrew.

“Mas eu não disse que ele era um estorvo!”

“Eu sei, eu sei.”, ele colocou as mãos nos ombros da namorada. “Mas mesmo assim, é como eles se sentem. Minha mãe também é assim. O que eles pensam fica por conta deles mesmo.”

“É verdade. Acho que eu to assim, porque não dormi direito.”, ela esfregou os olhos.


“Você quer que eu pegue café pra você?”

“Não, não. Acho que eu vou ao banheiro lavar o rosto.”

“Ok! Então eu vou pra cafeteria pegar um café pra mim.”

“Ok!”, ela segurou o rosto dele e deu um selinho.

Andrew foi até a cafeteria do hospital, mas se deu conta de que os preços eram mais caros do que esperava. Vendo que havia uma máquina gratuita de café e cappuccino, preferiu adquirir os produtos de graça. Todavia, ao apertar o botão do café, saiu pouco líquido. Ele, então, complementou seu copo com um pouco de cappuccino e de chocolate quente. Aquela mistureba não estava lá muito boa, mas era melhor do que nada.
Retornando para o corredor, encontrou Jessica encostada na parede, em frente ao quarto, esperando.

"Seu pai é muito popular no trabalho.", disse Andrew assoprando o copo de cappuchofé e encostando na parede, ao lado de Jessica.

"São colegas do partido dele.", ela disse, pegando o café que estava na mão dele e dando um gole. “Eca”, a ruiva franziu a testa. “O que é isso?”

“É uma mistureba que eu fiz, sua abusada!”, ele disse puxando o café de maneira brincalhona e dando um gole no mesmo lugar que ela tinha dado. "Mesmo assim. Acho que se eu me acidentasse, no máximo viria meu filho me visitar."

"Só seu filho? E eu?", perguntou ela ofendida, pegando mais um gole do cappuchofé de Andrew e fazendo careta ao beber.

"E você.", complementou ele a olhando com ar de reprovação.

“Que foi? É só o que tem!”, ela deu de ombros. "E o Brian?"

"E o Brian."

"E o... E o... E o... Pe..."

"Não faz essa piada, Jessica, por favor. É horrível!"

"...lé?", terminou ela, ignorando o pedido de Andrew.


"Eu não vou responder isso, porque essa piada foi péssima. Eu tenho vergonha de você."

"Eu achei legalzinha! 'E o Pelé?' Ficou legal! Tem estilo."

"Não tem."

"Acho que pegaria, tipo, 'O que fulano achou disso?'/ 'Ah, não sei, ele gostou'/ 'E o seu pai?'/ 'Ele achou meio brega/ 'E o Pelé?', aí as duas pessoas param pra rir."

Andrew estava com vontade de rir, não pela piada, que era péssima, mas pelo jeito que Jessica estava contando a piada. Entretanto, ele não podia entregar os pontos, então segurou a risada com todas as forças que pôde, para permanecer sério.

"Ah, qual é?", Jessica ria, "É engraçadinha, admita!"

"Ninguém acharia essa piada engraçada.", ele afirmou sério.

"E o Pelé?", ela riu ainda mais.

Que piada horrível! A vontade de rir de Andrew aumentou, mas ele seguiu firme.

"Admita, bonitão, foi boa sim!", ela cutucou Andrew no braço e no canto superior, ao lado do braço.

"Eu não sinto cosquinha."

"Sério?", Jessica perguntou se recompondo, surpresa com a afirmação.

"Sério!", ele olhou para ela com uma cara debochada.

"Eu também não sinto.", ela viu a cara incrédula e desafiadora de Andrew, então rapidamente adicionou ameaçadoramente: "Nem tente! Mas eu não sinto."

"Sei...", ele continuou com a expressão incrédula.

A conversa de Andrew e Jessica foi interrompida pelos deputados saindo do quarto de Paulo e dando um tchau para os dois. O casal entrou e a advogada aproveitou para avisar ao pai de que ela e o namorado ficariam com ele em sua casa, durantes os três dias, para cuidar dele. O político assentiu, tentando esconder a satisfação que teve com a notícia. Paulo queria interrogar o inglês sobre o namoro e suas intenções e ficou feliz de ter a chance de fazer aquilo sem ser no hospital. As duas horas rapidamente se passaram e Paulo, Jessica e Andrew foram juntos para o lar do deputado.


CONTINUA...

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