quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Desgraças

Calvin chegou no apartamento de Antonella. Na sala, avistou Crystall e Jane sentadas no canto da sala conversando. 

"Olá, meninas! Já almoçaram?"

"Há muito tempo!", confirmou Crystall, enquanto Jane confirmava com a cabeça.

"É, acabou que eu demorei mais do que imaginava". Ele colocou as mãos no bolso. "Onde está a sua mãe?"

"Está na cozinha".

"Ok! Vou falar com ela". Ele se aproximou de Jane e perguntou carinhosamente "Tudo bem, filha?". Jane confirmou com a cabeça, então Calvin deu um beijo no topo da cabeça dela.


Entrando na cozinha, viu Antonella lavando a louça. Ele a abraçou por trás e deu um beijo em seu pescoço.

"Como você está?"

"Eu estou bem".

"E essa princesa aqui?", ele colocou a mão na barriga de Antonella.

"Ela está tranquila". Ela se virou para Calvin com um sorriso falso. "Como foi lá?"

"Demorado. Eduardo fala muito".

"Imagino..."

"E aqui? Como a Jane está?", ele perguntou abrindo a geladeira para pegar uma garrafa d'água.

"É sobre ela que eu quero falar".

"Aconteceu alguma coisa?", ele perguntou completamente preocupado.

"Não, não foi nada de grave. Desculpa, eu deveria ter dito isso antes. É só que... bem, a gente foi à missa e ela entregou a vida a Jesus".

"Ela fez isso?", perguntou Calvin surpreso.

"Sim".

"E isso é algo bom?"

"Acho que sim", respondeu Antonella confusa.

"Ela chorou?"

"Chorou".


Calvin sentou na cadeira pensativo. Normalmente, aquela cozinha fechada o irritava. Ele amava cozinhas em conceito aberto. Entretanto, naquele momento, ficou grato da cozinha ser fechada e ninguém poder ver sua reação ou ouvir sua conversa.

Antonella colocou as mãos no ombro de Calvin.

"Acho que isso realmente pode ser bom, Hobbes. Significa que ela se arrependeu do que fez e que está buscando uma vida mais... mais correta".

"É que a gente nunca foi religioso".

"Eu sei, mas quando a gente entra no fundo do poço é a religião que nos consola".

"Ela está muito diferente. Ela nem fala direito".

"Ela conversa com a Crystall".

"Ela escuta a Crystall".

"Ela fala também. Ela fala comigo".

"Pouco".

"Mas fala! Hobbes, acho que isso é natural, essa introspecção. Ela tentou se matar, vai saber o que está se passando na cabeça dela?"

Um calafrio percorreu a espinha de Calvin. Seus olhos marejaram instantaneamente.

"Desculpa, eu não deveria ter falado assim tão direta. Eu só quis dizer que ela no começo não vai ser ela mesma, mas com o tempo vai voltar ao normal. Acho que a fé pode ajudá-la".

"Não, tudo bem. É que eu fico justamente com medo do que está se passando pela cabeça dela".

"Acho que o fato dela estar morando com você agora vai ajudar".

"Eu não sei. A gente não tem muito assunto. Eu fiquei ausente por muito tempo".

"Mesmo assim ela quis morar com você. Isso mostra que ela se sente mais à vontade contigo do que com a mãe. Não estou culpando a mãe dela, ser mãe é muito difícil, mas alguma coisa naquela dinâmica não estava dando certo".

"Não sei. A Samantha sempre foi meio doida, mas eu sinto que ela melhorou bastante. E segundo o padrasto que fica mais na casa, a Jane estava saindo muito, não parava em casa. Acho que foi algo que aconteceu fora. Más companhias..."

"Ela estava namorando?"

"Ninguém soube dizer. Ela devia ter alguém, não sei se eram namorados, mas para sair tanto assim, devia ter alguém".

"Mas você não acha estranho o fato dela não querer ver ninguém da antiga casa? A mãe, o padrasto e até os irmãos?"

"Talvez seja vergonha. Eu realmente não sei", ele colocou as mãos no rosto. Antonella acariciou suas costas. "Ela também estava usando drogas. Acho que isso pode ter ajudado. Ela se perdeu completamente. Não faço a mínima ideia do que mais ela pode ter feito".

"Acho que agora é hora de olhar daqui para frente. Ela foi socorrida a tempo, está viva e parece que está querendo mudar de vida".

"Até quando?"

"Às vezes é para a vida toda".


"A Jane é muito volátil".

"Às vezes não é mais. Às vezes essa experiência fez ela acordar. De qualquer maneira, acho bom ela continuar frequentando a igreja. Seria bom você começar a ir junto, vai fazer ela se sentir menos sozinha".

Calvin não gostava da ideia de frequentar a igreja. Ele realmente detestava esse tipo de instituição, mas concordou. Tudo pela melhora de sua filha.

"Obrigado por estar me ajudando nisso. Obrigado mesmo!"

"Eu não ligo. E isso ainda ajudou a Crystall a aceitar melhor a situação. Ela realmente gosta da Jane".

"Você comentou com ela sobre...?"

"Nenhuma das crianças sabe. A Crystall não era próxima dela, nem a Joy, a Daisy então, nem se fala. O único que percebeu certa mudança foi o Asa, mas ele está tão aéreo ultimamente que não quis se aprofundar no assunto, só comentou que ela está diferente".

"Emma?"

"Ele não fala, mas é ela, com toda certeza!"

"Só desgraça!"

"É, só desgraça!"

"Menos essa daqui!", ele emendou logo, fazendo carinho na barriga de Antonella.

"É, desgraça não é, mas foi um... contratempo".

"Assim você me ofende!"


"Eu vou ser muito pobre!"

"Já disse que vou nos sustentar. E já disse para você sair dessa casa e vir morar comigo".

"Um pé de cada vez, Hobbes. E sim, eu vou tentar tirar uma boa pensão sua!"

"Eu vou pagar com o dinheiro da galeria".

"Eu não vou deixar!"

"Eu vou roubar e você não vai saber!"

"Ah, é isso mesmo?"

"É!", Calvin puxou Antonella para o seu colo. Os dois se abraçaram. O clima havia se amenizado, menos a cabeça de cada um.

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