segunda-feira, 22 de março de 2021

Breakfast at Sara's

    Andrew sentia que estava sendo observado, o que o deixava muito desconfortável. Ele pensou em perguntar se ela estava olhando as rugas dele, mas, no fim, preferiu manter os olhos fechados, fingindo que estava dormindo. A verdade é que ele não queria começar comentários que poderiam virar brincadeiras amorosas, já que, claramente, ele não estava apaixonado e nem perto de se apaixonar, ao contrário da pobre Sara, assim indicava. Aquela brincadeira toda durou, pelo o que pareceu, uns 15 minutos e só terminou, pois o inglês virou a cabeça para o outro lado. Pouco tempo depois, sentiu o peso da cama ceder, o que significava que ela havia levantado. O professor ainda assim ficou com medo de abrir os olhos. Vai que seus sentidos estivessem o traindo e ela ainda o observasse, parada num canto do quarto. Mas não! Os sentidos do inglês não o haviam traído (dessa vez, mas isso é outra prosa) e ele agora sentia cheiro de ovos e café. Andrew decidiu que era melhor levantar. Vai que ela quisesse levar a comida para a cama?

    Parece cruel a frieza, mas em sua defesa, o pai de só Asa na época não queria nada além de companhia nos tempos de solidão e muito sexo. Sara oferecia as duas coisas de bom grado, entretanto ela, em contrapartida, queria mais do que aquilo. Andrew sentiu que talvez estivesse entrando numa cilada quando a chamou para sair, porém a verdade é que ele não desperdiçava uma mulher fácil. Nunca. Era um lema de vida. Ademais, a esteticista era bonita e bem gostosa. Não, não tinha como negá-la. O osso eram as expectativas da moça. A verdade é que era difícil achar uma quarentona solteira que não fosse carente; mesmo que muitas tentassem esconder, eventualmente, revelavam o que estava escondido debaixo do tapete. Não se fazem mais garotas como Marianne.

    Andrew chegou timidamente na cozinha americana de Sara e pigarreou para chamar a sua atenção.

    "Bom dia! Posso me sentar?", ele perguntou, já puxando a cadeira.

    "Claro!", ela deu um riso nervoso. "Mi casa es su casa". Sara se virou de costas para Andrew se odiando por ter dito aquilo. "Eu to terminando de preparar o café da manhã. Espero que você goste de panqueca fit. Eu burramente fiz recheio de coco, mas eu não sei se você gosta. Me desculpa!"

    Sara era uma boa pessoa. Só queria agradar.

    "Eu adoro coco. Não sei como tem gente que não gosta."

    "Não é?! Eu também amo coco. Coco é vida!" 

    Ela definitivamente estava nervosa. Era a primeira noite que ele dormia na casa dela, o que provavelmente a deixou nervosa. Andrew resolveu "ajudar" dizendo a frase mais clichê que a maior parte das mulheres que passava a noite com um cara e tinha a sua companhia na manhã seguinte gostava de ouvir. 

    "Eu realmente gostei da noite de ontem. Você estava ótima.", ele a abraçou por trás sedutoramente e beijou o seu ombro. Ele não mentiu. A loira realmente tinha dado tudo de si. Para uma mulher de 40, ela estava bem em pé. O problema é que ele não gostava de usar como artifício a retórica-clichê. Já Sara sentia que podia derreter.

    "Você É ótimo!", respondeu, o beijando logo em seguida.

    Andrew, depois de sentir um leve cheiro de queimado, deu uma espiada de um olho na panqueca, que parecia estar queimando. Ele disse entre o beijo: "Acho que a panqueca ta queimando."

    "Ooops!" A esteticista interrompeu o beijo e foi dar uma olhada na panqueca, completamente agitada. O professor deu um risinho. "Ai, me desculpa! Eu sou tão distraída."

    "Achei que o meu beijo que fosse bom." Que p**ra é essa que ele estava falando? Mais uma dessas e iria aparecer um diretor de comédia romântica trash dizendo "Corta!"

    "Nã-não. Seu beijo é ótimo, não me entenda mal."

    "Eu tava brincando."

    Corta!

    "Sim! Você é muito engraçadinho mesmo.", ela disse, colocando a panqueca de chocolate no prato. "Olha, tem café, salada de frutas, pão, manteiga, queijo branco. Você quer um iogurte pra tomar com as frutas?"

    "Não, obrigado. Parece café da manhã de novela."

    "Faltou o bolo."

    "E o suco de laranja!"

    "É..." Ela começou a roer as unhas, enquanto Andrew preparava seu pão. "Andrew?" Ele olhou para ela. "Na verdade, tem suco de laranja na geladeira. Da fruta. Só que é de ontem."

    "Maravilha! Então realmente só faltou o bolo.", ele sorriu. "A não ser que você tenha algo pra me contar." 

    "Não tem bolo mesmo não. Seria demais pra mim. Eu moro sozinho, então já vi..."

    "É, eu também não costumo comprar bolo, só o pedaço, se eu tiver com muita vontade."

    "Às vezes, eu faço bolo fit também, aí levo as sobras pras meninas lá no trabalho."

    "Você é uma boa patroa." Ela sorriu. 

    Sara era uma boa pessoa. Então por que ele não conseguia gostar dela? Gostar mesmo. Era muito difícil, porque a verdade era que Andrew queria se apaixonar de novo. De verdade. Ele queria reconstruir a parte da família que perdeu. Entretanto, depois do casamento fracassado, salvo o nascimento do filho, nenhuma mulher despertou nele o interesse de se casar de novo. Andrew havia conhecido muitas mulheres bacanas e, ainda assim, só de pensar em se casar com uma delas, já o fazia morrer de tédio ou de medo. 

    "Gostou da panqueca?"

    "Ainda nem provei. Deixa eu ver...", respondeu o professor, despertando dos seus pensamentos. Ele provou um pedaço. "Uau! Nem parece fit."

    "Não é?! Eu amo essa panqueca!"

    "Ta realmente boa. Só ta um pouquinho queimada.", falou, mostrando a parte detrás da panqueca. Sara olhou apreensiva, mas ao não ver nenhum queimado, viu que ele estava brincando. Era óbvio que era brincadeira, até porque ela quem tinha ficado com a panqueca mais queimadinha.

    "Seu bobo!", ela deu um tapa no braço de Andrew. "Você me assustou."

    "Desculpa! Não, ta realmente muito boa. Vou querer a receita depois.", ele disse, dando outra garfada na panqueca. "Isso é chocolate derretido?"

    "É! É chocolate meio amargo."

    "Essa panqueca não me parece mais muito fit."

    "É chocolate meio amargo, seu bobo! Não engorda. Na verdade, faz muito bem pra saúde."

    Se ela o chamasse de bobo mais uma vez, Andrew voltaria à sua versão de 15 anos.

    Como quem não queria nada, Sara perguntou: "Você vai querer almoçar aqui? Não sei se você tem compromisso ou ta ocupado..."

    "Eu combinei com o meu filho da gente sair hoje. Me desculpa!" Mentira! Bem, ele tentou combinar de sair com Asa, mas teve seus planos frustrados, pois Antonella já tinha planejado um passeio entre a família dela. Claro, ele havia sido convidado. Claro, ele preferia se atirar em um lago a comparecer àquela programação. Preferiu mentir, porque Sara parecia estar muito carente naquele dia e ele não sabia reagir quando uma mulher demonstrava muita carência, uma vez que qualquer coisa que ele tentasse fazer sem sentir sairia muito forçada.

    "Ah, que legal! Vão pra onde?", ela tentou esconder a decepção, muito bem, aliás.

    "Pro cinema."

    "Cinema com crianças é tão legal. Eu amo ir com as minhas sobrinhas. A gente vai lá o tempo inteiro".

    Um dos grandes mistérios para Andrew, além do fato de Sara ser solteira, era o porquê ela não tinha filhos. Será que ela era estéril? Porque não parecia que ela não queria ser mãe. Eles ainda não tinham chegado naquele nível de intimidade para ele perguntar a fundo. De qualquer forma, a resposta dela o deixou meio para baixo. Ele se arrependeu de não ter aceitado o convite. Agora era tarde demais. Se ele desfizesse os planos, ficaria na cara que mentiu. A verdade é que o professor tinha pena de Sara.

    "É bem legal mesmo. Eu acho que fico mais animado do que ele com os filmes."

    "Você é muito sensível."

    "Você acha?"

    "Acho sim. Já reparei! Acho que você tem uma criança interior que nunca te deixou. Ela faz com que você tenha sonhos, expectativas, medos e gostos iguais a de uma criança. Também te traz a sensibilidade da criança, de ver beleza em tudo e ser curioso."

    Andrew teve que se segurar muito para não rir, mas muito mesmo. Aquilo não podia estar mais errado, ainda assim, Sara falava como se o conhecesse profundamente. A melhor parte foi "ser curioso". Em que momento ele se mostrou curioso com ela? Talvez só para vê-la nua e aquela curiosidade, certamente, não era nada infantil.

    "Nossa, nunca me vi assim, mas achei muito bonito", ele conseguiu dizer depois de muito autocontrole.

    A tentativa de não rir, fez a esteticista pensar que, na verdade, ele havia ficado emocionado com o que ela tinha dito. Havia até um pouco de água acumulada nos olhos do inglês.

    "Eu sou muito observadora!", ela deu de ombros, a fim de amenizar o clima. Homens como o Andrew não gostavam de se ver vulneráveis na frente de uma mulher. "Mas tudo bem, você me deve um almoço. Não pra pagar, mas pra comer aqui em casa. Como você já pode ver, sou uma ótima cozinheira."

    "Sim, é verdade. Que tal fazermos o seguinte? Se você não tiver compromisso no fim de semana que vem, podemos passar o sábado e o domingo juntos".

    O que ele estava fazendo? Era preciso se esforçar para sair da situação em que ele estava. Além do mais, Sara era boa. Sempre que ele precisava de companhia e/ou de sexo, o alimento do homem solteiro, ela estava por ele. Era hora de retribuir. 

    "Eu topo!", ela sorriu de orelha a orelha.

    "It's a date".

    E mais uma vez Sara derreteu, com aquele homem lindo, falando inglês com aquele sotaque. Que sortuda ela era. Quem sabe finalmente ela teria encontrado o seu final feliz? Só o tempo diria.

    E disse.

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