quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Little Ghosts Everywhere - História 1

Andrew se deteve na entrada do quarto, contemplando a bela vista que se apresentava a ele. Marianne estava sentada na cama, com os seios de fora. Uma de suas pernas estava esticada; a outra tenuamente dobrada. Ela olhava para um ponto fixo da parede, enquanto fumava distraidamente. Seu cabelo estava levemente bagunçado, assim como a franjinha, que também estava levemente molhada de suor. Sua feição não dizia muito. Era serena, triste e normal, tudo ao mesmo tempo.


Marianne percebeu a presença de Andrew assim que ele entrou no quarto, mas não desviou o olhar da parede. Ela já estava esperando que ele recolhesse as suas roupas do chão, a fim de sair o mais rápido dali. Entretanto, ao contrário do que esperava, o inglês deitou novamente ao lado dela na cama. Ela sentiu um pequeno alívio, mas permaneceu imóvel, como se o fato de Andrew não ter ido embora não fosse nada demais. Eles ficaram um tempo em silêncio, até que Marianne decidiu quebrá-lo, apagando o cigarro no seu cinzeiro de porcelana:

“Do you want some tea?”, perguntou, já se preparando para levantar da cama.

“Not now. Lay down a little bit with me, please?”, pediu ele com carinho.

Marianne imediatamente obedeceu ao pedido de Andrew, virando o corpo para a direção dele. O professor começou a passar os dedos pelo cabelo da morena, olhando-a fixamente, enquanto ela retribuía o olhar. Cada um dizia coisas completamente diferentes.

“I’m sorry.”, falou finalmente o inglês, que estava completamente arrependido da maneira que tinha tratado Marianne minutos antes. “I’m really, really sorry. I'm an idiot.”

“I’m sorry too.”

“You don’t need to apologize. You don’t do anything wrong.”

“Well... I was quite insensitive.”

“No, you weren’t.”

Marianne continuou olhando para Andrew, sentindo os dedos dele passearem gentilmente pelo seu cabelo. Ela esticou o braço para tocar no rosto do amante. Ela mexia o dedo, sentindo a barba mal aparada do professor pinicá-la. Era muito bom e muito difícil estar com Andrew. Ainda que tudo tivesse começado em sexo, cada vez mais ela se viu envolvida pelo inglês. Infelizmente, sabia que a recíproca não era verdadeira. O pai de Asa (fala aê, Emma!) ainda era muito amargurado por tudo o que havia acontecido com o seu casamento. O humor dele variava conforme o dia.

Às vezes ele estava depressivo,

Às vezes bem-humorado,

Às vezes irritado,

Às vezes sensível,

Às vezes mal-humorado,

Às vezes carinhoso,

Às vezes cansado,

Às vezes feliz,

Às vezes infeliz.

Ela não era lá uma pessoa muito consistente quando se tratava do próprio humor. O fato dela ter depressão e Andrew estar num estado depressivo, na verdade, era muito bom para os dois, pois cada um se ajudava quando via que o outro precisava. No dia em que a infelicidade parecia coincidir, ambos sabiam dar espaço um para o outro, ainda que fisicamente presentes. A verdade é que ela amava Andrew e se sentia mal, porque sabia que ele não sentia nem perto disso por ela. Marianne tinha vontade de se afastar muitas vezes, mas era muito fraca para isso. Havia um lado dela que acreditava que algum dia ele superaria Antonella e veria que ela era a mulher para ele. Se ele realmente se fixasse nela e nos momentos que tiveram, já teria percebido que a conexão que eles criaram era muito forte, quiçá superior a criada com a ex-mulher, e que ia além da paixão que os dois nutriam pela Literatura.

O momento era o mesmo: a mão no rosto de Andrew, a mão dele em seus cabelos, os olhares trocados.

 “I love you.”, ela disse, independentemente da ausência de reciprocidade evidente da parte do amante.

Andrew ficou surpreso com a declaração súbita de Marianne. Apesar de muito querida e essencial para o professor durante todo aquele momento que estava passando, ele não sentia o mesmo. Em uma situação normal, teria mentido, sem problemas, como já havia feito com amores passados. Porém, na circunstância em que se encontrava, era melhor ser sincero do que dizer uma mentira que se apresentaria como tal assim que saísse de sua boca.

“I really, really, really like you, Marianne.”, falou sinceramente Andrew, disfarçando o desconforto que toda a situação trazia.

Marianne fechou os olhos, aceitando aquilo com o máximo de prazer possível. Aquilo era bem melhor do que o que estava esperando.

“Maybe in another circumstance...”, o professor se apressou em dizer, achando que a reação da jovem demonstrava o contrário daquilo que ela estava sentindo. “Maybe in the future...”

“I accept that.”, ela abriu os olhos e um pequeno sorriso fechado, mas sincero, apareceu em seu rosto. Andrew beijou a mão dela com carinho.

Aquela foi a primeira e última vez que ela disse que amava Andrew.

Pouco tempo depois, o inglês recebeu um convite para dar aula no Brasil. Ainda com dúvidas se valia a pena deixar o seu filho, sua família e seu país, o professor decidiu perguntar à Marianne o que ela achava da ideia. A princípio, ela decidiu não opinar, torcendo no fundo para que ele negasse a proposta. Mais tarde, ele disse que não iria, deixando a irlandesa bem feliz, mas no dia seguinte, a jovem disse de repente:

“I think you should go to Brazil, have a fresh start.”

“Where did it come from?”

“I don’t know. I just looked at you right now and thought you should do this.”

“But there’s my family, my son, my friends... you.”, ela sorriu tristemente. “I don't want to leave anyone behind.”

“Well… I think you should think about yourself this time. The salary is way better, it’s a new country, a new culture, a new beginning. You won’t leave anyone behind. We’ll all be here.”

“I don’t speak Portuguese.”

“So let's learn together.”, dessa vez, Andrew sorriu, mas logo depois fez uma cara pensativa.

“I don’t know. I'm going to talk to Asa again. I don't want to leave him.”

“I'm sure he’ll understand. This is also for his future. And it doesn't mean it will be forever.”

“Yeah, maybe…” Andrew e Marianne ficaram em silêncio durante um tempo, pensativos, até que o professor disse: “I’m gonna miss you if I go.” Ela abriu um sorriso triste e falou:

“You gonna be fine.”, ela entrelaçou a mão com a dele.

A verdade era que Marianne queria que ele a chamasse para ir junto. Se ele a chamasse, ela definitivamente iria.

Acontece que ele não chamou e ela também não se convidou.

No dia de sua viagem ao Brasil, Marianne o levou até o aeroporto. Era 4h da manhã, de uma quarta-feira. Andrew já havia se despedido do filho e da família no dia anterior. Antes de embarcar, os dois deram o último beijo de despedida. Algumas lágrimas acabaram escapando do rosto da jovem. Ele prometeu ligar para ela quando chegasse e pediu para ela prometer que visitaria ele nas férias. Ela prometeu.

Só não cumpriu.

Com o tempo, já no Brasil, Andrew percebeu que as respostas da amante estavam ficando cada vez mais escassas. Um pouco depois, Marianne mandou uma mensagem dizendo que era melhor os dois pararem de ter contato. O professor não insistiu.

Num belo dia, recebeu uma encomenda do Correios. Ao abrir o pacote, deu de cara com um livro de teoria literária escrito por Marianne, com um bilhete com a letra da irlandesa, escrito “For an old friend”. Ele já tinha lido uma boa parte daquele livro, pois ela estava escrevendo quando os dois ainda estavam juntos. Andrew ainda deu dicas de novas leituras e teorias que a jovem poderia incluir em sua antologia. Folheando o livro, passou pela parte da Dedicatória, ficando completamente estupefato com o que os seus olhos liam:

For all the laughter, kisses, tears, companionship, intellectual and non-intellectual discussions provided by you, in the complex one year and a half that we were together, more significant than any other year of my life. You would give an anthology bigger than this one.

ABB

Ah, essa juventude...

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