sexta-feira, 12 de março de 2021

Bebê, karaokê e cerveja

- Hoje vamos ter um dia beeem cheio, bebê. - Disse Andrew, fazendo carinho na barriga de Mel e tirando-a do berço. - Quem está ansiosa para ver a mamãe? Quem? Quem? Siiiim! É você! É você! E eu também! Mas antes a gente tem que adiantar algumas coisas, dar um jeito na casa pra receber o tio mais tarde... - Ele aproximou a Mel de seu ouvido como se ela tivesse dito algo - O quê? Como assim você não vai passar pano na casa? Mas você prometeu ontem, Mel! - Ele aproximou ela de seu ouvido novamente - Ok então! Hoje eu vou deixar você sem fazer nada, mas amanhã a louça é sua. Não é, bebê? Não é, delícia? - Ele deu vários beijinhos no rosto de Mel e a prendeu no canguru. - Vamos lá então! 
Andrew foi até a sala e pegou o seu celular que estava em cima da mesa:

- Vamos escutar uma musiquinha pra ficar mais divertido. - Ele deu play na sua playlist do spotify, que começou a tocar Sacrifice no home embutido da casa. 

It's a human sign
When things go wrong
When the scent of her lingers
And temptation's strong
Into the boundary
Of each married man
Sweet deceit comes calling
And negativity lands - Cantava ele, enquanto dançava com Mel presa a ele.

// HEAD OVER HEELS //

- Olha quanta mamadeira suja. Mas você bebe muito, minha Mel. Olha isso. Olha isso. - Andrew fez um movimento ligeiramente brusco acompanhando o ritmo - Yeah! Thought of your future. - Não, não pode, não pode. Deixa a mãozinha aqui. Você nem tem força pra segurar isso. Isso é só detergente. - Disse ele, começando a lavar as mamadeiras. - It's hard to be a man when there's a gun in your hand / Oh, I feeeeeeeel soooooooo.

// BIZARRE LOVE TRIANGLE // 

- There's no sense in telling me
The wisdom of the fool won't set you free
But that's the way that it goes and it's what nobody knows
Well, every day my confusion grows
Essa música me lembra de uma menina que eu saí. A gente foi pra uma balada... Isso, Mel, papel toalha. Não precisa pegar... 

// TORN //

- Eu vou fazer isso assado, que fica mais fácil porque se eu fritar, vou ter que te tirar de perto de mim.
I'm cold and I am shamed / Lying naked on the floor
Sabia que essa versão é um cover? Sabia?! Que estranho...


- Ok, Mel. Terminamos aqui. Agora... - Ele tirou a bebê do canguru, a segurando no colo. - Acho que agora eu tenho que dar um jeitinho na casa. Não é muita... - Andrew se deteve, analisando o estado da casa. Começou, então, a tocar It Must Have Been Love. Ele olhou para a Mel com cara de culpado e fez - Shhhhhhhhh... Ninguém sabe que eu gosto dessa música. Não conta pra ninguém. - A bebê começou a chorar. - Ah, não, até você me julga, sweetheart. Mas o que eu posso fazer? A música é boa. - Ele falou direcionando a Mel para o quarto, pois ela havia sujado a fralda.

// AINDA IT MUST HAVE BEEN LOVE //

- Você sabia que uma vez eu saí com uma garota e... Eita, quanta sujeira. Vou te dar banho de novo daqui a pouco. Bem, o que eu tava falando? Ah, sim. Da garota. Aí tudo bem, a gente tava de boa na fila pro cinema, eu acho, e aí eu fui comprar pipoca e ela foi pro banheiro. Acho que passou um carro de som tocando essa música e sem reparar eu comecei a cantarolar It must have been love / But It's over now, só que a garota chegou na mesma hora e me olhou com a pior cara do mundo. Eu tinha uns 16 anos na época. Tinha gente que achava que eu era gay, então ser pego no flagra cantando música considerada de mulherzinha não pegou bem pra mim. Mas fazer o quê? A música é boa!
Yeah, it must have been love
But it's over now
It was all that I wanted
Now, I'm living without
It must have been love
But it's over now

// KING OF PAIN //

- There's a little black spot on the sun today
It's the same old thing as yesterday
There's a black hat caught in a high tree top
There's a flag-pole rag and the wind won't stop
I have stood here before inside the pouring rain
With the world turning circles running 'round my brain
I guess I'm always hoping that you'll end this reign
But it's my destiny to be the king of pain
Essa música é muito f**a, quer dizer, boa. Eita, bebê. Foi mal, foi mal. Enfim, eu já fui muito viciado por essa música, principalmente essa primeira parte. That's my soul up there. Teve uma vez que meus amigos me sacanearam com essa música, mas melhor eu não te contar. - O celular de Andrew tocou. - Eita. - Ele pegou o celular e atendeu a chamada de vídeo. - Oi, Suzana! Tudo bem? ... Eu to bem. A Melzinha também. Olha ela aqui. - Ele apontou a câmera para a filha. - Sim, ela ta bem também. Vou visitar ela hoje. ... Claro, pode sim. Eu vou avisar pra enfermeira que você vai. E como ta o João Pedro? ... Jura? ... Mas menino é assim mesmo. Eu já fiz muito isso, na verdade. ... Ah, sim! Então, eu comprei o modelo do piano que você falou. É esse aqui, mas agora eu não sei onde eu posiciono. É que essa mesa feia ocupa muito espaço.



 // NOTHING'S GONNA STOP US NOW //

Andrew dançava e cantava para Mel:

- Lookin' in your eyes
I see a paradise
This world that I've found is too good to be true
Standin' here beside you
Want so much to give you
This love in my heart that I'm feeling for you
Let 'em say we're crazy 
Eu amo o modo como ela fala isso. Let 'em say we're crazy  - Ele imitou de novo. - Não é legal, Mel? - Ele pegou ela no colo e começou a dançar com ela.
And we can build this dream together
Standing strong forever
Nothing's gonna stop us now - Eita, tenho que ligar pra Octavia, assim ela vai achar que me esqueci dela.



// NOTHING COMPARES 2 U //

- I can eat my dinner in a fancy restaurant
But nothing
I said nothing can take away these blues
'Cause nothing compares
Nothing compares to you - Ele cantava, enquanto dava banho na Mel e brincava com ela. - Essa playlist é cheia de guilty pleasure, filha, então, por favor, não conta pra ninguém. Essa música, na verdade, é do Prince, mas a versão da Sinéad O'Connor é mil vezes melhor e é aí onde mora o perigo. Essa música me lembra de uma ex-namorada do seu tio Matt, Alice. Sempre que eu escuto, eu lembro dela. Ela era linda, linda e super popular. No dia do aniversário dele, ela cantou essa música pra ele e fez uma performance muito sensual. Ela não tirou a roupa, nem nada, mas o modo que ela cantava e dançava deixou todo mundo hipnotizado, olhando. Daí sua vó chegou, viu aquilo e ficou cheia de raiva, xingando a garota. Foi engraçado. Ah, essa é a melhor parte:
I went to the doctor, guess what he told me
Guess what he told me
He said, "Girl you better try to have fun, no matter what you do"
But he's a fool
'Cause nothing compares, nothing comp... Mel, nãããããããão! - Ele olhou para a banheira já toda suja depois de Mel fazer cocô lá. - Ele respirou fundo teatralmente e semicerrou os olhos. - Foi de propósito, não foi?



// DON'T YOU WANT ME //

- Don't you want me baby?
Don't you want me? oh
Don't you want me baby?
Don't you want me? oh - Ele cantava, apontando para a Mel quando dizia "baby" e dançando de um lado para o outro enquanto a carregava no colo.

// REACH //

- Reach for the stars
Climb every mountain higher
Reach for the stars
Follow your heart's desire
Reach for the stars
And when that rainbow's shining over you
That's when your dreams will all come true - Ele mexia os braços da Mel e fazia a dancinha nela, enquanto ela estava sentada na cadeirinha.

// DON'T LET THE SUN GO DOWN ON ME //

I'd just allow a fragment of your life to wander free, ooooooh
But losing everything
Is like the sun going down on me
Ladies and gentlemen Ms Mel Chastain Butterfield - Ele começou a fazer uma voz de criança, segurando o controle na direção da filha:
I can't find, oh the right romantic line
But see me once and see the way I feel 

// YMCA //

Young Mel, there's a place you can go
I said, young Mel, when you're short on your dough
You can stay there, and I'm sure you will find
Many ways to have a good time
It's fun to stay at the YMCA 
It's fun to stay at the YMCA - Ele fazia a dancinha do "YMCA" com os bracinhos da Mel.


.

- Bebê conforto, carrinho, protetor de pescoço, bolsa de fralda com lencinho e pomada, mochila com mamadeira, babador e paninho, álcool em gel e garrafa de água. Certinho! Acho que não ta faltando mais nada. Vamos ver a mamãe? - Ele perguntou para a Mel, que estava no canguru, enquanto tentava carregar todas aquelas coisas. 

.
Enquanto arrumava uma vaga para estacionar, Andrew cantarolava a música que tocava no seu som do carro.

- I've been going crazy while you sleep
Searching for a language
That the two of us can speak
So Mr. Prehistoric make your wheel
São alunas do papai que cantam, filha. Olha, vai chegar a minha parte preferida:
Your call's late, big mistake
You gotta hang about in limbo for as long as I take
Next time, read my mind and I'll be good to you
We're gift-wrapped kitty cats
We only turning into tigers when we gotta fight back
Let's go, Eskimo
Out into the blue
Come take my hand
Understand that you can
You're my man and I need you tonight
Come make my dreams
Honey hard as it seems
Loving me is as easy as pie, I...
I'm just a love machine
Feeding my fantasy
Give me a kiss or three
And I'm fine!
I need a squeeze a day
Instead of this negligée
What will the neighbours say
This time?
A versão ao vivo é melhor. Nossa, ta difícil de achar uma vaga boa aqui.
Oh, a little education
Oh, to give you motivation
Oh, turn the situation 'round
Oh,'cause I don't wanna change ya
Oh, I'm making you a stranger
Oh, I'll only re-arrange ya


.

- Olha a mamãe, Mel. Olha a mamãe. - Disse Andrew, entrando no quarto de Jessica - Olha que linda a sua mãe. Mesmo dormindo e sem maquiagem, ela fica linda. - Ele se aproximou da mulher - Como você tá? - Ele deu um beijo na bochecha dela. - Cheiro de Katie. - Constatou. Ele olhou para as unhas da advogada pintadas de verde fluorescente. - É, parece que a Emma passou por aqui. - Ele riu.

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- Acho que fiz besteira. - Falou Andrew, preocupado, vendo que molhou a esposa toda. - A enfermeira vai me matar. - O professor analisava a situação cheio de creme de massagem na mão. - Nossa, se a sua mãe visse isso. Desculpa, amor. - Ele terminou de passar o creme no cabelo molhado de Jessica. - Acho que eu passei muito creme. Ai, caramba, ainda tem que lavar isso. To com medo de molhar ela ainda mais. Esse balde é muito pequeno. Como a minha mãe faz isso?


.

Passada a bronca da enfermeira e duas horas, Andrew se preparou para ir embora. Ele olhava melancolicamente para a esposa dormindo. - Daqui a pouco você vai acordar e conhecer a sua filha. - Ele fez carinho nas bochechas de Jessica. - To sentindo a sua falta. - Ele beijou a testa da mulher. - Dá um beijinho na sua mãe também. - Ele encostou a cabecinha de Mel em Jessica e a bebê começou a chorar. - Ah não, não chora, bebê. É a mamãe, é a mamãe. - Ele balançava a filha. - Acho que eu fui um pouco brusco fazendo isso. Desculpa o papai, bebê. Foi mal, Jessica. Eu sou meio estabanado, mas to dando o meu melhor. - Ele beijou a advogada novamente. - Olha, a gente vai voltar na terça. Acorda logo, ok? Nós te amamos. - Ele beijou a cabeça da Jessica, pegou os pertences e deixou dois biscoitos Bauducco em cima da mesa com um post-it escrito "EMMA" e outro escrito "BRIAN. É sério, Emma, é do Brian. Não to nem aí que ele não ta aí. Guarda até ele visitar!" e foi embora.


.

Andrew esperava o irmão na área de desembarque junto com Mel, agora dormindo no carrinho. Ele sabia que atraía o olhar de muitas mulheres, que costumavam olhar com muito tesão um homem sozinho cuidando de um bebê. Duas puxaram assunto e ele as respondeu de forma cortês, coçando o rosto com a mão que levava o anel de casado para elas perceberem que ele já tinha alguém. Elas, entretanto, pareceram não se incomodar e continuaram o assunto até Andrew dizer que precisava se encontrar com o irmão que estava chegando. Detalhe: isso ocorreu separadamente. 

- Andy!

-Charlie! 



-Mel!

Os dois irmãos se abraçaram fortemente. 

.

(A partir daí, o diálogo muda de idioma e passa a ser em inglês. Antes, de fato, Andrew estava falando português. Vamos trazer a versão já traduzida.)

- Caraca, tinha me esquecido que essa sua mesa era muito feia. - Gritou Charles para o irmão, que estava no quarto de Mel. 

Andrew, enquanto colocava a filha no berço, disse sorrindo:

- Vou te devolver agora pro berço. 

E voltou para a sala. 

- É, cara, é horrível. Cerveja?

- Claro! Cadê a mãe?

- Foi passar o dia com o Asa. Levei ela lá mais cedo. Ela quis que fosse algo de vó e neto.

- A mãe ta sensível. 

- Muito.

- Parece outra pessoa.



- Acho que ela ta tentando aproveitar enquanto ela se lembra das coisas, se lembra de quem é ela e dos outros.

Charles ficou em silêncio, pensativo. Andrew, percebendo que o irmão caçula, que também era muito sensível, ficou afetado com o comentário, decidiu mudar de assunto.

- To muito feliz que você veio. Finalmente, conheceu a Mel. - Ele passou uma garrafa de cerveja para o irmão, enquanto segurava a dele e se encaminhava para a varanda.

- Pena que ela ta dormindo. Mas e a mãe? Ela ta se esquecendo muito?

Charles era muito preocupado.

- Às vezes. Eu marquei consulta pra ela na terça pra checar o avanço, ver se o remédio continua funcionando e pra ela continuar com os exercícios de memória.

- Ela parou de fazer?

- Então, eu venho tentando fazer com ela, mas às vezes dá uma louca nela e ela não quer fazer. Acho que com um profissional, ela vai se sentir mais obrigada.

- Fez bem, mas se prepare pra ouvir muito. Como você que vai ter que traduzir tudo, minha mãe vai direcionar a raiva pra você.

- Já to acostumado. - Ele riu.

- Mas e o Asa? Fiquei sabendo do que aconteceu.



- Minha mãe contou?

- Contou.

- Ai, que bom, porque eu não quero mais contar essa história não.

- Como ele ta?

- Ele ta fingindo que nada aconteceu, mas eu conheço ele. Eu sei que ele não ta bem. Aí agora eu já achei outro psicólogo pra ele. Falei com o médico da Jessica e depois com um colega de trabalho e os dois falaram de um cara que parece ser muito bom com esses tipos de... coisas. A Antonella e eu vamos na quarta, antes de levar o Asa, pra falar da situação, ver se o cara é bom mesmo. Mas eu to otimista, sabe? Ele tem ótimas recomendações e é especialista em crianças e adolescentes. Eu to confiante de que agora vai dar certo. Eu sei que ele nunca vai se livrar do trauma dele, mas eu quero muito que ele não deixe isso engolir a vida dele, o futuro dele. A Antonella e eu vamos frequentar o pai desse psicólogo também. É um tratamento conjunto. 

- Vão ser os dois juntos?

- Não, separadamente. Só às vezes juntos. Tem um grupo de apoio também pra pais que passam pela nossa mesma situação, mas, honestamente, isso eu não quero frequentar.

- E a Toni?



- Não sei. Acho que talvez, sei lá.

- Cara, isso que aconteceu parece péssimo, mas no fundo, foi pra melhor, porque agora a gente sabe como ele se sente e pode intervir.

- É que eu achei que já estivessemos tratando disso... Na verdade, a Valéria, psicóloga do Asa, tinha falado que ele poderia ter crises em certos momentos, mas a Antonella, o John e eu pensamos que seria só em situações que envolvessem relações sexuais. Fomos muito ingênuos e achamos que estava tudo controlado. Eu me sinto mal, porque ele sofre por causa da nossa negligência.

- Vocês não são obrigados a saber o que se passa na cabeça do Asa, até porque ele não se abre com vocês, o que é totalmente compreensível. E a ex dele? Como ela ta?

- Ela e o Bradley devem estar aliviados dela ter se livrado do Asa. E cedo. Eu não os culpo, mas que dói, dói. E muito. O pior é pensar que se fosse com uma filha minha, se fosse com a Mel, eu também levantaria as mãos pros Céus. 

- O Asa tem esse problema, claro, mas ele é melhor que muito garoto que a gente vê por aí. Por enquanto é um livramento, porque ele ta no auge da crise e ela é muito nova pra lidar com isso, mas no futuro, quando ele tiver melhor, ninguém mais vai pensar assim. Isso que ele sofre, tem conserto. Ele vai aprender a lidar com isso. O que mais existe, Andrew, é criança abusada, infelizmente. Eu trabalho com um colega que foi abusado. E pelo pai, ainda por cima. Ele conversou comigo quando soube do meu sobrinho. Ele disse que é difícil, às vezes, mas que na maior parte do tempo ele não pensa no que aconteceu, principalmente agora que ele formou família. Com o Asa também vai ser assim.

- Assim seja! Obrigado, Charlie. - Ele apertou a mão do irmão. - E o papai? To muito feliz que deu tudo certo com a operação.

- Siiiiim! Cara, parece outra pessoa. Aumenta a qualidade de vida esse negócio de não ficar tremendo. Os pais daquele seu amigo têm que operar também.

- Nossa, muito. Eles são piores do que o papai. 

- Ele também ficou muito emocionado quando soube que a Jessica não corre mais perigo de vida. Todos nós, aliás. Ele fez jejum durante dois dias quando a Mel nasceu e jejum de mais dois dias quando soube da Jessica. 

- Meu pai tem que parar de fazer esses jejuns. Ele ta muito velho pra isso.

- Ah, ele também fez jejum de um dia uma semana antes de operar. Ficou na mesquita o dia inteiro orando, porque ele tava com medo de morrer.

- Eu vou parar de contar as coisas pra ele. Em vez de ficar só na mesquita, não. Ele fica lá e ainda faz jejum.

- Como a mamãe não ta lá, ele vive na mesquita agora.

- Ai, eu não vou devolver ela por enquanto não. Ela ta sendo ótima pra mim. Eu tava com saudades dela.

- Relaxa, cara! A verdade é que ta todo mundo com saudades dela. Menos a Gugu... E a Pam. Não, na verdade, a Pam mais ou menos.

- Eu entendo a Gugu.

- Eu também.

Eles riram. 

- A gente brigava muito por causa da mamãe. Ela dizia que eu não defendia ela. A verdade é que eu tentava, mas eu também não queria irritar a minha mãe. Ela já ta velha e ela, no fundo, no fundo, é sensível.

- Você tem razão. To vendo muito isso agora.

- E como ta viver sem a Jessica?

- Cara, é bem ruim. Parece, às vezes, que eu sou viúvo. Eu fico imaginando ela com a bebê. Ela é tão carinhosa e ficaria tão feliz com a bebê. E eu fico com saudades dela como marido também. Sinto falta de beijar ela na boca.

- Cara, deixa eu te fazer uma pergunta que eu to curioso. Na verdade, todo mundo ta. A Toni que ta amamentando, certo?

- Ai, eu já sei o que você vai perguntar e a resposta é não. 

- Mas é estranho, não é?

- Aaah, mais ou menos. Sempre vai ser, até porque quem deveria estar amamentando a Mel era a Jess. Na verdade, ver a Antonella amamentando a Mel sempre me soa errado mais do que me transporta pro passado. O que eu to gostando é que o Asa agora vive aqui. Eu to me sentindo muito mais próximo dele e sei que ele também ta de mim. 

- Não rolou nada de estranho entre os dois?

Andrew ficou sem graça.

- Rolou, rolou!

- Rolou, mas não teve a ver com ela. 

- O que aconteceu?

- Ela me viu...

- Pelado?

- Animado.

Charles quase cuspiu a bebida.

- Não, pera, conta isso melhor.

- Foi num sonho, o que eu posso fazer? Eu peguei no sono no sofá e quando acordei eu tava... E ela tava na sala. Pela cara, eu vi que ela viu.

- As crianças viram?

- Não. Ela disse que não. Mas nossa mãe viu.

- M***a! 

- Pois é...

- E eu posso saber com quem você tava sonhando?

- Com a Jess, óbvio. 

- Ótima resposta! - Eles riram.

- Mas, de verdade, eu sonhei com uma mulher desconhecida. Não sei quem era, te juro. To há um tempo sem fazer, aí fico tendo esses sonhos.

- Eu sei como é que é. Já sonhei com mulher desconhecida também. Você tem esses sonhos com muita frequência?

- Não. Mas é com mais frequência do que eu geralmente tinha. Sonho com a Jessica também.

- Sonha com a Rashida?

- Não! Mas eu já sonhei com a Alice, aquela ex do Matt. Não agora, obviamente, mas já sonhei com ela.

- Acho que todos nós, não é?

- Eu escutei hoje Nothing Compares, não me julge, e lembrei dela.

- Cara, My Heart Will Go On é uma das minhas músicas preferidas, não posso julgar. 

- My Heart Will Go On é um clássico.

- My Heart Will Go On tem um dos instrumentais mais lindos que eu já ouvi.

- Aí você exagerou.

- Cara, é verdade. Primeiro, ele sempre me lembra de um navio. O instrumental é de navio.

- Você ta com o filme na cabeça.

- O quê? Vai dizer que aquele início não lembra o som de um navio? 

- Você ta com o filme na cabeça.

- Que seja! Pra mim, me lembra navio. E me lembra de Titanic, que é um dos melhores filmes de todos os tempos.

- Questionável.

- Tem romance, tragédia, comédia, horror, terror. Cara, esse filme transita praticamente por todos os gêneros.

- Muito questionável.

- De qualquer forma, essa música é linda, de verdade. Tem emoção, tem ápice, tem guitarra - Andrew riu - Enfim... tem verdade. E versões. Cada uma com o seu propósito. E o final. Cara, aquele final, da Celine Dion fazendo aquele hmmmmmm, juro, nunca vi uma parte mais bonita de uma música. Já chorei muito ouvindo essa parte, porque é muito real. Eu to naquele navio e eu sou a Rose vendo o Jack afundando na água. É a história de uma vida.

- É, você certamente é muito fã dessa música.

- Cara, a minha maior liberdade foi contar pra Gu que eu amo essa música. Saiu um peso das minhas costas. Agora eu poss... Ih, acho que a Mel acordou.

- Eita! - Ele saiu correndo para ver Mel, que estava chorando. 



. ALGUMAS BEBIDAS DEPOIS E INTERRUPÇÕES DA MEL DE VEZ EM QUANDO. 

- Yoooooou're heeeeeere, there's NOTHING I fear
And I knooow that my heart will go oooon
We'll stay foreeeeeeeeeever this way
You are sAafe in my heart and
My heart wiiill go oooon aaand OOOOOoooooooon

Mel olhava para os dois.

.

Andrew dava de mamar para Mel, com sua cerveja do lado, enquanto Charles também bebia e os dois escutavam música. 

- [...] Aí eu falei com ela que tava pensando em chamar uma ama de leite, porque devia estar cansativo pra ela trabalhar e dar de mamar pra Mel, depois voltar pra casa e talz... Eu falei que também tava preocupado com o casamento dela, que o John poderia não estar gostando e sei lá mais o que, aí ela falou que não, que não era pra eu chamar uma ama de leite, que ela fazia com maior prazer, porque a Mel era afilhada dela e irmã do Asa, que pra Mel seria estranho ficar trocando de peito e de leite toda hora e que ela faria aquilo pelo tempo que precisasse. Aí eu fiquei sem graça de insistir e deixei ela continuar.

- Cara, ela ta tão na sua. - Parodiou Charles, Todo Mundo Odeia Chris.

- Não acho.

Charles olhou cético para Andrew.

- Ta, ela ta na minha, mas não importa.

- Ah, então você sabe?!

- Eu soube desde que ela descobriu que eu ia me casar com a Jess.

- Ela admitiu?



- Nossa, a gente não conversa de nada. Sim, ela deu a entender. Ficou claro, na verdade. Desde então, a gente não fala mais sobre o assunto, mas agora eu sei.

- Você então sabe que ela faz isso só por você.

- Não, eu não acho que ela só faz por mim. Eu sei que ela também faz por mim, assim como ela também pensa no Asa e na própria Mel. Se eu tivesse pensado bem, eu não teria chamado ela pra amamentar a Mel, mas na hora eu não pensei direito. Eu não queria que fosse uma mulher qualquer, até porque essas amas de leite amamentam muitas crianças, aí vira amamentação cruzada, o que seria péssimo para a Mel, que era prematura. Eu também não queria uma mulher estranha morando aqui em casa. Eu odeio a ideia de pessoas fora da família morando na minha casa. Teve uma época que a Jess comentou sobre isso de ter empregada, o quartinho, mas eu, particularmente, não gostei da ideia. Eu até aceito se ela precisar de ajuda, mas, honestamente, eu não gosto.

- É. Esse conceito é meio estranho. A não ser que você seja da realeza.

- Pois é! Mas aqui no Brasil é algo comum. Quer dizer, mais ou menos. Pra quem tem dinheiro, no caso.

- Ah, então você fez bem. E de quebra, você pode ver mais o Asa.

- Pois é! Pra mim tem muitas vantagens, agora pra Jessica...

- Cara, pra Jessica também é vantajoso, porque a filha dela ta sendo amamentada. Sem contar que eu bem que acho que se fosse o contrário, e homens pudessem amamentar, ela chamaria o Bradley por já conhecer ele e saber que ele é de confiança.

- Pode ser. Nunca vamos saber, na verdade...

. UM POUCO MAIS DE CERVEJA DEPOIS.

- [...] Só que ela não para. 

- P**a m***a. E a Gugu sabe disso?

- Ela nem desconfia.

- Melhor. 

- Não tenho o que fazer, só pedir transferência, mas se eu fizer isso, vou ter que sair de Londres e ficar longe de todo mundo. E tem também a Gugu que teria que arrumar outro emprego. Eu nem sei se ela gostaria de sair de Londres também. Eu acho que é mais capaz dela me mandar sair do emprego e arrumar outro, mas, cara, esse emprego... Esse emprego é o emprego dos meus sonhos. Eu to ganhando muito bem, to aprendendo muito... 

- Isso que a sua chefe ta fazendo é assédio.

- E eu não sei?!

- Mas vem cá, ela é bonita?

- Pra car***o!

- P**a m***a! - Andrew bebeu mais um gole de cerveja. 

- Nem me fala... - Ele também bebeu mais um gole de cerveja.

.

- E também não gosta que tenha cerveja na geladeira.

- Mas a nossa família ama cerveja. 

- Nós só somos próximos porque tomamos cerveja.

- E você ama cerveja.

- Amo. E eu ainda conheço uma loja que vende Oettinger, aqui perto.

- Oettinger? Cara, por que você ta me servindo - Ele olhou pro rótulo da cerveja - Budweiser?



- Essa também é boa.

- P***a, mas a Oettinger é melhor.

- Deixa eu pegar. - Andrew levantou, revirando os olhos.


- Ta ali, ta ali.

- Ali aonde?

- Lá no alto.

- Mas eu sou muito pequeno, eu não consigo pegar.

- Precisamos do Tigrão.

- Alguém me chamou?

- Tigrão, precisamos que você faça o que faz de melhor.

- Pode deixar, Pooh. Eu não vou te decepcionar. - Charles fez o ursinho do Tigrão pular cada vez mais alto, pegou a Mel e deu para Andrew, que segurava o urso do Pooh. - Pronto, aqui está o seu mel, Pooh!

- Ooooh, como eu amo o meu pote de mel. - Ele deu vários beijinhos em Mel, que observava com atenção o teatrinho feito pelos irmãos, inclusive abrindo sorrisinhos em certos momentos.

.

- Jack? Jack? Eu te amo, Jack!

- Ah, vai se f**er, Rose, e sai de cima da minha porta. - Andrew começou a bater no boneco de Charles, que devolveu os socos.

.

Charles estava sentando no piano, enquanto Andrew se encontrava em pé, segurando Mel, que estava em cima do piano.

- Skidamarink a dink, a dink
Skidamarink a do
I love you
Skidamarink a dink, a dink
Skidamarink a do
I love you
I love you in the morning and in the afternoon
I love you in the evening and underneath the moon
Oh
Skidamarink a dink, a dink
Skidamarink a do
I love you

.

Charles cuspiu a cerveja. 

- O quê? - Perguntou o irmão de Andrew, pasmo com o que tinha acabado de ouvir.

- Eu não conhecia a Jessica, eu juro. Só tinha ouvido falar. E eu nem gostava da Emma, foi literalmente do nada. Ela me mandou um bilhete e puuuff, a gente começou a ter um caso.

- Andrew, você é muito f**ido.

- Eu sei.

- Mano! Mano! - Ele riu. - Você comeu a filha da sua mulher, ex do seu filho e irmã da sua filha. Você tem ideia do quão louco é isso?!

- O pior é que eu ainda meio que gosto dela.



- Andrew!

- Quando a Jessica ta longe, eu não consigo evitar. 

- Você teve um livramento com o término dos dois. Não pelas circunstâncias, claro, mas isso tava muito f**ido. Só iria piorar as coisas.

- É verdade, é verdade. - Ele começou a roer as unhas, hábito muito antigo, que fazia apenas nas épocas de abstinência.

.

Agora foi a vez de Andrew cuspir a cerveja.

.

// I Believe In A Thing Called Love //

- Prepare-se, Mel, porque você vai ouvir um dos melhores riffs de guitarra da atualidade.

- Essa música é antiga, mano.

- Cala a boca, Charlie Brown!

- Num improvável comeback, vem aí, em apresentação única: Spit in your face!

Os dois começaram a dançar e interpretar a música:

- Can't explain all the feelings that you're making me feel.
My heart's in overdrive, and you're behind the steering wheel.
[...]
Touching yooooooooou, touching meeeeeeee.
Touching you, GÓÓÓd, you're touching meeeeeeeeeeee Aaaaaaaaaaah.
I believe in a thing called love.
Just listen to the rhythm of my heart.
There's a chance we could make it now.
We'll be rocking till the Sun goes down.
I believe in a thing called loooooooooove AaaaAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH.



Charles e Andrew começaram a tocar suas guitarras imaginárias, batendo a cabeça.

De repente, ouviram a porta batendo e viraram o rosto. Era June vendo a cena toda. Os dois imediatamente se endireitaram, Andrew pegou Mel, falando: "Hora de dormir!"

- Oi, mãe! - Charles falou, tentando pausar a outra música que estava prestes a começar.

June fez um olhar de reprovação ao ver o que as duas crianças tinham feito em casa.

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