terça-feira, 6 de outubro de 2020

Capítulo 1: Pai e filhos

Assim que abriu a porta de seu apartamento, Andrew sentiu o peso da derrota e começou a chorar tudo aquilo que estava segurando havia um tempo. A sala olhava para ele com uma mistura de desprezo e escárnio. Quando finalmente criou esperanças, acreditando que os dias de amargura e solidão estariam para trás, ele teve a mísera ideia que botou tudo a perder. Ele queria poder culpar Bradley ou qualquer outra pessoa do seu infortúnio, porém seria injusto e mal apurado. A decisão de ceder a todos os seus desejos e impulsos sem se importar com os que estão ao seu redor custava caro quando a consciência cobrava lealdade, respeito e empatia. Assim que ele concedia ao seu lado bom o direito de agir, sempre acabava piorando as coisas, pois como consertar algo que já havia ido longe demais, sem machucar ninguém? A emoção ocasionada pelo momento e a falta de equilíbrio sempre acabavam reinando e o colocando em situações em que o erro se escancarava assim que as palavras saíam da sua boca. Não teria sido isso o que teria acontecido em sua relação com Rashida ou Antonella, afinal?

A sensação de ter chegado perto daquilo que achou que nunca mais poderia ter era dolorosa, mas a circunstância ainda tinha um agravante: a filha. Se Jessica a perdesse agora.................................................................................................................................................................................................................................................................................

 Dr. Fernandes havia deixado claro que sua única tarefa era fazer Jessica não se estressar, distraindo-a com coisas boas, mas até nisso ele falhou. O grande problema é que esse erro poderia custar a vida da sua filhinha. Ele definitivamente não era um bom pai. Amava Asa e a filha mais do que qualquer coisa no mundo e, ainda assim, tomava atitudes que os expunha ao perigo. Os maiores sofrimentos e arrependimentos de sua vida eram relacionados aos dois; às duas pessoas que mais importavam. O resto era o resto.

Como ele queria passar o pouco tempo de vida da filhinha junto a ela para que, quando ela se fosse, ao chegar no céu, soubesse o quanto foi amada; que o pai dela, apesar de não ter conseguido salvá-la, esteve ao seu lado o tempo inteiro. Imagens surgiam vividamente na sua cabeça: Jessica sozinha, sentindo a dor do aborto espontâneo e sua bebê sumindo, sem que ele pudesse ampará-las dizendo que tudo ficaria bem, mesmo não sendo verdade. Ele queria estar lá, não por um sentimento masoquista, mas porque ele queria que a bebê o ouvisse, ainda que não pudesse entendê-lo; para poder segurar na mão de sua companheira que ficaria devastada. Ele seria forte pelas duas, não choraria, manteria, por elas, a compostura, sem desesperar-se. Naquele momento, veio a voz de Tom dizendo: “Não dê como certo que ela vai morrer, cara. Tenha pensamento positivo para que ela viva. Atraia coisas boas”. Andrew queria com todas as suas forças acreditar nisso, mas a estatística jessiquiniana não era favorável. Foram 6 abortos só com o Bradley, fora os posteriores a ele. Essa mesma ideia de esperança foi a que ele criou em relação à sua união com a advogada e suas expectativas foram desanimadoramente frustradas. Jessica não só o deixou como também cortou o máximo possível de contato entre eles. A punição executada pelo algoz parecia maior do que o crime. Ainda que Andrew tivesse montado uma armadilha para si mesmo, ela não sabia. Portanto, limitar a convivência do inglês com sua filha que tinha pouco expectativa de vida soava desnecessariamente cruel. Aquilo fez o professor começar a soluçar. Se a Jessica soubesse o quanto de amor que tinha nele desde que descobriu que seria pai, será que ela faria isso ou ela fazia justamente por saber o quanto a resolução o afetaria? Como ele queria acompanhar tudo, como ele queria estar 24h aproveitando o máximo que desse, descobrindo cada nuance de vida dentro daquela barriga enquanto pudesse. Por que proibi-lo de visitar a sua menininha? Andrew não parava de soluçar pensando em tudo aquilo. Depois de um tempo preso em todo um fluxo de pensamento desgastante e corrosivo, decidiu pôr um fim em sua agonia tomando três comprimidos de calmante para ver se dormia, pois desconfiou que sem eles, tudo o que restaria seria insônia, insônia e só insônia.

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“Falou com o seu pai?”, perguntou Antonella roendo as unhas, depois de pedir para o filho ver como o pai estava.

“Ele ta fingindo que ta bem, como sempre”, respondeu Asa reflexivo.

“Você acha que...?”

“Acho que sim. Provavelmente, ta perdendo”, o menino respondeu bem triste.

“Acho que não!”, a italiana se apressou a dizer, ao ver a reação do garoto. “Se tivesse, a última coisa que o seu pai faria é vir pro trabalho. Não deve ser nada de grave. A diretora liberaria ele, certeza!”

“Pode ser...”, disse Asa pensativo.

“Filho?”

“O quê?”

“O que você acha de ficar com o seu pai hoje? Seria bom pra distrair ele. Os dois podem jogar videogame, ver filme. Eu sei que é desgastante pra você ter que passar por isso também, mas você é a única família que ele tem aqui. É só tentar se divertir que vai dar tudo certo.”

“Você poderia ir também. Acho que ajudaria.”

“Eu acho que não, Asa. Acho que, no momento, seu pai precisa estar com a família e eu não sou a família dele. Não mais... Mas olha, pergunta pra ele se você pode dormir lá na casa da Jessica. Dependendo da resposta dele, vamos saber como a Jessica tá.”

“Vou pedir.”

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Quando Asa fez o que Antonella pediu, ele não usou exatamente as palavras que a mãe tinha dito. Dito isso, tamanha foi a surpresa quando o garoto se deu conta que estava em frente ao antigo prédio de Andrew. “Eles terminaram? Será que é isso?”, pensou. Fazia todo o sentido. O pai estava triste, fato. Entretanto, se Jessica estivesse perdendo o bebê, quer dizer, a bebê, ele definitivamente não iria trabalhar, como bem disse sua mãe. Sem nem saber o que tinha ocorrido, Asa ficou com raiva da ruiva.

Andrew abriu a porta do seu apartamento, ignorando o fato de que aquilo era uma novidade para o filho. Sua mente estava absorta em lugares não permitidos para menores. Asa quebrou o silêncio perguntando:

“O que aconteceu? E a casa da Jessica?”

O inglês finalmente se deu conta de que não tinha pensado em uma desculpa para ter retornado ao seu antigo apartamento, mas como um bom mentiroso emendou rapidamente:

“A Jessica agora vai ficar na casa da Octavia.” Bem, aquilo não era uma mentira tecnicamente.

“Por quê?”

“Porque lá tem mais gente pra ajudar e distrair ela. O médico recomendou que a Jessica não ficasse mais sozinha ou só comigo, porque não faz bem pro psicológico dela. Assim que eu saio, ela começa a ficar negativa e pensar besteira. Isso não faz bem pro bebê. Já na casa da Octavia, ela tem família grande: os filhos, o marido, os netos. A Jessica nunca vai ficar sozinha lá.” Aquilo definitivamente era uma família, mas alguém tinha falado algo parecido para ele. Quem foi? Foi a própria Octavia?

“E por que você não fica lá também, então?”

“Porque é a casa dos outros e também porque eles são daquela igreja e acham errado que a Jessica tenha engravidado de mim sem estar casada. É melhor para evitar julgamentos. Mas não se preocupe, Asa, a gente vai se ver o tempo inteiro.”

“Ela ta lá agora?”

“Ela ta no hospital, porque emagreceu um pouco. O médico achou melhor ela ficar lá até o peso dela voltar ao normal, mas ela ta bem e a bebê também”, Andrew mentiu com tal segurança, que até ele mesmo se surpreendeu. O inglês não queria contar que a advogada havia terminado com ele, pois não queria preocupar nem desapontar o filho. Também não queria que ele ficasse com raiva de Jessica. Ela definitivamente não merecia qualquer hostilidade vinda de Asa.

Sentindo certa culpa por ter ficado com raiva de Jessica, mesmo que por pouco tempo, Asa pediu mentalmente desculpas e mandou muito amor para ela e para o bebê. Nesse meio tempo, teve uma ideia para levantar o astral do pai, que provavelmente estava triste por ter que se manter longe da noiva e da filha.

“E se eu fosse morar com vocês? Pelo menos durante a gravidez. Quando você não estiver, eu fico com ela.”

Naquele momento, duas coisas surpreendentes aconteceram ao mesmo tempo para Andrew. A primeira, obviamente, foi a ideia do filho, a segunda foi o fato dele não ter caído no choro assim que ouviu o que o menino havia dito. Tentando manter a fachada de tranquilidade, enquanto por dentro chorava de amor por Asa, o professor disse:

“Não funcionaria, porque nós ficamos fora de casa ao mesmo tempo, de manhã, mas eu realmente fico feliz por você estar disposto a deixar a sua casa por nós.”

“Não seria nenhum sacrifício. Eu gosto de passar o tempo com vocês.”

Para, Asa!

“A Octavia poderia ficar de manhã com ela.”, continuou o garoto, persistindo.

“Aí daria mais ou menos no mesmo que na casa dela. A Octavia também tem os afazeres dela. Na casa dela, quando ela tiver que sair, mil outras pessoas ficarão no lugar dela.”

“Tudo bem. Eu entendi. Então quando você for ver ela, me chama.”

“Chamo sim.”

“Mas então, vamos jogar videogame?”

“Claro. Mas você tem que me explicar como se joga esse jogo de novo, porque eu me esqueci tudo.”

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Depois de fazerem várias atividades, já perto da hora de dormir, Andrew ficou preocupado que Asa desconfiasse que tudo o que havia dito mais cedo fosse mentira. Para enganá-lo, fingiu que recebeu uma ligação de Jessica. Assim que “atendeu” com um “Oi, amor”, o professor se arrependeu de ter inventado aquilo. O garoto o olhava atentamente, o que exigia uma excelente atuação e um bom roteiro para o diálogo fictício. Tudo aquilo estava se tornando tão doloroso, que ele fingiu passear pela casa, justamente para entrar no quarto e ter que fingir menos. A brincadeira durou por volta de 10 minutos. Já no “final”, ele retornou para a sala e avisou que Jessica tinha mandado um beijo para Asa. O menino retribuiu o beijo e desejou melhoras. Andrew avisou à Jessica inexistente, que mandou Asa se cuidar e escovar os dentes antes de dormir. Se a ruiva já tinha feito isso presencialmente, o inglês não sabe, mas que era um bom toque de verossimilhança, realmente era. Assim que o professor contou o pedido de Jessica-Andrew, Asa foi direto para o banheiro obedecê-la. O escritor, então, desligou a ligação fake, chateado de ver o quanto o filho já tratava a ruiva como sua madrasta...... Como será que estava a bebê? Será que ela estava bem? E Jessica? Acabou que todo aquele teatro serviu como um gatilho para mostrá-lo que ele não tinha notícia alguma de como estavam as duas.

Asa percebeu que depois da ligação, Andrew pareceu mais triste, apesar de tentar fingir, como sempre, que estava bem. Já deitado em sua cama, o garoto decidiu fazer algo que não fazia desde o divórcio de seus pais.

Andrew estava chorando silenciosamente, quando ouviu a porta do seu quarto se abrindo. Ele enxugou o rosto rapidamente, feliz por estar deitado de costas para a porta. Ele se virou para a direção do filho, então Asa perguntou:

“Posso dormir com você?”

“Claro!”

Não existe consolo mais bonito do que um filho. Andrew abraçou o menino, como fazia quando era criança. Asa não se desvencilhou, sabendo que o pai precisava daquilo.

“Seu pai brega te ama muito, sabia?”

“Seu filho que é legal, mas não tão legal para ser descolado também te ama.”

E Andrew teve certeza que aquele foi um dos melhores momentos que teve com o filho.

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