Assim
que abriu a porta de seu apartamento, Andrew sentiu o peso da derrota e começou
a chorar tudo aquilo que estava segurando havia um tempo. A sala olhava para
ele com uma mistura de desprezo e escárnio. Quando finalmente criou esperanças,
acreditando que os dias de amargura e solidão estariam para trás, ele teve a
mísera ideia que botou tudo a perder. Ele queria poder culpar Bradley ou
qualquer outra pessoa do seu infortúnio, porém seria injusto e mal apurado. A
decisão de ceder a todos os seus desejos e impulsos sem se importar com os que
estão ao seu redor custava caro quando a consciência cobrava lealdade, respeito
e empatia. Assim que ele concedia ao seu lado bom o direito de agir, sempre
acabava piorando as coisas, pois como consertar algo que já havia ido longe
demais, sem machucar ninguém? A emoção ocasionada pelo momento e a falta de
equilíbrio sempre acabavam reinando e o colocando em situações em que o erro se
escancarava assim que as palavras saíam da sua boca. Não teria sido isso o que
teria acontecido em sua relação com Rashida ou Antonella, afinal?
A
sensação de ter chegado perto daquilo que achou que nunca mais poderia ter era
dolorosa, mas a circunstância ainda tinha um agravante: a filha. Se Jessica a
perdesse agora.................................................................................................................................................................................................................................................................................
Dr. Fernandes havia deixado claro que sua
única tarefa era fazer Jessica não se estressar, distraindo-a com coisas boas,
mas até nisso ele falhou. O grande problema é que esse erro poderia custar a
vida da sua filhinha. Ele definitivamente não era um bom pai. Amava Asa e a
filha mais do que qualquer coisa no mundo e, ainda assim, tomava atitudes que
os expunha ao perigo. Os maiores sofrimentos e arrependimentos de sua vida eram
relacionados aos dois; às duas pessoas que mais importavam. O resto era o
resto.
Como
ele queria passar o pouco tempo de vida da filhinha junto a ela para que,
quando ela se fosse, ao chegar no céu, soubesse o quanto foi amada; que o pai
dela, apesar de não ter conseguido salvá-la, esteve ao seu lado o tempo
inteiro. Imagens surgiam vividamente na sua cabeça: Jessica sozinha, sentindo a
dor do aborto espontâneo e sua bebê sumindo, sem que ele pudesse ampará-las
dizendo que tudo ficaria bem, mesmo não sendo verdade. Ele queria estar lá, não
por um sentimento masoquista, mas porque ele queria que a bebê o ouvisse, ainda
que não pudesse entendê-lo; para poder segurar na mão de sua companheira que
ficaria devastada. Ele seria forte pelas duas, não choraria, manteria, por
elas, a compostura, sem desesperar-se. Naquele momento, veio a voz de Tom
dizendo: “Não dê como certo que ela vai morrer, cara. Tenha pensamento positivo
para que ela viva. Atraia coisas boas”. Andrew queria com todas as suas forças
acreditar nisso, mas a estatística jessiquiniana não era favorável. Foram 6
abortos só com o Bradley, fora os posteriores a ele. Essa mesma ideia de
esperança foi a que ele criou em relação à sua união com a advogada e suas
expectativas foram desanimadoramente frustradas. Jessica não só o deixou como
também cortou o máximo possível de contato entre eles. A punição executada pelo
algoz parecia maior do que o crime. Ainda que Andrew tivesse montado uma armadilha
para si mesmo, ela não sabia. Portanto, limitar a convivência do inglês com sua
filha que tinha pouco expectativa de vida soava desnecessariamente cruel. Aquilo
fez o professor começar a soluçar. Se a Jessica soubesse o quanto de amor que tinha
nele desde que descobriu que seria pai, será que ela faria isso ou ela fazia
justamente por saber o quanto a resolução o afetaria? Como ele queria
acompanhar tudo, como ele queria estar 24h aproveitando o máximo que desse,
descobrindo cada nuance de vida dentro daquela barriga enquanto pudesse. Por
que proibi-lo de visitar a sua menininha? Andrew não parava de soluçar pensando
em tudo aquilo. Depois de um tempo preso em todo um fluxo de pensamento
desgastante e corrosivo, decidiu pôr um fim em sua agonia tomando três
comprimidos de calmante para ver se dormia, pois desconfiou que sem eles, tudo o
que restaria seria insônia, insônia e só insônia.
.
“Falou
com o seu pai?”, perguntou Antonella roendo as unhas, depois de pedir para o
filho ver como o pai estava.
“Ele
ta fingindo que ta bem, como sempre”, respondeu Asa reflexivo.
“Você
acha que...?”
“Acho
que sim. Provavelmente, ta perdendo”, o menino respondeu bem triste.
“Acho
que não!”, a italiana se apressou a dizer, ao ver a reação do garoto. “Se tivesse,
a última coisa que o seu pai faria é vir pro trabalho. Não deve ser nada de
grave. A diretora liberaria ele, certeza!”
“Pode
ser...”, disse Asa pensativo.
“Filho?”
“O
quê?”
“O
que você acha de ficar com o seu pai hoje? Seria bom pra distrair ele. Os dois
podem jogar videogame, ver filme. Eu sei que é desgastante pra você ter que
passar por isso também, mas você é a única família que ele tem aqui. É só
tentar se divertir que vai dar tudo certo.”
“Você
poderia ir também. Acho que ajudaria.”
“Eu
acho que não, Asa. Acho que, no momento, seu pai precisa estar com a família e
eu não sou a família dele. Não mais... Mas olha, pergunta pra ele se você pode
dormir lá na casa da Jessica. Dependendo da resposta dele, vamos saber como a Jessica
tá.”
“Vou
pedir.”
.
Quando
Asa fez o que Antonella pediu, ele não usou exatamente as palavras que a mãe
tinha dito. Dito isso, tamanha foi a surpresa quando o garoto se deu conta que
estava em frente ao antigo prédio de Andrew. “Eles terminaram? Será que é isso?”,
pensou. Fazia todo o sentido. O pai estava triste, fato. Entretanto, se Jessica
estivesse perdendo o bebê, quer dizer, a bebê, ele definitivamente não iria
trabalhar, como bem disse sua mãe. Sem nem saber o que tinha ocorrido, Asa
ficou com raiva da ruiva.
Andrew
abriu a porta do seu apartamento, ignorando o fato de que aquilo era uma
novidade para o filho. Sua mente estava absorta em lugares não permitidos para
menores. Asa quebrou o silêncio perguntando:
“O
que aconteceu? E a casa da Jessica?”
O
inglês finalmente se deu conta de que não tinha pensado em uma desculpa para
ter retornado ao seu antigo apartamento, mas como um bom mentiroso emendou
rapidamente:
“A
Jessica agora vai ficar na casa da Octavia.” Bem, aquilo não era uma mentira
tecnicamente.
“Por
quê?”
“Porque
lá tem mais gente pra ajudar e distrair ela. O médico recomendou que a Jessica
não ficasse mais sozinha ou só comigo, porque não faz bem pro psicológico dela.
Assim que eu saio, ela começa a ficar negativa e pensar besteira. Isso não faz
bem pro bebê. Já na casa da Octavia, ela tem família grande: os filhos, o
marido, os netos. A Jessica nunca vai ficar sozinha lá.” Aquilo definitivamente
era uma família, mas alguém tinha falado algo parecido para ele. Quem foi? Foi
a própria Octavia?
“E
por que você não fica lá também, então?”
“Porque
é a casa dos outros e também porque eles são daquela igreja e acham errado que
a Jessica tenha engravidado de mim sem estar casada. É melhor para evitar
julgamentos. Mas não se preocupe, Asa, a gente vai se ver o tempo inteiro.”
“Ela
ta lá agora?”
“Ela
ta no hospital, porque emagreceu um pouco. O médico achou melhor ela ficar lá
até o peso dela voltar ao normal, mas ela ta bem e a bebê também”, Andrew
mentiu com tal segurança, que até ele mesmo se surpreendeu. O inglês não queria
contar que a advogada havia terminado com ele, pois não queria preocupar nem
desapontar o filho. Também não queria que ele ficasse com raiva de Jessica. Ela
definitivamente não merecia qualquer hostilidade vinda de Asa.
Sentindo
certa culpa por ter ficado com raiva de Jessica, mesmo que por pouco tempo, Asa
pediu mentalmente desculpas e mandou muito amor para ela e para o bebê. Nesse
meio tempo, teve uma ideia para levantar o astral do pai, que provavelmente
estava triste por ter que se manter longe da noiva e da filha.
“E
se eu fosse morar com vocês? Pelo menos durante a gravidez. Quando você não estiver,
eu fico com ela.”
Naquele
momento, duas coisas surpreendentes aconteceram ao mesmo tempo para Andrew. A
primeira, obviamente, foi a ideia do filho, a segunda foi o fato dele não ter
caído no choro assim que ouviu o que o menino havia dito. Tentando manter a
fachada de tranquilidade, enquanto por dentro chorava de amor por Asa, o
professor disse:
“Não
funcionaria, porque nós ficamos fora de casa ao mesmo tempo, de manhã, mas eu
realmente fico feliz por você estar disposto a deixar a sua casa por nós.”
“Não
seria nenhum sacrifício. Eu gosto de passar o tempo com vocês.”
Para,
Asa!
“A
Octavia poderia ficar de manhã com ela.”, continuou o garoto, persistindo.
“Aí
daria mais ou menos no mesmo que na casa dela. A Octavia também tem os afazeres
dela. Na casa dela, quando ela tiver que sair, mil outras pessoas ficarão no
lugar dela.”
“Tudo
bem. Eu entendi. Então quando você for ver ela, me chama.”
“Chamo
sim.”
“Mas
então, vamos jogar videogame?”
“Claro.
Mas você tem que me explicar como se joga esse jogo de novo, porque eu me
esqueci tudo.”
.
Depois
de fazerem várias atividades, já perto da hora de dormir, Andrew ficou
preocupado que Asa desconfiasse que tudo o que havia dito mais cedo fosse
mentira. Para enganá-lo, fingiu que recebeu uma ligação de Jessica. Assim que “atendeu”
com um “Oi, amor”, o professor se arrependeu de ter inventado aquilo. O garoto
o olhava atentamente, o que exigia uma excelente atuação e um bom roteiro para
o diálogo fictício. Tudo aquilo estava se tornando tão doloroso, que ele fingiu
passear pela casa, justamente para entrar no quarto e ter que fingir menos. A
brincadeira durou por volta de 10 minutos. Já no “final”, ele retornou para a
sala e avisou que Jessica tinha mandado um beijo para Asa. O menino retribuiu o
beijo e desejou melhoras. Andrew avisou à Jessica inexistente, que mandou Asa
se cuidar e escovar os dentes antes de dormir. Se a ruiva já tinha feito isso
presencialmente, o inglês não sabe, mas que era um bom toque de
verossimilhança, realmente era. Assim que o professor contou o pedido de
Jessica-Andrew, Asa foi direto para o banheiro obedecê-la. O escritor, então,
desligou a ligação fake, chateado de ver o quanto o filho já tratava a ruiva
como sua madrasta...... Como será que estava a bebê? Será que ela estava bem? E
Jessica? Acabou que todo aquele teatro serviu como um gatilho para mostrá-lo
que ele não tinha notícia alguma de como estavam as duas.
Asa
percebeu que depois da ligação, Andrew pareceu mais triste, apesar de tentar
fingir, como sempre, que estava bem. Já deitado em sua cama, o garoto decidiu
fazer algo que não fazia desde o divórcio de seus pais.
Andrew
estava chorando silenciosamente, quando ouviu a porta do seu quarto se abrindo.
Ele enxugou o rosto rapidamente, feliz por estar deitado de costas para a
porta. Ele se virou para a direção do filho, então Asa perguntou:
“Posso
dormir com você?”
“Claro!”
Não
existe consolo mais bonito do que um filho. Andrew abraçou o menino, como fazia
quando era criança. Asa não se desvencilhou, sabendo que o pai precisava
daquilo.
“Seu
pai brega te ama muito, sabia?”
“Seu
filho que é legal, mas não tão legal para ser descolado também te ama.”
E
Andrew teve certeza que aquele foi um dos melhores momentos que teve com o
filho.
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