quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Little Ghosts Everywhere - História 3

       James estava sentado em uma cafeteria, tamborilando os dedos na mesa, tamanha era sua ansiedade. Depois de tantos anos tentando contato sem sucesso, finalmente Alicia havia combinado de se encontrar com ele. Como ela estaria? Será que envelheceu muito? Como estava o casamento? A mãe dele havia dito que ela teve uma filha. Como ela era? Que ansiedade! Ele olhou para o relógio impacientemente. A ex-amiga já estava 15 minutos atrasada. Será que ela apareceria ou desistiria? Mas foi ela quem o procurou. Ele já tinha desistido de falar com ela há anos depois de tanto ser ignorado. Bem, seria muita insensibilidade da parte dela deixá-lo plantado e não era do seu feitio ser insensível, principalmente com ele, que a conhecia durante toda a sua vida.

            50 minutos se passaram e nada de Alicia. É, pelo visto ela não apareceria. É como os franceses dizem “C´est la vie”. Talvez tivesse ocorrido algum imprevisto, talvez ela simplesmente tivesse se arrependido. Qualquer que tenha sido a situação, James preferiu não guardar rancor. Ele terminaria o café e tentaria ligar depois, antes de sair, para ver se realmente ela não apareceria. Uns 5 minutos depois da resolução, Alicia apareceu na cafeteria. Ela não tinha mudado nada, continuava com a mesma cara angelical que sempre teve, desde criança.

Quando Alicia avistou James, seu coração bateu rápido. Era a hora da verdade. Uma parte dela queria que ele tivesse ido embora depois de todo aquele atraso sem justificativa. Ela poderia ter mandado uma mensagem de celular, mas não fez nada, e ainda assim, ele estava lá. Do jeito que o antigo amigo era, ela poderia ter demorado horas e horas e ele continuaria ali esperando.

“Oi!”

“Oi.”

Os dois se abraçaram sem jeito, rindo da falta de intimidade que o tempo trouxe.

“Desculpa o atraso.”, falou Alicia se sentando. “Eu tive que resolver uns problemas e acabei me atrasando.” Mentira!

“Tudo bem, sem problemas. Eu acabei pedindo um café, enquanto te esperava. Você vai querer um?”

“Claro.”

James fez sinal para a garçonete trazer mais um café. Quando viu que a atendente anotou o pedido, se virou para Alicia e perguntou:

“Mas como é que você ta? Quanto tempo a gente não se vê...”

“Pois é. Eu to bem e você?”

É, aquilo tinha sido vago... E decepcionante.

“Eu to bem também. To trabalhando...”, a garçonete trouxe o café. “Obrigado.”, ele se dirigiu à moça, “Eu to trabalhando numa firma bem boa como Economista.”

“Que legal! Fico feliz por você.”, ela fingiu empolgação. A verdade é que ela estava muito, muito, mas muito nervosa e não conseguia focar em nada.

“Eu também tenho o meu próprio apartamento por aqui. Antes eu alugava, mas agora consegui comprar um.”

“Uau!”

“Fora isso, não mudou muita coisa.”

“Você se casou?”

“Não.”

“Ah, que pena... Ou não. Eu não sei o que você quer.”

“Eu to bem solteiro.”

“Você ta namorando?”

“Eu tava, mas acabamos terminando.”

“Ah, que pena... Ou não. Ai, me desculpa.”

“Tudo bem, tranquilo.”, ele riu. “Bem, e você, como é que você ta? Soube que você tem uma filha. Você ainda ta casada com o Fábio?”

A pior parte daquilo tudo era que o elefante branco já entrava na sala logo no início da conversa.

“Eu estou me divorciando.”, ela disse sem jeito.

“Caramba. Eu sinto muito”, falou honestamente James.

“Tudo bem.”

“Mas você tem uma filha, né? Ou teve mais?”

“Só uma.”

“Como ela se chama?”

“Saoirse.”

“Sar o quê?”

“Saoirse. Foi em homenagem à bisavó do Fábio.”

“Ah, entendi. Bem diferente.”

“É.”, ela olhou para baixo.

“E você tem alguma foto dela? Queria conhecê-la.”

“James, será que podemos não falar disso no momento?”, suplicou Alicia.

“Tudo bem, me desculpa. Podemos falar de outra coisa sim." O peguete de Letícia (Você piscou e ela tirou o seu ponto) achou que ela se animaria em falar da filha, mas provavelmente o assunto também a lembrava do divórcio. "Então, você ta trabalh...”

“Me desculpa, James.”, ela tocou no braço do coordenador. “É que eu to muito nervosa. Com o divórcio. E com outras coisas.”

“Tudo bem, eu entendo. Não precisamos falar sobre isso ou sobre nada relacionado a isso.”, ele apertou a mão dela.

“Obrigada, obrigada.”, ela apertou a mão dele de volta.

Os dois começaram a conversar sobre a vida e sobre os caminhos diferentes que trilharam. Alicia estava muito nervosa, só pensando em quando contaria a verdade para James. Ela percebeu que por mais que a conversa estivesse sendo agradável, era torturante evitar por tanto tempo a revelação, então assim que ela achou um espaço na história do antigo amigo, disse:

 “James, eu preciso falar com você sobre algo... bem sério.”, ela respirou fundo. “Tem a ver com o meu divórcio.”

“Ok.”, o coordenador olhou para ela sem entender a ligação do divórcio dela com ele. A não ser que... Será?

“James...”, as lágrimas já ameaçavam cair. “Me desculpa. Eu não sei como te contar isso.” Ela escondeu o rosto com as mãos.

“Calma, Alicia.”, ele segurou a mão dela novamente.

“Não segura a minha mão, por favor.”, ela soltou a mão dela rispidamente da dele. “Me desculpa, mas eu não quero que você segure a minha mão pra soltar depois.”

“Ok”, disse James nervoso. Parecia realmente ser algo sério.

“O Fábio e eu tivemos um casamento muito bom, muito bom mesmo. Nós três estávamos muito felizes. Mas... Mas... A Saoirse... Ela sofreu um acidente. Ela foi atropelada.”

A filha dela morreu. James foi mais uma vez segurar a mão de Alicia, mas no meio do caminho se deteve. Não, ela não morreu, porque isso não seria um motivo para ele ter raiva dela... Os olhos dele, de repente, arregalaram.

“E aí ela precisou de transfusão de sangue...”

O coração de James bateu rápido. Ele já sabia a conclusão da história. Ainda assim, não disse nada. Estava em choque.

“Na hora da transfusão, descobrimos que... Descobrimos que ela não é filha do Fábio.”, as lágrimas caíam torrencialmente do rosto dela. Era vergonhoso estar daquela maneira aos olhos de desconhecidos, mas era melhor contar em um lugar público, que exigia discrição dos envolvidos, do que num privado, onde todos podiam agir da maneira que quisessem. Ela não tinha medo de James bater nela, mas tinha medo do que ele diria se só estivessem os dois a sós.

James continuava sem dizer nada, mas também sem olhar para Alicia.

“Você se lembra... você se lembra de quando ficamos juntos... da última vez?”

James continuou quieto, tentando processar tudo. Naquele mesmo dia ele tinha acordado sem filha, agora acabava de descobrir que tinha uma, que o nome dela era horrível e que era em homenagem à bisavó de outro homem.

Alicia resolveu não dizer mais nada. Ela sabia pela feição do coordenador que ele havia entendido completamente a situação. Ela esperou que ele dissesse alguma coisa. Parecia uma eternidade.

“Você nunca desconfiou que ela fosse a minha filha?”

“Eu não sabia.”

“Não sabia ou não tinha certeza?”

“Não tinha certeza.”

James olhou para Alicia com desprezo. Ele não era um cara de nutrir ódio, mas naquela hora, estava fervendo.

“Quantos anos ela tem?”

“Nove.”, ela disse quase sem voz, chorando.

“Nove.”, ele repetiu. “P**a que pariu!”, falou baixo. “E cadê ela?”

“Ela ta no hotel com a minha mãe.”

“Ela sabe que o Fábio não é o pai dela?”

“Ela descobriu.”

“Eu quero ver ela.”

“Ok.”

“Agora!”, ele disse firme, controlando o tom de voz para quem ninguém ouvisse.

“Ok.”

James estava muito, mas muito p**o. Durante o trajeto inteiro até o hotel, não dirigiu uma palavra para Alicia. Ela enxugava as lágrimas de vez em quando, enquanto dirigia. Se ele pudesse, nunca mais olharia para a cara dela. Como esconder esse segredo por tanto tempo? Se ela tinha dúvidas, porque nunca tentou descobrir a verdade? Com que direito ela achou que a felicidade dela valia mais do que a dos outros envolvidos? Uma filha de 9 anos. Quanta coisa ele perdeu. Ele não sabia nem como a garota se parecia, se havia puxado algum aspecto dele. Se o acidente não tivesse acontecido, ele nunca descobriria nada. O coordenador fechou a mão em punho, sentindo muito ódio de Alicia.

O ódio foi substituído pelo nervosismo, assim que ele chegou no hotel. Como ela seria? Como ela seria? Será que ela o aceitaria como pai? Será que ela pensaria que ele a abandonou? O quanto ela sabia de toda a situação? Será que ela sabia que talvez conheceria o pai naquele dia?

Antes de abrir a porta do quarto, Alicia disse:

“Eu sei que eu não tenho direito de te pedir nada, mas vai com calma. Ela ta muito abalada com tudo o que ta acontecendo.”

James não disse nada, mas pensou “Vai tomar no c*!”

Os dois entraram no quarto do hotel. A mãe de Alicia estava deitada na cama. James correu os olhos no cômodo, buscando uma criança. Saía do banheiro Saoirse. Os dois se olharam e sem qualquer apresentação, se reconheceram.

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