terça-feira, 19 de setembro de 2023

Terapia

Bradley se sentia mais sensível do que de costume. O nascimento de seu filho, a perda de seu neto, e as tragédias que ocorreram com suas alunas, corroboraram para que o professor se sentisse assim.

Seu lado paternal também se aflorou. Ele estava se desdobrando para ser um pai presente para os seus três filhos, o que era não era uma tarefa fácil, já que cada um era filho de uma mulher diferente. Ele vivia tendo que se deslocar entre as três casas. Junta isso com o trabalho e um recém-nascido, o esgotamento físico era inevitável.

Esses eram motivos suficientes para justificar sua omissão. Entretanto, era difícil ver uma aluna sua sofrendo calada e precisando urgentemente de ajuda de um adulto. E não podia ser qualquer adulto. Tinha que ser um que nunca tinha olhado para ela como mulher. Ela precisava se sentir segura e sentir que podia confiar na pessoa. Talvez uma espécie de figura paterna, já que seu pai, de fato, estava a milhares de quilômetros de distância, e seu padrasto parecia ser obcecado demais por ela, pelos motivos errados.

Quando o último tempo de aula daquele dia acabou, Bradley pediu para Brian esperar por ele e procurou a menina.

"Cheryl, posso falar um minuto com você?" Bradley pediu e fez um olhar para os amigos da Geordie se afastarem.

"Claro." A inglesa respondeu educadamente.

"Eu queria falar pra você não deixar de ir pra Ellie. Ela tá aqui pra ajudar vocês." Bradley falou vendo Cheryl assumir uma postura resguardada.

"Eu vou." Cheryl sorriu, mas o professor de estatística viu que seus olhos não coincidiam com o sorriso.

"A Emminha tem frequentado uma psicóloga que é muito boa. Ela é especialista em traumas em crianças e adolescentes."

"Legal. Me passa o contato." A Geordie tirou o celular do bolso.

"Eu posso marcar com ela pra você. Eu já tenho que levar a Emminha toda semana, eu posso te levar também." Bradley ofereceu.

"Não precisa. Eu peço pra minha mãe me levar."

"Eu insisto."

"Eu não quero te dar trabalho. Você já tá com muita coisa nas suas costas."

"Não é trabalho nenhum. Eu juro. Eu vou me sentir melhor se eu te levar. Eu te conheço. Eu sei que se você for sem mim, você vai abandonar na primeira consulta. Você não gosta de coisas que te deixam desconfortáveis. Assim como você tá odiando essa conversa." Bradley falou a última parte num tom bem-humorado e ganhou a primeira risada genuína da Geordie.

"É que eu odeio psicólogo."

"Psicólogo tem muita estigma, mas Cheryl, o que você passou, não dá pra varrer pra debaixo do tapete e fingir que nada aconteceu. Me diz uma coisa. Como tão suas noites de sono? Você tá conseguindo dormir direito ou tá tendo dificuldade?"

"Dificuldade." A britânica admitiu olhando para o chão.

"Tá vendo? E isso influencia não só nas suas tarefas diárias, mas também no seu rendimento escolar. Sem falar nas consequências que você pode ter lá na frente, quando você for adulta. Eu vejo pela minha ex-mulher, todas as neuras que ela tem hoje são frutos dos traumas que ela teve lá no passado, na infância. Eu não quero isso pra você. Eu quero que você seja uma mulher forte, independente, segura, saudável e feliz."

Cheryl ouviu as palavras do professor, tentando conter as lágrimas que se formavam em seus olhos.

"Eu realmente não quero te dar trabalho." A Geordie secou o rosto com as costas da mão.

"Já disse que não é nenhum trabalho." Bradley balançou a Geordie pelo ombro de brincadeira. "Eu já levo a Emma. Eu vou pedir pra te marcarem no mesmo dia, no horário depois do dela."

"Tá bom." Cheryl concordou.

"Ótimo." Bradley falou satisfeito. "Depois eu te passo uma mensagem confirmando o horário."

"Ok." A britânica assentiu.

"Até amanhã!"

"Até!"

Bradley levou Brian para casa se sentindo mais leve do que quando entrou.

No dia da consulta, o professor de estatística buscou Emma primeiro na casa da ex, e depois passou na casa da Geordie para buscá-la.

"Oi, Cheryl!" Bradley cumprimentou a menina quando ela entrou no carro.

"Oi, Bradley." Cheryl se sentou no banco detrás. "Oi, Emma." Ela alisou o braço da menina do banco da frente.

"Oi." Emma deu um meio sorriso.

"A Emma vai primeiro pra consulta, e você vai ficar esperando comigo. Depois vai você, e eu e a Emma vamos te esperar. Eu falei pra psicóloga que você é minha sobrinha pra evitar questionamentos." O professor de estatística informou.

"Ele quer que você chame ele de tio." Emma adicionou.

"Pra soar convincente. Já basta ter uma filha que me chama de dindo. Ainda vou ter uma sobrinha que me chama pelo nome? Ela vai achar estranho." Bradley se defendeu.

"Eu não queria ter que fazer vocês esperarem." Cheryl falou acanhada.

"Eu não ligo de esperar. Acho melhor do que ficar em casa com a minha dinda me perguntando como eu tô a cada cinco minutos." Emma respondeu.

"E pra mim é uma oportunidade de obrigar a Emma a falar comigo." Bradley deu uma cutucada na ruiva, fazendo ela se esquivar.

Eles chegaram no consultório e aguardaram na recepção.

"Boa tarde!" A psicóloga cumprimentou os três com um sorriso no rosto.

"Hoje eu trouxe também a minha sobrinha." Bradley colocou a mão no ombro da inglesa.

"Deixa eu ver se eu consigo pronunciar seu nome certo. Cheryl?" A psicóloga disse simpaticamente.

"Isso." A Geordie deu seu sorriso caloroso.

"Que sorriso bonito!" A psicóloga elogiou sorridente.

"Não fala isso pra ela não porque o ego dela já é inflado." O professor de estatística brincou.

"Não é não!" Cheryl contestou, ganhando uma risada da psicóloga.

"Eu acho ótimo que você tenha uma autoestima boa. Bem que eu queria que mais dos meus pacientes tivessem também." A psicóloga olhou bem para os três. "Na verdade, não tinha nem como vocês não terem boa autoestima. Dá pra ver que o gene da beleza corre na família. Os três são muito lindos."

"Obrigado." Bradley respondeu, ficando um pouco vermelho nas bochechas.

"Vamos lá, Emma?" A psicóloga abriu passagem para a ruiva e a acompanhou até sua sala.

"Eu não tenho um ego inflado!"

"A psicóloga disse que é saudável." Bradley brincou. "Aqui em cima tem uma cafeteria muito boa. Quer esperar lá?"

"Tá bom."

Os dois subiram e se acomodaram na mesa que tinha vista para a praia.

"No wonder que essa psicóloga é considerada boa. Com uma vista dessas você fica melhor só de já tá aqui."

"Verdade. Geralmente quando eu saio com a Emma daqui, eu chamo ela pra dá uma caminhada na praia."

"Como ela tá?" Cheryl perguntou demonstrando preocupação genuína.

"Eu tenho achado ela melhor. Já tá interagindo mais. Brincando com os irmãos... Ela só não chega perto de jeito nenhum do Bento. Na verdade, desde que aquilo aconteceu, ela não foi mais em casa."

"É que ainda tá meio recente o que aconteceu. E quanto mais o seu filho crescer, mais ela deve desassociar o seu filho do dela."

"Espero. Acho que as baboseiras que o Gosling falou ajudaram também. Ela tá menos triste e mais distraída."

A Geordie riu. "Baboseiras? Eu achei bem romântico."

"Porque você é menininha, jovenzinha. Acha tudo romântico."

"Por experiência própria, homem romântico tá muito difícil, então, pra mim, o que ele falou foi a epitome do romancismo."

"Romantismo." Bradley corrigiu.

"É. Romantismo."

"Pra você não deve ser difícil encontrar. Você tem todos os homens aos seus pés."

"Not really. Pelo menos não num nível Ryan. Talvez o Sebastin tenha chegado perto numa época. Eu não sou uma garota que os caras realmente se apaixonam."

"Como não? O Tom era super apaixonado por você, e honestamente, acho que ainda é."

"Pode ser." A Geordie deu de ombros e mexeu a colher distraidamente no chá.

"Você acha que o Edward não te ama?"

"Acho que sim. Não como a Bella e a Katie, though. O que não me incomoda, mas também não me enche de orgulho."

"Acho que dessa forma é mais saudável."

"Totally. Imagina quase morrer por um relógio ou uma visão?"

"Exatamente!" Bradley concordou. "E como tão as coisas com o Vincent?"

"Não muito bem." Cheryl disse se sentindo inquieta com a menção do nome do amigo.

"Por quê?"

"Eu odeio o que ele fez comigo. Ele era pra ser o meu melhor amigo. A pessoa que fazia eu me sentir protegida, e não o contrário. Agora toda vez que eu fico perto dele eu me sinto... unsafe. Como se alguma coisa fosse acontecer comigo a qualquer momento."

"Você acha que ele pode fazer alguma coisa com você de novo?"

"Não, mas yet again, eu nunca imaginaria que ele fosse fazer isso in the first place.Tem algumas coisas que você nunca sabe."

"Mas você perdoou?"

"God I want to. Eu amo o Vincent. Tanto que não sei o que tá sendo pior, o abuso itself ou ter que me afastar dele por causa disso."

"E sua mãe falou com você sobre o que aconteceu?"

"Ela perguntou se eu tava bem. Eu disse que sim e ela falou, good, e saiu. Mas eu consigo ver que ela tá triste."

"E seu padrasto?"

"Ele não sabe."

"Você tem medo dele saber?"

"Por que eu tenho a sensação que a minha sessão de terapia já começou?" Cheryl brincou e Bradley riu.

"Me pegou." Ele riu mais e bebeu um gole do seu café. "É que eu fiquei um pouco preocupado com a notícia do Tom quando ele citou o seu padrasto. Parecia que ele tinha chegado a fazer alguma coisa com você."

"Não." Cheryl negou incisiva.

"Mas tentou?" Bradley olhou para a ex-modelo, amigavelmente, para ver se a encorajava a se abrir. 

"Não."

"Você sabe que pode confiar em mim..."

"Eu sei?" Cheryl ergueu uma sobrancelha.

"Se não sabia, fique sabendo agora, que você pode. Cheryl, tem coisas que você não pode guardar pra si mesma. Você tem que falar com um adulto, pelo menos. Nem que seja pra te aconselhar e oferecer apoio."

"Ele nunca me beijou ou se forçou em mim."

Bradley aguardou a Geordie prosseguir no tempo dela.

"Ele só era meio... estranho." Ela concluiu.

"Como assim estranho?"

"Sabe aqueles toques que a pessoa fica tempo demais ali alisando? O rosto, a perna,..." Cheryl olhou para baixo e respirou fundo. "Também aqueles beijos no rosto que demoram, novamente, tempo demais, e depois ficava me olhando com o rosto perto do meu, e eu sem reação, morrendo de medo dele me beijar na boca, mas então ele se afastava. Ou quando ele quis saber se eu não era mais virgem, quando ele não tem nada a ver com isso. Essas coisas..."

"Você chegou a falar com alguém?"

"No começo não porque eu achei que eu que podia tá exagerando, ou que eram coisas da minha cabeça. Só que chegou num ponto que eu tava super desconfortável na minha própria casa. Eu não queria mais ficar no mesmo cômodo com ele, sem uma terceira pessoa por perto. Aí numa das minhas viagens pra Inglaterra, nas férias, pra visitar minha família, eu falei com a minha irmã o que tava acontecendo. Sabe quando você tá super sem graça de falar uma coisa pra alguém e você fica lá, tentando criar coragem pra botar tudo pra fora, achando que no final, você vai se sentir melhor? Fui eu naquele dia com a minha irmã. E sabe o que ela me disse?"

"O quê?" Bradley perguntou interessado.

"Disse que eu que tava seduzindo ele. O marido da minha própria mãe!" Cheryl falou com raiva e o professor arregalou os olhos, surpreso.

"Mas como ela disse isso pra você? O que ela tinha na cabeça?"

"Não sei." A Geordie balançou a cabeça, parecendo tão perdida quanto no dia que ouviu a acusação da irmã mais velha. "Só sei que eu fiquei no chão, repassando todos os momentos com o meu padrasto na cabeça, tentando achar alguma brecha ou alguma coisa que eu fiz que tenha feito ele entender que eu poderia tá dando em cima dele."

"Você não fez nada." Bradley falou enfático, sentindo a mesma raiva da Geordie. "Tirando a sua irmã você falou sobre isso com mais alguém?"

"Pra ouvir que eu tava dando em cima do meu padrasto de novo? Não, obrigada. Meus amigos que começaram a perceber que tinha algo off entre nós dois. Eles começaram a fazer perguntas e eu não negava e nem confirmava. Porque na verdade, ele nunca fez nada realmente. E depois que eu comecei a evitar ele ao máximo, ele foi parando de fazer aquelas coisas que ele fazia. E agora ele meio que foi pro outro extremo, me tratando friamente e querendo me punir por qualquer coisinha. O que eu prefiro, apesar de ser bem annoying."

"Você acha que um dia ele pode fazer alguma coisa com você?"

"Nâo sei." Cheryl voltou a brincar com a colher de chá. "Eu tinha me convencido que se ele fosse fazer alguma coisa, ele já teria feito, mas depois do Vincent... É mais uma dessas coisas que você nunca sabe."

"Você não acha melhor contar pra sua mãe?"

"Não!" A menina respondeu brava.

"Você acha que ela não acreditaria em você?"

"Eu tenho certeza que não. E destruiria a vida dela. Eu nunca colocaria minha mãe nessa posição. Nunca."

"Tudo bem. Eu entendo os seus motivos."

"Good."

"Se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode contar comigo."

"Obrigada." Cheryl pegou um guardanapo e secou com  cuidado as lágrimas que ameaçavam cair ao redor dos olhos. "God! Eu odeio terapia!" A menina brincou, enquanto as lágrimas caíam.

"Eu sei." Bradley deu uma risada triste, se sentindo arrasado.

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