Na aula de Artes, Antonella se aproximou do filho e perguntou baixinho:
“Como
foi?”
“Foi
direito. Meu pai ta bem triste.”, respondeu Asa, fingindo dar atenção ao quadro
que estava pintando.
“É
mesmo? E a Jessica? O que ele disse?”
“Ele
disse que a Jessica perdeu alguns quilos e, por isso, ta no hospital. Disse que
agora ela vai ficar na casa da Octavia pra ter mais companhia, porque ficar só
com ele não estava distraindo a mente dela de pensar coisas ruins.”
“Seu
desenho ta ficando lindo, Dan. To amando”, ela disse para o garoto ao lado de
Asa. “E o que você acha disso que ele falou? O seu pai pareceu sincero?”
“Honestamente,
eu não sou muito bom de ver quando o meu pai ta mentindo. Depende da situação.”
“Hmmmm...
Mas você conseguiu distrair ele?”
“Mais
ou menos, mãe. Eu sou meio chato.”
“Isso,
pessoal! Continuem pintando. Joguem pra tela tudo o que estão sentindo!”, ela
disse para turma. “Você não é chato. Seu pai que ta com a cabeça muito cheia.”
“É.
Fico preocupado de ver ele sozinho de novo naquele apartamento.”
“Ele
voltou pro apartamento dele?”, Antonella perguntou chocada.
“Sim.
Eu não falei que a Jessica vai ficar com a Octavia?”
“Achei
que fosse por pouco tempo. Não sabia que ele, por causa disso, saiu do
apartamento dela e voltou pro dele.”, ela falou pensativa.
“Não
sei o que fazer.”
“Vou
tentar pensar em algo. Já volto, filho. Tenho que ser professora por um
momento.”
Pouco
tempo depois, a italiana voltou para o lado do filho e falou:
“Eu
tive uma ideia! Você e a Crystall podiam ir lá na casa dele hoje de novo e
levarem uns joguinhos. É bom que a Crystall é tão faladeira que distrai até um
gordo num rodízio de massas.”
“Pode
ser! Acho que ele vai gostar mais do que o videogame.”
“Vocês
podem levar Banco Imobiliário e War.”
“Tem
jogo da vida também.”
“Melhor
não, Asa, porque lá fala de filhos, casamento.”
“Verdade.
Bola fora!”
“Seu
pai amava jogar Candyland contigo. Lembra? Nós três jogávamos muito.”
“Não
lembro muito não, mãe.”
“Ah,
que pena, filho, porque era muito bom. Você era a coisa mais fofa jogando
Candyland... Asa, tenta fazer traços mais finos. Sua pintura ta ficando muito
desproporcional.”
“Eu
acabei me distraindo.”
“Ok!
Então hoje eu levo você e a Crystall para ficarem com ele.”
“Pra
dormir?”
“Tem
algum problema?”
“Por
mim não, mas o John não vai ficar chateado?”
“Do
John cuido eu.”
“Ok!”
.
“Pronto,
crianças. Não se esqueçam: sejam muito divertidas e bagunceiras. Não precisam
deixar o Andrew ganhar o jogo. Sejam justos e bons adversários, ok?”
“Ok!”,
os dois responderam uníssonos.
Antonella
tocou a campainha e pouco tempo depois Andrew atendeu.
“Ah,
oi, crianças! Oi, Antonella!”
“Oi,
Andrew! Você pode tomar conta das crianças pra mim? To meio ocupada com a
galeria.”
“Claro.”
“Então,
ok. Tchau, crianças! Divirtam-se.”, Antonella disse abraçando os filhos.
Crystall
já foi entrando no apartamento, mas Asa continuou no abraço e disse para
Antonella:
“Mãe,
fica com a gente um pouquinho. Você é animada, pode ajudar.”, ele largou a
italiana e ficou olhando para ela com um olhar de “por favor”. Andrew ainda
esperava na porta com um olhar distraído.
Antonella
não queria entrar. Ela, na verdade, queria ter o menor contato possível com o
ex-marido. O único motivo de estar se metendo tanto no assunto era porque:
a) Andrew
era pai de Asa;
b) Andrew
não tinha nenhuma família no Brasil.
Em
outras circunstâncias, sua atitude seria diferente, mas pelo filho...
“Andrew,
tem algum problema eu esperar dentro da sua casa um pouquinho? Eu tenho um compromisso
na galeria, mas a pessoa vai chegar lá só mais tarde.”
“Sem
problemas.”, falou o professor que só escutou a parte final da pergunta de
Antonella. Era preciso estar mais atento ou seu filho poderia perceber que
havia algum problema.
“A
gente trouxe um monte de jogos pra jogar hoje.”, disse Crystall, já preparando
a mesa.
“Uau,
que legal.”, o inglês fingiu estar empolgado.
A
loira percebeu que animar Andrew seria uma tarefa mais difícil do que tinha
pensado.
.
No
decorrer do jogo, Antonella tagarelou o quanto pôde. Silêncio era algo que ela
não permitia em momento algum. Ela tentava fazer tudo de maneira natural, para
que ele não percebesse o quanto ela estava tentando. Felizmente, o jeito dela
de agir não era tão diferente de como ela agia normalmente. Crystall e Asa
também ajudaram muito, mas quem chamou mais a atenção da italiana foi a
primeira. Crystall não era filha de Andrew, inclusive, achava que ele
apresentava perigo para o próprio pai. Ainda assim, o modo como ela estava
completamente adorável e engraçada mostrava um carinho tão grande que deixava
Antonella orgulhosa. Ver que os filhos dela eram boas pessoas era o maior
presente que ela podia receber como mãe.
Depois
de jogarem uma partida de War e uma partida incompleta de Banco Imobiliário,
Antonella disse que tinha que ir. Andrew a levou até a porta.
“Ah,
antes que eu me esqueça: o que você vai fazer no dia do seu aniversário? Já ta
chegando. 46, né?”
“É”,
falou Andrew soando um pouco para baixo. “Bem, você pode vir com as crianças e
o John. Eu também vou chamar o Brian e a Emma pra virem.”
“E
a Jessica?”, pensou Antonella. “Ah, que legal! Obrigada pelo convite. Então nos
vemos dia 6. As crianças podem dormir aí hoje?”
“Claro.”
“Ok!
Então tchau. Bom jogo.”
“Boa
galeria.”
Antonella
entrou no carro e ficou desapontada consigo mesma. Ela quis tanto animar
Andrew, mas parecia que nada tinha funcionado. Tudo nele soava falso. Ela
observou o inglês diversas vezes durante o jogo, mas ele parecia estar com a cabeça
em outro lugar. Poucas vezes, se mostrava realmente ali. A verdade é que a
loira nunca tinha experienciado um momento tão dark do ex-marido. O próprio divórcio,
além de não ter chegado nem de perto daquela situação, também tinha sido um momento no qual
ela não havia estado presente por Andrew. A italiana começou a roer as unhas
pensando no que ela podia fazer para ajudá-lo. O aniversário dele seria uma
droga, com as mesmas pessoas, iguais a todos os dias e, ainda por cima, sem a
Jessica. O que será que estava acontecendo?
Pouco
tempo depois, ainda pensativa, Antonella se deu conta de que ela não conseguiria
fazer nada pelo inglês, mas tinha um grupo de pessoas que poderiam ajudar e
muito. Rapidamente ela pegou o celular e ligou para Steve, irmão de Andrew. A ligação
durou mais de 40 minutos. Ela falou que o professor parecia bem mal, que ela
não sabia o que estava acontecendo e que as únicas pessoas que poderiam ajudá-lo
seria a família dele. Antonella, então, disse que Asa teve a ideia de chamar os
tios e o avós que pudessem vir ao Brasil para visitarem o inglês e passarem o
aniversário todos juntos.
“Eu
sei que é em cima da hora e que nem todos vão poder pedir licença do trabalho,
mas o Andrew realmente está precisando de vocês e o Asa está muito preocupado
com o pai.”
“Pode
deixar, Ton. Eu vou falar com todo mundo e vamos ver como faremos aqui, mas com
certeza alguém vai aparecer sim.”
“Seria
legal se vocês ficassem na casa do Andrew mesmo. É pequena, mas isso é bom, porque
ele vai se sentir menos solitário. Vai ser como se voltassem os velhos tempos.”
“Ótimo.
Dependendo de quantas pessoas forem, vai ficar bem apertado mesmo.”
“Quanto
mais apertado, melhor.”, ela riu. “Ah, eu busco quem vier no aeroporto e levo
direto pra casa dele. O Asa tem a chave. Vai ser legal ele abrir a porta de
casa e dar de cara com a família.”
“A
gente pode se esconder e dar maior susto nele. Ou sumir com algumas coisas da
casa, tipo o sofá ou algo assim e ele vai ficar ‘Onde ta o meu sofá?’”, ele imitou
o irmão falando.
“Não
sei se você vai conseguir esconder o sofá, porque o apartamento dele é
realmente pequeno, mas eu to amando as ideias. É bom porque vocês são uma
família de pegadinhas e ele realmente vai se sentir conectado com o passado.
Vocês fazem muita falta pra ele.”
“Eu
vou falar com o pessoal aqui e ver quem vai poder ir até o Brasil, mas
Ton, de verdade, muito obrigada por contar tudo isso. O Andrew esconde muito o
jogo. Ultimamente tem estado muito monossilábico e quando fala, diz que ta tudo
bem, mas corrido.”
“Ele
é muito mentiroso mesmo, mas de nada. O Asa vai ficar muito feliz de saber que alguns
tios vêm. Se o Immanuel vier, vai ser a maior felicidade de todas.”
“Vou
falar com o papai. Nem que ele tome um remédio, vou convencê-lo de ir.”
“Muito
obrigada, Steve. Mande lembranças para a Pam e as crianças.”
“Lembranças
para sua família também. To doido para ver o Asa e conhecer suas filhas.”
Antonella
desligou o telefone satisfeita com o que conseguiu. Às vezes ajudar é saber que
você não pode ajudar e pedir ajuda para quem realmente pode.
“Agora
é comprar uma boa lingerie pra não ouvir do John hoje”, pensou Antonella, já
tentando resolver a próxima situação.
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