Bed time

Havia meses que Jessica descobriu que estava grávida. Meses de tensão e de temor de perder a bebê e até agora ela estava sã e salva, mexendo sem parar dentro da sua barriga. A prospectiva de finalmente segurar sua filha em seus braços estava cada vez mais perto. Jessica queria fingir apatia quanto a chegada da bebê, entretanto, a essa altura, era impossível não especular como ela seria, se odiaria mate como a mãe ou adoraria cafeína como o pai. 

                                 

Era incrível pensar, que mesmo antes de nascer, ela já havia feito uma geral na sua vida, dando para a mãe, uma nova casa e um novo marido, finalmente uma família! A advogada amava a sensação de estar reconstruindo sua vida, e receber o filho de Andrew e sua afilhada em casa, aumentava seu estado de plenitude.

Jessica dissera a Andrew que leria histórias bíblicas para Asa antes de dormir, e aquela noite de quarta, com seu enteado em casa, parecia um bom dia para dar início a nova prática.

Ela havia separado a história de Daniel na cova dos leões. Além de ser muito inspiradora, ensinava que temendo e confiando em Deus não tínhamos que nos preocupar com nenhuma adversidade. Deus sempre cuidaria de nós.

A mensagem era para Asa, mas ela estaria se enganando se dissesse que não precisava ser lembrada disso também. Principalmente no momento crucial que se encontrava, perto de dar a luz à sua menina.

No instante que Asa se retirou para se deitar, Jessica pegou sua bíblia e seguiu para o quarto do menino. Ela deu duas batidas na porta e entrou.

"Ei, eu tava pensando em ler um pouco pra você antes de dormir. Você se importa?"

"Não." 

É claro que Asa estava mentindo, aquilo era desconfortável e desnecessário. Além disso, ele não era mais uma criança para escutar histórias antes de dormir.

                                     

"Eu queria que você soubesse que a minha intenção aqui não é te catequizar ou nada do tipo. Sim, eu vou ler uma história bíblica, mas não é porque eu ache que você não é religioso o suficiente. É mais porque a palavra de Deus é um alimento espiritual, que devemos fazer uso diário, para crescermos forte em espírito. Eu tento ler sempre que posso para a Emma e o Brian porque eles são meus afilhados e eu quero o melhor pra eles e agora você é meu enteado e eu também quero o melhor pra você. Não que eu não quisesse antes, mas bem, agora é meio que diferente, você não acha?"

Jessica estava nervosa, deixando sua boca seca. Ela lambeu os lábios mais vezes do que queria.

"Eu não me importo de você ler pra mim."

Asa tinha certeza que já tinha dito isso antes, mas talvez ela não tivesse entendido da primeira vez. 

"Certo." Jessica olhou em volta procurando o melhor lugar para se sentar, devia ela aproximar uma cadeira ou sentar na beirada da cama? Ela não sabia se seria forçação de barra e de intimidade usar um pedaço da cama para se sentar, então achou melhor aproximar uma cadeira da cama. "Bom, eu separei pra gente a história de Daniel na cova dos leões." A ruiva iniciou depois de se sentar na cadeira, no seu melhor tom de professora de escola dominical. Ela pegou seu óculos de grau e colocou no rosto. Jessica não tinha miopia, nem hipermetropia e nem presbiopia, para seu alívio, ela se sentiria velha com presbiopia, entretanto, tinha um pequeno grau de astigmatismo que dispensava o uso de óculos na maioria das vezes, mas não para aquelas letras miúdas de sua bíblia infanto-juvenil, que usava para ler para Brian e Emma. 

                         

Asa não falou nada, apenas encarou-a atentamente. Jessica não tinha reparado antes, mas aqueles olhos azuis eram bem intimidantes.

"Eu vou começar então." A ruiva umideceu os lábios e começou a leitura do texto. Ela na verdade tinha preparado perguntas como: Você conhece Daniel? Sabe como ele foi parar na cova dos leões? Sabe quem colocou ele lá?

Mas assim que ela sentou naquela cadeira e se atreveu a olhar aquelas órbitas azuis vívidas de Asa, todas aquelas perguntas evaporaram de sua mente.

                           

"Na época de Daniel existia um rei chamado Dário. Dário era um rei bom e gostava de Daniel porque ele era diferente de todos. O rei Dário precisava de ajuda, já que o reino que ele tomava conta estava crescendo. Por conta disso ele nomeou 120 pessoas para governar todo o reino. Toda essa gente, 120 pessoas deveriam sempre prestar contas à Dário para que ele soubesse o que estava acontecendo no reino. Dário queria que o serviço fosse feito direitinho e por isso escolheu 3 supervisores para observar bem de pertinho o trabalho das 120 pessoas. E é aí que entra o Daniel, um homem diferente de todos no reino. Dário coloca Daniel como um dos supervisores. A bíblia diz que Daniel era tão bom que se destacou de todos em seu serviço, porque fazia bem feito, com excelência. Daniel era tão bom que começou a despertar a inveja nas outras pessoas. Daniel estava apenas fazendo o seu trabalho, mas aqueles que eram para ser seu amigo, começou a odiá-lo porque não eram como Daniel. De tanta inveja as pessoas que não gostavam de Daniel começaram a bolar um plano para eliminar Daniel, já que ele era sempre o melhor. As 120 pessoas que cuidavam do reino e os supervisores começaram a procurar defeitos em Daniel, mas não encontravam nada. Procuraram aqui, procuraram por lá, e nada. Daniel era bom no que fazia e parecia que não fazia nada que pudesse tirá-lo do caminho… Daniel vivia num lugar onde todos eram bem diferentes dele. Adorava a Deus e sempre orava, 3 vezes ao dia para ser exato. As pessoas que tinham inveja de Daniel sabiam disso e então tiveram uma ideia e a colocaram logo em execução. Eles chegaram até o rei Dário e disseram: Ó rei Dario, vive para sempre! Todos os supervisores reais, os prefeitos, os sátrapas, os conselheiros e os governadores concordaram em que o rei deve emitir um decreto ordenando que todo aquele que orar a qualquer deus ou a qualquer homem nos próximos trinta dias, exceto a ti, ó rei, seja atirado na cova dos leões.

O rei Dário não sabia que esse pedido fazia parte de um plano para matar Daniel. Sendo assim, o rei assinou o decreto. Quando Daniel ficou sabendo que durante 30 dias não poderia falar com Deus sabe o que ele fez? Continuou orando, porque sabia que o Deus a quem ele orava era poderoso! Daniel continuou a orar como fazia todos os dias, 3 vezes ao dia ele orava. Mas agora, as pessoas que não gostavam dele ficaram na espreita esperando que Daniel orasse. E assim que Daniel começou a orar, eles foram falar com o rei Dário dizendo que Daniel estava desobedecendo o novo decreto que não poderia adorar a nenhum outro deus. O rei Dário quando ouviu isso ficou preocupado e durante todo o dia tentou de tudo para que Daniel não fosse parar na cova dos leões. O rei tentou, mas ele havia assinado o decreto e não poderia voltar atrás. O rei Dário triste mandou que trouxessem Daniel e o lançaram na cova dos leões. Com muita tristeza o Rei que gostava muito de Daniel disse: “Que o seu Deus, a quem você serve continuamente, o livre” Daniel 6:16

Durante a noite toda o rei Dário não comeu e nem bebeu nada e nem conseguiu dormir de tanto que estava preocupado com seu amigo Daniel. Assim que o dia amanheceu o rei correu para a cova dos leões e deu um grito aflito: Daniel, será que seu Deus a quem você serve pôde livrá-lo dos leões?

E Daniel respondeu com alegria: Ò Rei o meu Deus mandou um anjo para fechar a boca dos leões!

O rei muito feliz mandou que tirasse Daniel da cova dos leões e não havia nenhum ferimento em Daniel porque ele havia confiado em Deus. E assim Deus livrou Daniel da cova dos leões, e sabe o que aconteceu com quem queria o mal para Daniel? O rei mandou que jogasse aos leões e eles morreram por conta da inveja que tomou conta de seus corações. Foi triste, mas a inveja destrói tudo a sua volta, por isso aquelas pessoas morreram. Então o Rei Dário assinou outro decreto dizendo que todos do reino deveriam reverenciar o Deus de Daniel." 

Jessica terminou a leitura e olhou para Asa, em expectativa. 

"Legal." 

"'Muito, né? A fé de Daniel o salvou!" 

Jessica estava se sentindo àquelas pastoras insistentes, mas um legal vindo de seu enteado lacônico não a deixara satisfeita, ele teria que elaborar. 

"Foi."

"E o que você pensa sobre isso?" 

"Que foi legal ele não ter sido devorado pelos leões."

Legal. De novo essa palavra... Será que tudo para essa nova geração se resumia apenas em legal? 

"E sobre o relacionamento de Daniel com Deus? Eles eram bem próximos, né?" 

"Pareciam."

"E foi através da oração que eles ficaram próximos."

"Acho que sim."

Jessica resolveu não insistir mais, já era bastante seu enteado ter aceitado ouvir aquela história. Era natural que ele não saísse exclamando as maravilhas do poder de Deus na primeira história lida pela madastra. 

"Olha, eu gostei muito de ler pra você. Acho que isso pode virar um momento nosso, o que você acha?" 

"Legal."

Jessica achava que se escutasse mais um legal vindo do enteado, teria que ensinar vocábulos novos para o garoto, ao invés de ler histórias bíblicas. 

"Então combinado. Boa noite, Asa. Durma com os anjos." Jessica se aproximou para dar um beijo na testa do menino. A ruiva apagou a luz e saiu do quarto satisfeita com o pequeno momento que acabara de ter com o enteado.